Heloísa Moura Meus joelhos continuam fracos quando Vittorio me ajuda a entrar no carro. Meus dedos tremem enquanto seguro sua mão, como se precisasse de algo real para me ancorar na realidade. — Está tudo bem agora, amor — ele murmura, apertando minha mão com carinho. — Eu estou aqui. Quero acreditar nessas palavras, mas o medo ainda pulsa dentro de mim. O olhar de Liliane, sua voz cheia de veneno, suas ameaças... tudo ecoa na minha mente como um pesadelo que não acaba. Vittorio dá a partida, e logo estamos na estrada, deixando aquele hotel maldito para trás. Mas, mesmo longe, sinto como se Liliane ainda estivesse à espreita, esperando a hora certa para atacar de novo. — Ela falou alguma coisa? Fez algo com você? — Vittorio pergunta, sua voz carregada de preocupação. Desvio o olhar para a janela, vendo as luzes da cidade passarem em borrões. — Ela só queria me assustar — respondo baixinho. — Queria me mostrar que pode nos atingir a qualquer momento. Ele aperta o volante, os nó
Vittorio BianchiSaio do quarto em silêncio, certificando-me de que Heloísa está em sono profundo. A respiração dela é tranquila, mas sei que sua mente está longe disso. Cada pesadelo que Liliane plantou nela ainda a assombra. E eu não posso permitir que isso continue.Pego minha jaqueta no encosto da cadeira e deslizo para fora da casa sem fazer barulho. O ar da madrugada é frio, carregado com aquela energia densa de algo prestes a acontecer. O carro está estacionado logo ali, esperando. Quando ligo o motor, um arrepio sobe pela minha espinha. Esta noite pode mudar tudo.Dirijo até um galpão abandonado na zona industrial. Hugo já está me esperando ao lado de um carro preto, as mãos enfiadas nos bolsos do casaco. Seus olhos brilham sob a luz fraca do poste mais próximo. Ele sempre teve esse ar de quem já viu e fez mais do que deveria.Assim que desço do carro, ele se aproxima.— Tem certeza disso, Vittorio? — sua voz é baixa, mas carregada de significado.Encaro-o com firmeza.— Lilia
Hugo MouraAo chegar em casa, senti o peso da minha consciência como nunca antes. Cada palavra dita por Vittorio ainda ecoava na minha mente, como um lembrete incômodo de que eu estava falhando com as pessoas que mais importavam na minha vida.Ava estava sentada no sofá, absorta em um livro, mas assim que me viu entrar, ergueu os olhos, percebendo de imediato a minha inquietação.— Hugo? Aconteceu alguma coisa?Passei a mão pelos cabelos, suspirando. Sentei ao lado dela, sentindo meu peito apertar.— Aconteceu, sim. E eu preciso admitir que estive errado esse tempo todo.Ela fechou o livro e se virou completamente para mim, aguardando. Seu olhar sempre atento e compreensivo me encorajou a continuar.— Eu fui um idiota, Ava. Um irresponsável com a minha filha e um péssimo amigo para o Vittorio. — Respirei fundo antes de continuar. — Ver a maneira como ele protege a Heloisa, como está disposto a tudo para o bem dela, me fez enxergar o que eu estava ignorando. Eu deveria ser o pai dela.
Hugo MouraEngoli em seco e, pela primeira vez, encarei os dois sem o véu do orgulho que tanto me cegara. Heloisa falava com uma firmeza que nunca antes havia visto nela, e o modo como suas mãos estavam entrelaçadas com as de Vittorio me dizia tudo. Era amor. Simples, genuíno e inabalável. E eu, durante tanto tempo, fui incapaz de enxergar.— Eu nunca quis te magoar, pai. — A voz de Heloisa tremeu um pouco, mas seus olhos permaneceram fixos nos meus. — Mas eu também não podia viver uma mentira. Não podia seguir um caminho que não era meu.Suspirei e passei a mão pelo rosto. Cada palavra dela pesava em minha consciência como um lembrete cruel dos erros que cometi. Então, finalmente, olhei para Vittorio.— Eu fui injusto com você. — Minha voz saiu rouca, carregada de emoção. — Durante anos, confiei em você, vi como era leal à nossa família, e ainda assim, quando se tratou da minha filha, eu me ceguei pelo meu próprio orgulho. Te ataquei, te acusei, quando, na verdade, você estava apenas
Ava moura A campainha tocou, e por um instante, fiquei parada no meio da sala, sentindo o peso daquele som. Eu sabia quem era. Sabia que essa conversa era inevitável, mas isso não tornava mais fácil encará-la. Suspirei, tentando acalmar o turbilhão de emoções antes de abrir a porta. Hugo estava ali, parado na soleira, parecendo diferente como se um peso tivesse saído de seus ombros. Não porque o tempo o tivesse mudado fisicamente, mas porque havia algo em sua postura, em seu olhar, que eu não via há anos. Uma espécie de cansaço misturado com arrependimento. E, talvez, esperança. — Oi, Ava — ele disse, com a voz mais suave do que eu esperava. Assenti, dando um passo para o lado para que ele entrasse. Fechei a porta atrás de nós e me virei para encará-lo. Por um momento, o silêncio se instalou. Não um silêncio desconfortável, mas um que carregava histórias, mágoas e tudo o que nunca foi dito. Mas também havia alívio, por tudo que já ficou para trás. — Aceita um café? — pergunt
Heloísa Moura Quando minha mãe me ligou sugerindo um jantar em família, confesso que fiquei apreensiva. Ainda estava processando minha última conversa com meu pai, e apesar de sentir que havíamos dado um passo à frente, eu não sabia exatamente como as coisas ficariam entre nós. Vittorio, como sempre, me acalmou. — Vai ser bom, Heloísa. Seu pai está tentando, e sua mãe também quer essa reconciliação. E, no fundo, acho que você também. Ele estava certo. Parte de mim queria acreditar que aquele jantar seria um recomeço de verdade. Quando chegamos à casa da minha mãe, fomos recebidos com sorrisos e uma mesa lindamente arrumada. O clima estava leve, diferente das outras vezes em que reuniões familiares terminavam com portas batendo ou silêncios constrangedores. Meu pai, que até pouco tempo atrás evitava até olhar para Vittorio, parecia mais relaxado. Ainda mantinha seu ar de superioridade, mas havia algo diferente em seu olhar quando observava o homem que escolhi para compartil
Hugo Moura As horas se passavam e ninguém vinha trazer notícias da minha filha. Até que as portas se abrem e o médico que a atendeu disse que a Ava e eu podíamos entrar, quando entrei no quarto e vi o Vittorio segurando aquele bebê fui levado há vinte anos atrás. Quando vivi esta cena quando ele pegou Heloísa em seus braços pela primeira vez. Uma sensação de desconforto me atinge, entretanto, não posso ser injusto — o Vittorio ama a Heloísa de verdade. Eu vejo isso agora, mais do que nunca. Está no modo como ele segura aquele bebê. Nos olhos marejados, no cuidado atento, na respiração que ele prende como se qualquer movimento brusco pudesse ser demais para aquele ser tão pequeno e precioso. É o mesmo olhar de vinte anos atrás, mas agora mais maduro, mais consciente do valor da vida que carrega nos braços. Vittorio ergue os olhos e me encara. Há algo ali… um tipo de respeito silencioso. Ele se aproxima devagar, e quando para na minha frente, estende o bebê com delicadeza. —
Arthur Bernard Nunca pensei que um dia minha vida daria uma guinada tão abrupta. Estava sentado na sala, sozinho, com a cabeça a mil, quando o interfone tocou. Atendi sem muito interesse, mas as palavras do porteiro me fizeram gelar. — Senhor Arthur… há uma mulher aqui da assistência social. Ela está com um bebê. Disse que é importante. Senti o corpo gelar. Algo dentro de mim dizia que aquilo não era apenas uma coincidência. Desci apressado, coração acelerado e mãos trêmulas. Assim que vi a assistente social, já soube. — O senhor é Arthur Bernard? — ela perguntou, segurando uma criança enrolada num cobertor azul. — Sou eu… o que está acontecendo? — A mãe da criança… Liliane. Ela deixou uma carta no hospital e nomeou o senhor como responsável legal. Depois… desapareceu. O mundo pareceu parar. Meus pés fincaram no chão como se eu estivesse preso ali. Um bebê. Um bebê que eu sabia… era meu. Não precisava de exame nenhum. Liliane havia dito uma vez, entre lágrimas e promessas queb