Eleonor

— Acho que não… não parecia dor. Eu ouvi dizer que o lorde William é… um homem de talento para agradar uma mulher.

— E o que isso significa? — perguntei, franzindo a testa.

Clarissa arqueou a sobrancelha, surpresa.

— Nenhuma mulher nunca te explicou o que um homem faz quando é amante de uma mulher?

Balancei a cabeça, envergonhada.

— Não… nunca.

Ela soltou uma risada leve, cúmplice, quase maliciosa para a idade.

— Então nós temos muita coisa para conversar ainda.

Não consegui conter o riso nervoso e, em segundos, as duas estávamos rindo juntas, abafando a voz para que ninguém na cozinha ou nos corredores pudesse ouvir, como se compartilhássemos um segredo proibido.

****

Meses haviam se passado desde que chegamos à mansão Redcliff, e aos poucos eu me adaptara à rotina da casa. As tarefas diárias, os corredores intermináveis, os quartos sempre precisando de atenção… tudo começava a fazer parte de mim. Clarissa permanecia minha companhia mais próxima, uma amiga leal, ainda que tímida. Juntas, confidenciávamos medos e pequenas alegrias, mas havia algo que me deixava constantemente em alerta: William.

Ele nunca escondia a hostilidade. Há meses atrás Clarissa havia me alertado, mas tudo se tornou muito pior com William. Seus olhos azuis claros me seguiam por todos os cantos, calculando cada gesto, cada hesitação minha. Eu sabia, ou ao menos acreditava, que ele me detestava. E não era uma antipatia superficial; era a sensação de que eu estava constantemente sendo testada, desafiada e, de algum modo, humilhada. Ele se divertia em me colocar em situações embaraçosas ou perigosas: algumas vezes trancava-me por minutos dentro do armário de mantimentos sem motivo aparente; outras, bloqueava minha passagem nos corredores com uma força inesperada, apenas para ver minha reação de susto. Quando eu derrubava algum objeto, seus olhos se estreitavam, quase debochando de minha descoordenação.

Era uma vida de inferno velado, onde cada passo podia ser motivo de repreensão, cada gesto era observado e julgado. Não havia mansidão em sua atenção, apenas um controle frio e calculado, que me deixava com a sensação de ser um intruso indesejado naquela casa.

Naquele dia, porém, a tensão era ainda maior. Lady Eleonor desejava me ver imediatamente. Minha mãe acabara de perder o segundo bebê em três meses, e o andar superior estava mergulhado em dor silenciosa, o ar impregnado de lamentos contidos. Ao passar pelo corredor, uma das mulheres que cuidava do parto saiu do quarto com uma bacia contendo o que restara do nascimento, o sangue quente ainda chamuscando minha memória olfativa.

— A lady quer vê-la, Honora — disse a mulher, firme, mas com um toque de pena. — Entre.

Meu coração disparou. Cada passo em direção à porta fazia meu estômago se contorcer. Entre a hostilidade de William e a tragédia que pairava sobre minha mãe, eu não sabia se a verdadeira ameaça era ele, ou o mundo que me cercava em Redcliff.

Entrei no quarto com passos cautelosos, o chão de mármore caro, deslizando sob meus pés. O ar estava pesado, impregnado de uma mistura de velas, lavanda e antisséptico que nunca saía completamente. Minha mãe estava deitada, o corpo ainda frágil, a pele mais pálida do que eu jamais a vira, quase translúcida. Os lábios, brancos, mal se mexiam, e os olhos, azuis vidrados, fixos à frente, como se enxergassem algo além das paredes do quarto, algo que só ela podia compreender.

— Lady Eleonor… — arrisquei, engolindo em seco, sentindo o coração bater rápido demais. — A senhora… queria me ver?

Ela virou o rosto vagamente, e então, num murmúrio suave, quase sem força, começou a falar:

— Eu preciso dar um herdeiro ao Alistair… — disse, a voz trêmula, mas carregada de uma determinação fria. — Preciso dar-lhe um herdeiro. Afinal, foi por isso que ele nos tirou da sarjeta, você entende?

Aquelas palavras me atingiram como um golpe. O peso da expectativa, do dever, do fracasso iminente se apoiava sobre nós duas de maneira quase palpável. Instintivamente, estendi a mão, tentando segurar a dela, como se pudesse, de algum modo, ampará-la e ao mesmo tempo buscar amparo.

— Sinto muito, mama… — tentei dizer, mas antes que minha voz pudesse completar a palavra, ela se mexeu, acordando um pouco mais, os olhos finalmente encontrando os meus.

— Sinto que fui amaldiçoada em ter você. — A frase saiu quase sussurrada, mas firme, cada palavra cortante, como lâminas invisíveis. — Você… como pode ter nascido perfeita, e agora, quando eu mais preciso… eu não consigo gerar um filho vivo, saudável?

O nó na garganta me impediu de falar. Cada fibra do meu corpo parecia se retrair, como se minha própria existência fosse a culpada por toda aquela frustração, por toda a dor que eu não conseguia entender.

— Eu fui amaldiçoada por ter você, Honora. — Ela continuou, a voz embargada, mas carregada de desprezo e raiva contida. — Deus me amaldiçoou por ter uma filha mestiça… uma criatura que não deveria ter nascido para me confrontar dessa maneira. Agora, preciso gerar outro filho, e falho… sempre falho.

Meu peito apertou. Tentei falar, murmurei, quase engasgada:

— Eu… sinto muito, mamãe…

— Não me chame assim! — Ela interrompeu, a voz ganhando força, o olhar flamejando. — Nunca mais me chame assim! Nunca mais!

Senti-me encolher, esmagada pela intensidade da dor e da humilhação. A vontade de desaparecer era quase física, uma necessidade de me tornar invisível diante daquele julgamento implacável.

— Perdoe-me… — sussurrei, sentindo as lágrimas escorrerem. — Eu também… eu também não queria ter nascido…

Ela me olhou, a fúria e a frustração queimando nos olhos, e cada palavra parecia pesar mais do que a anterior.

— Você não sabe o peso, Honora. — Sua voz era uma lâmina, cortante, cada sílaba carregada de autoridade e dor. — Não sabe o peso que carrego todos os dias para manter esta casa, esta família, este teto sobre sua cabeça. Não sabe o que é ter que suportar expectativas que esmagam, responsabilidades que matam lentamente… e ainda assim você se atreve a fingir que é pobre, fraca, desamparada?

Engoli em seco, as lágrimas caindo silenciosas, sentindo cada acusação como uma pedra cravada no peito. Ela continuou, a voz baixa, firme, cortante:

— Cada gesto, cada movimento, cada palavra que você ousa pronunciar deve lembrar que sua existência aqui é um privilégio. Um teto sobre sua cabeça, comida em sua mesa, roupas que oprimem o corpo com seu peso e calor, e você ainda ousa pensar que pode se fazer de vítima, de coitada? Não, Honora… isso não é para você. Nunca foi.

O quarto parecia se estreitar, como se as paredes respirassem junto com a raiva que Lady Eleonor exalava. Eu sentia meu corpo inteiro tremer, incapaz de responder, de me defender, de existir sem culpa diante da mulher que me dera a vida. Cada palavra dela me queimava, atravessando-me como se eu fosse nada mais do que um objeto que existia para suportar sua frustração e sua dor.

— Eu… — tentei falar, mas cada palavra morria na minha garganta, esmagada pelo peso da humilhação. — Eu… não queria…

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