A cozinha está tomada pelo aroma do café da manhã. A sala de jantar só é usada quando papai está e pela minha experiência, ele saiu bem cedo hoje e não está em casa.
Dakota é a cozinheira da casa há mais tempo do que eu tenho de vida. Uma senhora de cabelos brancos e pele fina. Seus olhos estão atentos às panelas que estão no fogo e os bracinhos redondos se ocupam em mexer o que tem dentro delas. São oito da manhã, mas ela gosta de começar a preparar o almoço antes o possível para que sempre tenha tempo de assar as melhores tortas doces do mundo de sobremesa.
— Papai disse quando volta, Cokki? - Pergunto. Cokki é o apelido carinhoso que uso desde que aprendi a falar. Eu não sabia pronunciar o nome dela direito quando era pequena e então acabou ficando. Nossa relação é quase maternal. Cresci trocando de governanta e guarda-costas, mas papai nunca precisou procurar outra cozinheira.
— Conhece seu pai, Cecy. Adianta ele dizer? - Ela gesticula com uma colher de sopa, espirrando o caldo no piso de mármore polido.
A cozinha também é branca, alguns armários têm puxadores dourados e portas de vidro, e a iluminação é parcial, dada por luzes redondas e discretas no teto e sob eles. Café, pão doce, frutas e queijos foram dispostos na ilha central, onde estou sentada na banqueta do meio, com os pés sobre a do lado e os joelhos dobrados contra o peito, balançando-me de vez em quando.
Abandono metade do meu iogurte com mel, porque o croissant com creme de avelã rouba toda a vontade de ser saudável que existe dentro de mim. Trago um deles para meu prato, desfiando as camadas da massa folhada. O sabor doce é um agrado na língua e quase suspiro de tão gostoso.
— Devagar com o açúcar. São oito da manhã.
A voz vem da entrada. Parado sob o arco que nos separa da copa, minha nova sombra me encara, os braços cruzados sobre o peito. Ele está de preto, mas não está vestido como um guarda-costas. Nem de longe. Camiseta lisa de algodão, jeans e uma jaqueta de couro. Ao menos, hoje escolheu botas, o que não anula o atrevimento da correntinha prateada no pescoço.
— Quer controlar meu café da manhã também? Cada movimento meu não é o suficiente? - Reviro os olhos e ele adentra o ambiente para se servir de uma xícara de café. Dakota recebe um sorrisinho em cumprimento e retribui, um tanto tímida. Ela não costuma se aproximar do seguranças, porque eles sempre mudam, mas é gentil com todos.
— Quero, se a quantidade de açúcar no seu sangue pode te matar. - Ele argumenta apoiando a base da coluna no balcão ao lado do fogão, levando a porcelana cara e clara aos lábios. O vapor sombreia as íris dele, fixas em mim. — Aplicou sua insulina antes de atacar isso aí?
Claro que ele sabe da minha condição médica. Todos os anteriores sabiam, porque precisavam estar preparados para lidar com qualquer emergência. Nasci com uma doença autoimune que me obriga a me espetar todos os dias com uma agulhinha para que o meu sangue não vire doce de leite nas veias. Meu corpo aparentemente veio sem uma das funções dele de fábrica e a insulina evita que eu colapse, desmaie e morra.