Aniversário

— Não queria? — Lady Eleonor repetiu, a voz agora quase um sussurro gelado, carregado de condenação. — Não queria existir? Pois bem… talvez seja mesmo o que você mereça. Pois sua presença é um lembrete constante do que eu não posso mudar, do que não posso controlar… do que me foi tirado e ainda assim me obriga a suportar sua existência!

Senti um nó apertar a garganta, o corpo inteiro sacudido por tremores que vinham da mistura de medo, dor e desespero. A frustração e a raiva dela eram insuportáveis, e eu não sabia como me defender.

— Perdoe-me… — murmurei novamente, a voz quase inaudível, soluçando. — Eu… eu não queria ter sido um peso…

— Peso? — Ela riu, mas era um riso amargo, seco, que não trazia alívio. — Você é mais que um peso, Honora. É a lembrança viva de tudo que é imperfeito, de tudo que desafia minha vontade e me força a enfrentar o que deveria ter sido perfeito!

Engoli em seco, o coração disparado, a respiração presa, sentindo o chão do quarto tremer sob meus pés invisíveis, como se cada palavra dela fosse capaz de desmoronar o mundo que eu ainda tentava compreender.

Eu já me virava para sair quando ouvi sua voz novamente, fria, cortante:

— Sabe o que é hoje? — perguntou, e seus olhos azuis faiscaram de amargura. — Sabe que dia é hoje, Honora?

Hesitei, o coração acelerando. Ela mesma respondeu, antes que eu abrisse a boca:

— O dia em que minha maldição começou.

Minha garganta se fechou, mas ainda assim consegui sussurrar:

— Hoje… é meu aniversário.

Lady Eleonor arqueou os lábios num sorriso torto, quase cruel.

— Aniversário? E deveríamos celebrar? — murmurou, com um desdém gélido. — Celebrar o dia em que fui condenada a carregar você como um fardo? O dia em que minha maldição começou?

Senti o peito se despedaçar por dentro, como se cada palavra dela fosse um punhal cravado em meu coração. Sem responder, apenas curvei a cabeça, engoli as lágrimas e saí do quarto às pressas.

Desci os corredores com passos trêmulos, cada lágrima queimando em minhas bochechas. Eu precisava de um lugar para me esconder, para chorar sem ser vista. A biblioteca era o único espaço da mansão que sempre permanecia vazio, ignorado até pelos empregados. Eu sabia que não devia entrar ali, não era um lugar destinado a mim, muito menos a uma criada como eu, mas o medo de ser vista chorando, ou pior, de cruzar com William nos corredores, foi mais forte do que qualquer regra.

Eu sabia que não deveria ir ali, mas não conseguia me conter. Cada corredor da casa parecia me lembrar do que eu não era, do que Eleanor esperava de mim, do quanto eu não pertencia. Meu peito doía demais, a raiva e a tristeza se misturavam, e eu sentia que, se continuasse andando pelos corredores, acabaria chorando na frente de alguém. Alguém que perguntaria o porquê das lágrimas, e eu não tinha respostas. Não podia ter. Então, silenciosa, abri a porta da biblioteca e entrei.

O cheiro de livros antigos e madeira encerada me envolveu, e por um momento tudo pareceu mais seguro. A luz que entrava pelas janelas altas iluminava o pó suspenso no ar, tornando o ambiente quase sagrado, quase protegido do mundo lá fora. Sentei-me perto da janela, apoiando a testa na madeira fria do peitoril, e deixei que as lágrimas escorressem sem controle.

Olhei para o reflexo na vidraça e mal reconheci a garota que me encarava de volta. A pele negra, os traços finos, a vulnerabilidade estampada nos olhos. Por um instante, odiei aquele reflexo. Me amaldiçoei por sentir dor por uma mãe que nunca me veria como filha, por uma casa que nunca seria minha, por uma vida que parecia destinada apenas à obediência, dor e à invisibilidade.

— Nunca serei amada… nunca serei amada de verdade — murmurei, quase engolindo a própria voz.

O som de um leve rangido interrompeu minha solitude. Virei a cabeça e o coração disparou. Do outro lado da biblioteca, entre as estantes altas, ele estava lá. William. Com um livro na mão, olhando para mim como se tivesse me descoberto em flagrante pecado. Meu corpo inteiro tremeu, e a culpa me fez recuar instintivamente.

— Perdoe-me, senhor… eu não devia estar aqui. Me desculpe — sussurrei, levantando-me devagar, limpando as lágrimas apressadamente. Meu corpo queria fugir, desaparecer, qualquer coisa que me tirasse daquele olhar pesado.

Mas antes que eu pudesse virar de costas, ele falou, firme, com uma voz que não aceitava desculpas:

— Fique.

A palavra não soou como pedido. Soou como ordem. E mesmo com meu coração batendo tão rápido que parecia explodir, não havia alternativa. Fiquei parada, encarando-o, sentindo cada músculo do corpo tensamente preparado para recuar, mas incapaz de fazê-lo.

— Chorando na frente de livros? — zombou, a voz cortante. — Nunca vi ninguém tão dramática.

— Eu… eu não… eu só precisava… — comecei, mas as palavras se embaraçaram na garganta.

Ele cruzou os braços, encostando-se à estante mais próxima, os olhos fixos em mim com um interesse calculado. Depois de alguns segundos, a voz ficou menos ríspida, mas ainda carregava ironia e controle:

— Então… o que te faz derramar lágrimas assim?

— Não é nada… — murmurei, desviando os olhos. — Desculpe…

— Desculpe? — repetiu, sarcástico. — Sempre com desculpas. Você deveria parar de pedir perdão por tudo.

Me sentei mais firme no sofá, tentando recompor a postura.

— Vamos, eu odiaria forçar você a falar — disse, a voz firme, quase desafiadora. — Paciência não é minha virtude. Estou entediado e quero me entreter. — Ele colocou o livro em uma mesinha próxima, o gesto frio, preciso, quase militar. — Esses volumes estão me entediando.

— É só que… estou triste. — A verdade escapou, simples e direta. — Hoje é meu aniversário.

Ele arqueou uma sobrancelha, um meio sorriso irônico. — Seu aniversário? Chorando porque mais um ano se passou e você continua… você mesma?

— Não, você não entenderia — murmurei, sentindo os olhos se encherem de lágrimas de novo.

— Tente — disse ele, aproximando-se um pouco mais, mantendo a postura reta, a presença intensa. — Se me contar, talvez eu lhe dê algo.

O coração disparou. Nunca havia recebido um presente. Pisquei os cílios molhados. — Você realmente me daria um presente? — perguntei, hesitante.

Ele deu de ombros, indiferente. — Não é grande coisa.

— Eu… sinto falta de uma mãe — admiti, baixinho.

Ele parou por um instante, um pequeno lampejo de algo atravessando seu olhar, talvez lembrança de sua própria perda, mas voltou rapidamente à expressão séria e hostil.

— Todo mundo sente falta dos pais de alguma forma… mas não precisa se esconder aqui entre livros como uma criança.

— E você? — arrisquei, timidamente. — Sente falta dos seus pais?

Ele desviou os olhos por um momento, a mandíbula tensa, antes de retomar o tom hostil: — Não é algo que se discute com criadas chorando na biblioteca.

Respirei fundo e mudei de assunto: — Gostaria de um livro — sussurrei. — Um livro só meu.

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