Joaquim deu um gole longo no uísque, sentindo o líquido queimando na garganta. Desde que Clara o abandonara, não permitia que ninguém chegasse perto o suficiente para feri-lo de novo. Alina, porém, sem perceber, começava a desafiar essa barreira.
“Por que ela me intriga tanto? ” pensou, irritado consigo mesmo. Sacudiu a cabeça, afastando o pensamento como se pudesse jogá-lo fora junto com o último gole do uís-que. Colocou o copo vazio na pia e passou a mão pelos cabelos escuros. “É só a babá. Nada além disso. ” Mas, mesmo enquanto deixava a cozinha em direção ao seu escritório, não conseguiu evitar que a ima-gem de Alina continuasse pairando em sua mente, como uma lembrança incômoda que insistia em voltar. Na manhã seguinte, Alina despertou cedo, como de costume. O sol já iluminava suavemente o quarto simples e bonito em que ela dormia. Tentou se concentrar nas tarefas do dia: alimentar Isabela, preparar suas roupas, brincar com ela, mantê-la segura e feliz. Mas, por mais que tentasse, flashes da noite anteri-or continuavam invadindo sua mente. Ela se lembrava do jeito como Joaquim a olhou na cozinha, aquele olhar que a atravessava como se a despisse sem tocá-la. O modo como ele segurava o copo de uísque, com os ombros largos e relaxados, a voz rouca e grave, mas com um tom que parecia... intrigado. E ela ali, toda sem jeito, de pijaminha curto, tentando manter a compostura. “Por que ele me olha daquele jeito? ”, pensou, franzindo o cenho enquanto colocava Isabela na cadeirinha do café da manhã. “Eu só sou a babá. Não sou nada. ” Suspirou e tentou se concentrar na criança, que batia as mãozinhas na mesa, exigindo atenção. Quando Alice apareceu na cozinha, sempre sorridente e gentil, Alina se forçou a abrir um sorriso. — Bom dia, Alina. Dormiu bem? — Perguntou a governanta. — Dormi sim, obrigada, senhora Alice — respondeu, tentando soar natural. Mas, no fundo, Alina sabia que aquela noite tinha mexido com ela de um jeito estranho. Sentia um nervo-sismo crescente, como se a qualquer momento o olhar de Joaquim pudesse pousar sobre ela de novo, e seu corpo reagisse da mesma forma sem que ela pudesse controlar. Ela terminou de dar o café da manhã a Isabela e se ocupou com as tarefas do dia, tentando, em vão, afastar da mente a lembrança daquele momento tenso e intrigante na cozinha. Naquela tarde, Joaquim trabalhava em seu escritório quando o riso suave de Isabela chamou sua aten-ção. Curioso, foi até a porta e espiou discretamente pela fresta. Alina estava no tapete da sala com a be-bê, balançando um ursinho de pelúcia e fazendo vozes engraçadas, o que fazia a pequena gargalhar. Ele ficou imóvel, observando a cena com um misto de fascínio e desconforto. Havia algo na maneira co-mo Alina lidava com Isabela — o carinho genuíno, a paciência quase maternal — que o desconcertava. Clara nunca tivera aquele jeito. Nunca se abaixara no chão para brincar com a filha, nunca se importara tanto. Joaquim cruzou os braços e tentou se convencer de que estava apenas admirando o trabalho da babá, mas a verdade era outra. Ele percebeu que havia algo naquela mulher simples e reservada que começa-va a ocupar seus pensamentos, mesmo que ele não quisesse admitir. Na noite seguinte, Alina se preparava para sua folga semanal. No quarto, falava ao telefone com uma amiga. Joaquim, que passava pelo corredor, ouviu a voz baixa e parou sem querer, curioso. No quarto, Alina ajeitava os cabelos diante do espelho enquanto falava com o telefone no viva voz. A ami-ga do outro lado da linha, sempre animada e curiosa, falava com empolgação. — Finalmente, aceitou sair com a gente né? Estamos todos com saudade... E também estamos todas morrendo de inveja quando soubemos onde você foi trabalhar! Alina suspirou, tentando controlar o nervosismo. — Ah, para com isso… — Para nada! — Retrucou a amiga, rindo. — Vai, me conta! Como é esse tal patrão? Dizem que ele é um gato! Com um jeitão sério e sexy…. É verdade? — Ele é… — Alina hesitou, sem jeito, tentando encontrar as palavras certas. — Ele é bonito, muito bonito. Mas é só isso. Muito fechado, sério demais. Nem parece que enxerga a gente de verdade. — Ah, mas aposto que você fica toda sem graça perto dele! — A amiga provocou, rindo mais ainda. — Di-zem que ele é um colírio e um pedaço de mal caminho. Alina riu nervosa e tentou mudar de assunto. — Vamos parar com isso, por favor! Vocês já decidiram onde a gente vai? — Claro! Vamos naquele bar novo na Vila Madalena, lembra? Tem música ao vivo, gente bonita e os me-lhores drinks. E a gente vai dançar até de madrugada! Você merece se soltar um pouco, amiga! — É… vai ser bom. Tô precisando mesmo relaxar.