Capítulo 2

O som da rua ainda era calmo quando cheguei ao portão da boate. Era cedo, o suficiente para que o movimento ainda não tivesse começado, e o ar carregava um cheiro misto de asfalto quente e fumaça de carros. Os seguranças, já acostumados com meu rosto, abriram caminho sem precisar de verificação. Um aceno rápido e as portas se abriram, revelando o interior da casa antes de se encher.

A boate, naquele horário, tinha uma atmosfera estranha: silenciosa, mas carregada de potencial. O cheiro de álcool pairava levemente no ar, misturado ao cheiro de produto de limpeza. O palco central parecia ainda mais imponente sem a multidão, como se estivesse adormecido, aguardando os holofotes para despertar.

Segui pelo corredor estreito até o camarim, as portas de madeira rangendo suavemente. Algumas meninas estavam espalhadas pelo espaço, se alongando ou conversando baixinho. A ausência de Camile, minha melhor amiga, era notável; ela tinha viajado para visitar a mãe, e o camarim parecia menor, mais vazio sem sua risada fácil e comentários sarcásticos.

— Ei, Nora! — chamou Julia, ajeitando o cabelo no espelho. — Vai ser uma noite boa hoje. Ouvi dizer que tem clientes novos na sala VIP.

— Hmm — murmurei, passando a mão pelo cabelo e sentando-me em frente ao espelho. Comecei a preparar a pele. Cada gesto era mecânico, mas necessário. — Que ótimo.

— Ah, e tem um tal de… Gabriel, novo sócio do dono. Parece que ele vai aparecer mais vezes. — Contou uma das novatas, inclinando-se para frente como se fosse compartilhar um segredo importante.

— Novo sócio? — Perguntou Kris, franzindo a testa. — Não é novo, ele só não costuma aparecer muito na boate.

— E olha… que homem! — disse outra novata, mexendo na maquiagem. — Bonito, elegante, sabe? Aqueles que a gente só vê em revista.

— Milionário, pelo que ouvi. — Kris completou, sorrindo com empolgação.

Revirei os olhos, tentando me concentrar na maquiagem. Parecia que algumas nunca tinham visto um homem bonito ou rico antes, e a empolgação delas me fez sorrir de leve, misturando cansaço com divertimento.

— Vocês não cansam de falar dos mesmos caras? — murmurei baixo, quase para mim mesma. Mas, claro, minhas palavras chegaram aos ouvidos de Laura, que soltou uma risadinha.

— Relaxa, Nora, só estamos comentando. Não é todo dia que aparece alguém que faz a boate parecer interessante sem precisar gastar rios de dinheiro.

Sorri de canto, ajustando o delineador, passando pó na testa. Cada gesto me lembrava que eu estava me preparando para outro tipo de performance — uma versão calculada de mim mesma, que a boate exigia.

O camarim parecia ganhar vida com as conversas das meninas. Risadas, comentários sobre clientes, especulações sobre empresários. Pequenos fragmentos que escapavam de lá para cá, como sussurros do mundo que eu habitava depois do anoitecer.

— Ei, Nora — disse Júlia , baixinho, entregando-me um frasco de perfume —, você vai para a sala VIP? Dizem que o novo sócio gosta de ver as dançarinas de perto.

— Sim — respondi, respirando fundo. — Mas nada de mudanças. Apenas faço meu trabalho, como sempre.

Ela assentiu, dando de ombros e voltando para seu canto. Observei as outras meninas ajustando roupas, penteados, brincando com provocações leves umas às outras. A energia do camarim, mesmo antes do público chegar, era contagiante. Mas eu sabia que tudo aquilo tinha um preço. Cada gesto precisava ser calculado, cada sorriso escondia uma máscara.

Olhei para o espelho novamente, passando os dedos pelo cabelo, ajustando a postura. Ali, naquele espaço, ainda conseguia sentir a pequena diferença entre a Nora da boate e a Nora do balé. Um fio de consciência que me lembrava de quem eu realmente era quando as luzes se apagassem e o público se afastasse.

O relógio na parede marcava que a noite estava prestes a começar. As luzes ainda estavam apagadas, mas o som distante da pista e o burburinho do lado de fora anunciavam que, em breve, tudo mudaria. Respirei fundo, tentando concentrar-me no presente.

— Vamos lá, meninas — chamou uma das garotas, erguendo a voz levemente. — Hora de brilhar.

Suspirei, ajustei a alça do top e me levantei, sentindo a tensão familiar misturada à adrenalina. A boate já não era mais apenas um espaço físico; era um palco de regras silenciosas, desejos velados e olhares calculados. E, naquele instante, mais uma noite começaria.

Enquanto caminhava para a pista, percebi que cada sombra parecia observar meus passos. Cada som, cada risada distante, era uma lembrança de que ali, nada era apenas o que parecia.

E eu estava pronta para jogar meu papel.

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