02

— Não é da sua conta.

— Acontece que agora é, Cecy. - Sou rebatida. Nenhum dos que vieram antes dele me responderam com tanta ousadia. Eles se continham no próprio silêncio e as palavras que diziam para mim eram apenas cordialidades. — Sua segurança está nas minhas mãos, então goste ou não, tudo o que faz e onde vai é da minha conta.

— Não é seu primeiro dia. - Uso as palavras dele, adicionando um toque ácido e irônico a mais. — Ainda não é oficialmente minha sombra, então saia do meu quarto e torça para que seu emprego dure até amanhã.

Seus lábios se curvam em um sorriso desdenhoso que exibe as covinhas da bochechas e seu pomo de adão balança. O estranho perambula pelo cômodo, evitando pisar no tapete com os sapatos e parando em frente as janelas altas, do chão ao teto com vista para os jardins dos fundos. As cortinas são afastadas por dois dedos, ele espia pelo vão, o perfil do rosto sombreado pela cor amarelada e aconchegante da iluminação.

— Seu pai me avisou sobre suas tentativas em se livrar de mim… entre outras coisas.

— Ah, é? - Suspiro, o sarcasmo amargando a língua. —  E o que mais?

— Pode ter enganado os outros antes de mim, mas não vai conseguir nada comigo. - O estranho solta as cortinas, brancas e violetas claras pendendo do varão dourado. — Seu pai teve um motivo para me escolher entre os cinco que se candidataram e digamos que a minha experiência com fugas foi o principal deles.

Fuga e a montanha de músculos que você é. Adiciono mentalmente, irritada. Altura e músculos assustam mais do que armas e ainda mais quando carregam uma. Amanhã ele terá uma arma escondida e usará roupas de um segurança antipático. Amanhã perderei o pouco de liberdade que eu tenho. Amanhã, ele saberá quantas vezes eu respiro durante o dia e não há nada que eu possa fazer para evitar isso.

É para minha segurança, sei disso. Papai é um figurão importante dentro das companhias farmacêuticas, dono de uma das empresas mais conhecidas do país e a fama sempre vem acompanhada de um lado ruim. E esse lado é a exposição. Nossos rostos são facilmente reconhecidos nas ruas e é por isso, que cresci cercada de brutamontes de preto e caras fechadas. Na infância eu não me importava, porque tinha aulas em casa e as governantas conseguiam me entreter. Depois que eu cresci, tudo piorou. A preocupação do papai aumentou quando disse que queria ir à escola como uma pessoa normal, ou não comeria mais nada e se intensificou quando comecei a pedir para ir para festas e para as casas dos meus amigos. No início os seguranças eram um acessório interessante de carregar por todos os lados, eu gostava dos olhares, da atenção. E então percebi que a presença deles impedia que eu fosse chamada para sair, que eu fosse beijada e tudo o resto. Foi aí que minhas fugas se tornaram comuns e as aprimorei a cada dia. Mas, eles sempre me encontravam e estragavam a diversão.

Isso está prestes a mudar. Esse cara acha que é melhor do que os outros? Vou provar que não é. É um desafio pessoal que vou vencer, leve quantas tentativas precisar.

Ele caminha até mim e para tão perto que sinto o perfume amadeirado com toques de canela invadir meu nariz. O calor flui de seu corpo e sou obrigada a erguer a cabeça para poder olhá-lo nos olhos. Sustento as íris profundas, mesmo minha consciência berrando para que eu me afaste. Com um peteleco ele me derrubaria, mas ignoro esse detalhe apelando para a teimosia.

Não sei quais são as especialidades dele, ou em qual das inúmeras academias de segurança ele foi treinado. Sequer me importa. Seja qual for a desse cara, ele é jovem demais para ter toda essa experiência da qual se gaba. É o guarda-costas mais jovem que eu tive, duvido que tenha mais do que vinte e tantos anos. Papai deve ter pensado que se contratasse alguém com alguns anos a mais do que eu apenas seria o suficiente para me manter sob controle. Sequer importa, porque faço dezoito semana que vem e finalmente poderei cuidar da minha própria vida e demiti-los. Ele os colocará nesta casa em um minuto e no próximo eu os colocarei para fora.

— Você não dura uma semana. - Provoco. Poderia perguntar o nome dele, porém para quê descobrir se em sete dias esse estranho será somente isso: um estranho. Apenas mais um dos seguranças que desistiram de mim.

Ele sorri de novo, soltando o ar ao mascar o chiclete. O hálito morno de menta esquenta minhas bochechas, fazendo-me prender a respiração por um instante.

— Espero que a festa de aniversário de Alícia Queller, no Redbloom tenha valido a pena, Cecy. - As palavras dele me sufocam. Franzo a testa engolindo o ar preso na garganta. Como ele sabia?  Redbloom é um bar de um hotel de luxo discreto quase na saída da cidade, conhecido por servir álcool para menores, se conhecer as pessoas certas e eu conheço. Ele se assoma sobre mim para sussurrar em meu ouvido: — Ainda acha que eu não duro uma semana?

O estranho se afasta e o encaro pelos três segundos que seus olhos me prendem ali, de ombros encolhidos nos braços cruzados, os pés protestando dentro dos saltos altos. Mesmo com eles, ainda sou ridiculamente minúscula.

O assisto caminhar até a porta dupla de madeira branca e maçanetas douradas. Droga, que saco!

— Vai me dizer o seu nome ou vou precisar invadir o escritório do meu pai e pegar a sua ficha?

Ele abre uma das metades da porta, hesitando, e me fita por cima dos ombros largos, o maxilar marcado combina com os cabelos castanhos escuros penteados com algo que deixa os fios bagunçados no lugar. Como uma bagunça pode estar milimetricamente arrumada e aceitável?

— Durma agora, Cecy. Está bem tarde.

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