O clube diplomático era um templo de mármore e pretensão.
As colunas gigantescas pareciam erguidas para impressionar mais do que sustentar. Os lustres de cristal pendiam do teto como coroas invertidas, projetando reflexos dourados que dançavam nas paredes como ilusões. Tapetes importados abafavam os passos, e os corredores exalavam o cheiro sutil de riqueza antiga, preservada com zelo. Homens engravatados e mulheres em vestidos impecáveis se cumprimentavam como peças de xadrez, movendo-se com a precisão de um balé político. Cada gesto era ensaiado. Cada frase, uma moeda. O perfume era caro. Os sorrisos, falsos. As intenções, afiadas como punhais escondidos sob camadas de seda. Isabelle entrou no salão com o avô ao seu lado, como sempre. A mão dele repousava em suas costas com uma firmeza discreta, quase paternal, mas ela sabia o que aquilo significava. Era um lembrete silencioso e constante: você é uma extensão da minha vontade. Ela usava o vestido azul escolhido horas antes com nojo contido. Os cabelos presos em um coque clássico que revelava a rigidez do protocolo. Brincos de safira que pesavam não apenas nas orelhas, mas na alma. Tudo nela dizia elegância e prestígio. E, ainda assim, ela estava sufocando. Quando entrou no salão principal, os olhares se voltaram para ela. Alguns por cortesia. Outros por obrigação. Mas muitos, por curiosidade. Isabelle era o novo adorno da dinastia Lins. A futura Sra. Barreto. A aliança entre dois impérios. Ela estava linda. Elegante. Intocável. E absolutamente infeliz. — A imprensa está na varanda — murmurou Armando, sem parar de sorrir. — Não se esqueça de sorrir também. Nem de apoiar a mão no braço de Alexandre quando necessário. Como ensaiamos. Ela assentiu quase imperceptivelmente. Sua garganta ardia. Alexandre apareceu segundos depois, como se soubesse exatamente o momento certo para fazer sua entrada. Bonito, alto, com cabelos escuros penteados com uma perfeição quase irritante. O terno sob medida moldava seu corpo como armadura. Seu sorriso era encantador. E, ainda assim, vazio. Como um espelho que refletia tudo, menos a verdade. — Você está deslumbrante — disse ele, beijando-lhe a mão. Os dedos dele demoraram meio segundo a mais do que o aceitável. Não o suficiente para ser repreendido. Mas o bastante para ser percebido. Isabelle não recuou. Já havia treinado para isso. — Obrigada. Você também está... formal — respondeu, sua voz seca, mas ainda coberta de verniz social. Ele riu como se ela tivesse feito uma piada espirituosa. Atrás deles, Armando observava a cena com olhos de lobo: atento, silencioso, perigosamente satisfeito. Seguiram juntos até a varanda, onde os repórteres os aguardavam como hienas sorridentes com microfones. Alexandre segurou a mão dela com segurança ensaiada. Isabelle permitiu. Sorriu para as câmeras, como fora treinada. Olhou diretamente para as lentes, mas não encontrou reflexo algum. Era como se já tivesse deixado de existir. Uma jornalista se aproximou, empolgada com a chance de capturar a imagem do “casal do momento”. — Senhor Barreto, o que o senhor pode nos dizer sobre essa parceria entre as famílias? Alexandre sorriu para a câmera, adotando sua persona pública. — É mais do que uma parceria. É um compromisso com o futuro. Com os valores que compartilhamos. Nossa união é também uma promessa de continuidade, de responsabilidade social. Estamos animados com os projetos que virão. Isabelle apenas sorriu. Aquela era sua única função ali: sorrir e parecer feliz. — Estamos muito felizes com essa aproximação — completou ele, apertando de leve a cintura dela com um gesto que dizia, silenciosamente: “Você é minha.” Isabelle sentiu o estômago se revoltar. Um arrepio percorreu sua espinha, mas ela manteve a pose. A câmera ainda estava ligada. Durante o jantar, ela quase não tocou na comida. Os talheres em sua frente pareciam peças de um jogo no qual ela não queria mais jogar. Ao redor da mesa, políticos e empresários discutiam contratos, reformas estruturais e cargos públicos. Alexandre falava como se estivesse diante de um palanque. Armando sorria como quem já havia vencido todas as batalhas antes mesmo de começarem. Isabelle, no entanto, estava em outro lugar. Um lugar cada vez mais distante daquela sala. A voz dela não era ouvida. Suas ideias, ignoradas. Suas emoções, irrelevantes. Sentia-se como uma boneca de cera sentada à mesa: bonita, educada, mas vazia por dentro. Um enfeite a serviço de uma narrativa que não lhe pertencia. Até que algo mudou. Foi quando Alexandre, com a confiança de quem se acredita intocável, ergueu a taça e declarou diante de todos: — Tenho orgulho de anunciar que Isabelle e eu oficializaremos nosso noivado no mês que vem. Com a bênção de nossas famílias, claro. O salão explodiu em aplausos. Isabelle congelou. Aquele anúncio não havia sido discutido. Nenhuma conversa. Nenhuma escolha. Nenhuma pergunta. Simplesmente... decidido. Por eles. Sobre ela. Ela olhou para o avô. Ele apenas ergueu a taça em resposta. Um gesto pequeno, mas ensurdecedor. Como quem diz: aceite. Ali, naquele instante, alguma coisa dentro dela se partiu. Não foi um rompimento dramático. Não houve grito, nem lágrimas. Foi um estalo. Um estalo silencioso, interno, mas definitivo. Como uma rachadura minúscula que, cedo ou tarde, abre um abismo. Quando a taça voltou à mesa, Isabelle já não era mais a mesma. O restante da noite passou como um borrão. Sorrisos. Flashes. Tchauzinhos ensaiados. Tapinhas nas costas. Conversas com gosto de papel. Todos celebrando algo que ela não havia pedido. Nem desejado. Na volta para casa, sentada no banco traseiro do carro, Isabelle permaneceu em silêncio. A cidade passava pelas janelas como um filme mudo. E ela apenas olhava para a própria mão. Ainda sentia o toque de Alexandre ali. Como se sua pele o tivesse absorvido. No quarto, despida da maquiagem, das joias, do vestido, ela sentou-se diante do espelho. O rosto que viu parecia o de uma estranha. Os olhos estavam vivos, mas assombrados. Como se gritassem por socorro atrás da pele impecável. Ficou ali por longos minutos, imóvel. Depois se levantou. Foi até a sacada e deixou que o vento frio da madrugada lhe tocasse o rosto. A cidade dormia. Mas dentro dela, algo finalmente acordava. Ela não sabia como. Nem quando. Mas sabia com cada célula do corpo: precisava escapar. Daquela casa. Daquele homem. Daquele sobrenome que a arrastava como uma âncora para o fundo de um oceano podre. E pela primeira vez, Isabelle Lins não se sentiu apenas prisioneira. Sentiu-se à beira de um despertar. Uma faísca acesa no meio do ouro. E uma voz — pequena, mas corajosa — sussurrou dentro dela: "Corra."