Entre o Dever e o Desejo
Nas primeiras luzes da manhã, o hospital ganhava vida:
Corredores iluminados, enfermeiras apressadas e o som familiar dos termômetros digitais anunciando cada batimento.
Caleb Vasconcellos chegava com o olhar focado, mas sentia o peso das noites mal dormidas e das decisões urgentes. Sua agenda incluía reuniões com acionistas, decisões sobre a expansão de unidades e a revisão de contratos suspeitos.
Apesar da importância dessas tarefas, era na recuperação de Ava que seu coração encontrava razão para persistir.
A rotina doméstica, sob o comando de Francine, tornava-se cada vez mais apressada.
Ela atendia telefonemas sobre Lucas, organizava a mansão e preparava almoços que raramente eram desfrutados em família.
Seu amor por Caleb permanecia velado em gestos de carinho e conselhos insistentes:
"Você precisa descansar, Caleb. Deveríamos contratar mais médicos para aliviar sua carga."
Mas algo em seu tom insinuava uma vontade de aproximar-se, de se tornar indispensável como companheira e co-presidente de fato do conglomerado.
Caleb via com clareza o perigo que Francine representava caso fizesse parte de sua vida amorosa.
Ele aprendera na própria vida que poder e afeto não deveriam se misturar.
Amar novamente significava expor seu coração e seu império a riscos. Mesmo assim, havia uma parte dele atormentada pelo silêncio e pelos vestígios de amor que ainda guardava para Sofi, e era aí nessa barreira que Francine não conseguia transpor.
Enquanto ponderava as próximas ações, ouviu o riso distante de Lucas vindo da sala de visita, onde a babá brincava com o garoto.
O amor por aquele menino era seu refugio. Ele sabia que precisava proteger Lucas de intrigas políticas e de qualquer pessoa que, por ambição, pudesse colocar sua família em risco.
Levantou-se, ajeitou a gravata e caminhou até a sala de visita, deixando os papéis para trás.
Com Lucas nos braços, Caleb encontrou o único consolo capaz de acalmar sua alma.
"Papai está bem?"
perguntou o menino, segurando firme a gravata.
"Estou, meu filho. Papai sempre volta para você."
Naquele momento, o médico lembrou-se do juramento que fazia diariamente: cuidar da vida, seja na UTI, seja em casa, seja no futuro incerto que se abria à frente.
De volta ao gabinete, após brincar com seu filho, o crepúsculo lançava sombras longas sobre a mesa repleta de relatórios.
Caleb suspirou, decidido. Precisava manter Francine afastada das decisões que pudessem comprometer os princípios que ele construíra ao lado de Sofi.
Ao mesmo tempo, reconhecia que seus sentimentos por Ava estavam ultrapassando a compaixão e se aproximavam de algo mais profundo.
Mas ele sabia que teria que controlar o coração e evitar repetir os erros do passado.
O eco das lembranças e o peso das responsabilidades se entrelaçavam em sua mente.
Entre o dever de líder implacável e o desejo de curar um amor quase perdido, Caleb preparava-se para enfrentar não apenas os desafios do hospital, mas também a batalha interna que definiria seu futuro:
Entre a razão fria dos negócios e um juramento pessoal e o calor humano capaz de reacender a vida de duas pessoas marcadas pela tragédia.
Enquanto o crepúsculo se aprofundava, Francine retirava-se discretamente para seu pequeno escritório anexo à mansão. Lá, fechou a porta e deixou seu semblante se endurecer.
Nos aposentos silenciosos, os ecos do riso de Lucas e as vozes de Caleb ainda se faziam presentes, como uma lança cravada em sua alma.
Ela ajeitou o cabelo diante do espelho e suspirou, lembrando-se de cada momento que compartilhara com Sofi nos corredores da faculdade, de como acreditara que, ao formar-se casaria-se com Caleb e encontraria ao mesmo tempo amor e poder.
Mas o destino escolhera Sofi para ser a esposa de Caleb, e ela, Francine, ficara à margem, um amor fraterno que se transformou em desejo obsessivo.
Enquanto olhava seu próprio reflexo, raiva e inveja se misturavam em seu coração.
“Tudo deveria ter sido meu”
Rebateu em pensamento.
“A casa, o filho, o homem que amo… Tudo deveria ter sido meu.”
A imagem de Lucas brincando no colo de Caleb afundava-lhe o punhal do despeito no peito seco de amor.
A criança, adorável e inocente, era a prova viva de que Francine jamais teria o lugar de Sofi.
“Essa criança não deveria existir”
Pensou com amargura.
“Deveria ser meu filho fruto do meu amor com Caleb.”
Um sorriso frio surgiu em seus lábios ao imaginar ter Caleb para si: controlaria o hospital, o menino e o marido, todos sob seu comando.
Ela apertou a foto antiga de Sofi, onde apareciam as duas sorrindo juntas, e sentiu uma pontada de culpa.
Mas a ambição se impôs sobre a culpa:
Se ela pudesse se tornar esposa de Caleb, tudo mudaria. Ele precisaria de uma companheira forte, imbatível; alguém que o salvasse do vazio depois de Sofi.
E Francine, com seu talento médico e sua lealdade aparente, provaria ser a candidata perfeita.
Seu olhar caiu sobre o papel onde anotava ideias para a reestruturação do hospital. Ali estavam as assinaturas conjuntas, as mesmas que ela assinara amigavelmente, mas que, em sua mente, simbolizavam o poder a ser conquistado.
“Em breve, eles perceberão que eu sou indispensável”
Refletiu com um sorriso em seus lábios pintados por um batom vermelho.
“Não apenas cunhada, nem mera babá de Lucas, mas a mulher de Caleb, a matriarca desta família.”
Levantou-se e caminhou até a janela, de onde podia vislumbrar as luzes da cidade.
Sentiu o coração acelerar ao imaginar Caleb ao lado de Ava, acolhendo-a em seus olhos de médico e homem gentil.
“Essa frágil paciente pode ser meu trunfo”
Pensou articulando seus planos.
“Ao ajudá-lo a salvar aquela vida, conquistarei sua gratidão e talvez seu coração.”
A ideia de tornar-se parceira de vida e negócios depois de comprovar seu valor na recuperação de Ava acendeu uma chama ainda mais obsessiva.
Com um suspiro decidido, ela guardou a foto de Sofi no fundo da gaveta e pegou a agenda do hospital.
Entre reuniões e relatórios, planejou-se para aparecer ao lado de Caleb em eventos e decisões importantes, cimentando sua imagem de aliada e possível futura esposa.
“Ele voltará a me amar”
Jurou em silêncio. E, naquele instante, sua ambição se fundiu com a vontade de poder, forjando em Francine uma determinação
fria e implacável:
Ela seria a nova dona não só do coração de Caleb, mas do império que ele havia erguido.
Semanas se passaram.A cada dia, os médicos relatavam sua luta silenciosa para sobreviver. Os cortes cicatrizavam normalmente, os hematomas já clareavam, mas o corpo ainda não respondia.Um dos médicos responsável pelo acompanhamento de Ava Dr. Caleb olhou para a paciente em coma naquele leito.A fome de vida que ela demostrava era tremenda e apesar dos cortes, ferimentos e hematomas ela tinha traços perfeitos, delicados, e lutava bravamente para sobreviverE ele queria garantir que tudo estaria correndo bem, mesmo que ela ainda leve um tempo para acordar. Ele queria ajudar a dar essa chance a ela.Ava era uma sobrevivente, uma guerreira da vida!A luz branca e intensa do hospital contrastava com a escuridão em que Ava havia mergulhado. Sons distantes ecoavam em sua inconsciência, vozes murmuradas, o apito rítmico de máquinas que monitoravam sua vida frágil. Seu corpo paralizado sobre a cama de UTI, cercado por fios e tubos que pareciam uma rede que a prendia entre a vida e a mort
Marcas InvisíveisOs dias seguintes à cirurgia foram envoltos por um silêncio carregado e um clima de tensão palpável. Enquanto Ava permanecia em coma, seu corpo lutava para se recuperar dos traumas recentes, mas havia algo muito mais profundo escondido sob as feridas cicatrizes que contavam histórias de um sofrimento prolongado e de uma violência que não se encerrava com o acidente. Caleb, sempre atento e com o coração apertado, visitava o CTI a cada oportunidade, examinando os sinais vitais e, discretamente, os rastros de dor que marcavam a pele da jovem. Foi em uma dessas visitas que Fabiana, uma enfermeira jovem e sensível, aproximou-se dele com a urgência de quem tem um fardo pesado para compartilhar.Sentados em um canto menos movimentado da sala de descanso do CTI, Fabiana começou a falar em tom baixo, quase sussurrado, como se o simples ato de expor a verdade pudesse reavivar os horrores do passado.–Doutor, eu sei que Ava é uma sobrevivente, mas você precisa saber a exten
Marcas Invisíveis 2Caleb respirou fundo, fixando o olhar no monitor que pulsava ritmicamente.—A partir de hoje, farei questão de acompanhar cada passo da recuperação dela. Declarou com firmeza. —Não apenas como médico, mas como alguém que entende que a cura não é apenas física. Precisamos cuidar da alma, reparar as feridas invisíveis que ela carrega.O ambiente do CTI parecia absorver cada palavra, cada suspiro carregado de angústia e esperança. Caleb sabia que o caminho seria longo e cheio de desafios, mas a determinação de resgatar Ava, de oferecer-lhe um recomeço digno, o impulsionava. Ele se permitia, por um breve instante, agradecer a Deus por ter tirado de cena Taylor Mendes uma figura vil que representava a fonte de tanto mal para aquela mulher. “Obrigado, Senhor, por esse sinal de que a justiça, de alguma forma, está ao nosso lado,” Pensou com o coração apertado e os olhos brilhando com lágrimas contidas.Enquanto Fabiana e Caleb continuavam a conversar sobre os detalhes
AcidenteA noite estava pesada, carregada. Uma tempestade caía sobre a cidade.Raios riscavam o céu, iluminando por breves segundos a estrada sinuosa.O vento uivava entre as árvores, fazendo-as balançar de forma ameaçadora.O cheiro de chuva e terra molhada impregnava o ar, misturando-se ao aroma ácido do álcool derramado dentro do carro. Taylor segurava o volante com uma das mãos, a outra apertava com força o pulso de Ava. Seus dedos cravavam na pele dela, deixando marcas vermelhas que ardiam.O medo pairava como um peso no peito dela.— Eu já disse para não me desafiar, Ava! Sua voz soava como um rugido de fúria, um trovão ameaçador no meio da tempestade. Os olhos embriagados brilhavam sob a penumbra do painel.Ava tentou soltar-se, mas o aperto aumentou. Seu corpo tremia. A boca estava seca, a respiração entrecortada pelo medo que a consumia. Já conhecia esse olhar. O olhar de quem iria machucar.— Taylor, por favor...Sua voz era um sussurro. Sabia que qualquer palavra errada
O ResgateOs faróis da ambulância pintavam de tons fantasmagóricos a estrada, refletindo nas poças d'água como pequenos espelhos da tragédia.O som das sirenes ecoava pelas ruas desertas, enquanto a equipe médica dentro do veículo lutava para manter a frágil vida de Ava. O monitor cardíaco oscilava de maneira irregular, uma sinfonia incerta entre a vida e a morte.Dentro da ambulância, Ava permaneceu inconsciente. A cada ronco do motor, seu corpo estremecia levemente. O monitor cardíaco apitava de forma errática. O médico-chefe trocou um olhar preocupado com um dos enfermeiros.— Ela está muito fraca. Se não chegarmos a tempo...Ninguém completou a frase.A tempestade rugia lá fora, como se quisesse apagar qualquer vestígio daquela noite terrível. A ambulância acelerou pelas ruas vazias, atravessando semáforos, desafiando o tempo. Dentro do veículo, uma equipe lutava para mantê-la viva. O oxigênio foi colocado, compressões torácicas aplicadas. O eletrocardiograma apitava de manei
Luta Pela Vida.Quando, finalmente, a cirurgia chegou ao fim e Ava foi encaminhada para a Unidade de Terapia Intensiva, Caleb permaneceu por alguns momentos ao lado do leito.Ele observou o delicado sistema de fios e tubos que conectavam a jovem.A máquina da vida! Ele fez um juramento silencioso:Não apenas trataria os ferimentos físicos, mas procuraria ajudar a curar as feridas invisíveis, a reparar a alma que havia sido despedaçada. Enquanto deixava a sala, o médico olhava uma última vez para aquele corpo delicado, marcado pelo sofrimento, e em silêncio reiterou seu propósito de que faria tudo ao seu alcance para que aquela mulher pudesse um dia olhar para o espelho e ver não apenas cicatrizes, mas também a força de uma sobrevivente. O peso das memórias e a intensidade dos abusos que ela havia suportado pairavam no ar, transformando aquele momento decisivo. Caleb sabia que o caminho à frente seria longo e árduo, mas a determinação em salvar Ava e, por extensão, seu bebê, era ma
Ecos do PassadoNo silêncio filtrado pelas janelas grandes de seu gabinete, Dr. Caleb Vasconcellos repousava por um momento a caneta sobre os relatórios de contabilidade hospitalar e fechava os olhos, deixando as lembranças invadirem sua mente. Há três anos, ele perdera sua amada esposa, Sofi, vítima de um aneurisma cerebral fulminante, em um verão que jamais esqueceria.Desde então, o hospital havia se tornado em seu refúgio e sua prisão. Como acionista majoritário de um conglomerado de saúde que reunia especialistas de ponta em todas as áreas e , ele se dividia entre reuniões de diretoria, decisões estratégicas e investigações discretas sobre movimentações financeiras estranhas que ameaçavam a reputação construída com tanto esforço.Enquanto isso, seu filho Lucas, agora com cinco anos, passava a maior parte do tempo sob os cuidados de uma babá de confiança. Caleb raramente chegava a tempo do jantar e quase nunca via os primeiros progressos do filho. O sacrifício parecia inevitável