Mundo de ficçãoIniciar sessãoJá passavam da meia-noite e eu ainda estava na casa de Ethan. Ele tinha pedido que eu ficasse com ele e comesse uma pizza que havia pedido. Resolvi aceitar, porque eu também estava com fome. Comi em silêncio, sentindo sempre o olhar de Ethan sobre mim. Depois de quase me deixar maluca, ele resolveu colocar uma camisa, e eu fiquei mentalmente agradecida por ele ter feito aquilo.
— Ethan, eu tenho que ir. — Falei bocejando. — Tem certeza que precisa ir? Não gostaria de ficar? — Eu estava quase caindo no feitiço daqueles olhos e daquela voz. — Sim, não, quer dizer... — Me perdi em minhas palavras e ele deu um sorriso safado. Era a primeira vez que o via sorrindo, e foi ainda mais perfeito do que eu imaginava. — Eu preciso mesmo ir. — Vou pegar minhas chaves. — Ele saiu da mesa, e eu fui esperá-lo na garagem. Aquela tinha sido uma longa noite, e seria ainda mais longa se a droga da secadora não tivesse apitado. Mas no que é que eu estava pensando? Eu estava precisando orar, isso sim. Mamãe viajaria hoje de manhã e eu nem estava em casa ainda — com certeza ela deveria estar uma pilha de nervos comigo. — Vamos. — Ele falou já entrando no carro. Ele deu partida. Estava bem frio e o ar-condicionado do carro estava ligado, fazendo com que calafrios percorressem o meu corpo. Minhas pálpebras já estavam começando a pesar, mas eu me esforçava para não dormir. O único barulho que se ouvia era o dos pneus do carro arrancando contra o asfalto molhado. Ethan permanecia calado, e isso, de certa forma, me incomodava muito. Me ajeitei um pouco no banco e cocei os olhos. Subi as mangas da blusa e olhei para Ethan. Ele tinha uma mão no volante e a outra repousava sobre sua coxa. Percebi quando o carro parou em frente à minha casa e me dei conta de que, em nenhum momento, eu havia falado o caminho pra ele. — C-como sabia que eu morava aqui? — Perguntei, saindo do carro, e ele fez o mesmo. — Conheço cada canto de Ravenshill, Angel. E também conheço cada pessoa que mora por aqui. — Ele disse, ficando à minha frente. — Cada pessoa? Você por acaso é o quê, o bad boy de Ravenshill? — Falei irônica. — Não, mas eu gostei do “bad boy”. — Ele soltou um riso nasal. — Há quanto tempo está aqui? Disse que tinha se mudado recentemente. — Falei. — Digamos que eu menti. Eu nasci e fui criado aqui. — Ele respondeu calmo. Eu o olhei surpresa. — E por que eu nunca te vi por aqui? — Perguntei. — Você não gosta muito de sair, prefere ficar em casa. Já eu não. Eu não consigo ficar parado. Deve ser por isso que nunca nos vimos antes. — Ele respondeu, e eu sorri. — E o que foi fazer na igreja aquele dia? — Fui porque uma amiga pediu. Ela disse que era o único modo de largar o vício no cigarro. — Ele não parava de me encarar um segundo sequer, e eu não tinha outra direção para olhar. Se não fossem seus olhos, seria o corpo — e eu preferia algo que me tentasse menos. — Eu achava que você fosse mais religiosa, igual outras mulheres daqui. Mas você é diferente. — Ele passou as mãos pelo cabelo, bagunçando-o um pouco. — Devo ser a única pessoa que você não sabe de nada. — Falei, desafiando-o. — Está enganada, se pensa assim. — Ele disse convicto. Ethan manteve o olhar firme sobre mim. Por um instante, achei que ele fosse dizer algo banal, mas o jeito como ele respirou fundo — devagar, pesado — fez meu coração acelerar. — Eu conheço você mais do que imagina, Angel. — disse em voz baixa, quase num sussurro que me atravessou por inteiro. — Você gosta de ler romances, mesmo sem nunca ter vivido um. Gosta de acordar cedo e detesta atrasos. — Ele se aproximou mais, a voz rouca, carregada de certeza. — E fica tímida quando alguém do tipo... chega perto demais. Ou elogia você. Minha respiração falhou. O ar pareceu ficar mais denso entre nós. Ele deu um passo à frente, e o calor que vinha do corpo dele me atingiu de cheio. — Ethan... — murmurei, tentando manter a firmeza na voz, mas soou mais como um pedido fraco de socorro. Ele sorriu de leve — aquele sorriso que parecia saber exatamente o efeito que causava. E então, com um movimento lento, quase cuidadoso, ele levou a mão ao meu rosto e afastou uma mecha do meu cabelo, prendendo-a atrás da minha orelha. O toque de seus dedos na minha pele fez tudo em mim estremecer. — Não precisa fingir que não sente, Angel. — murmurou, o olhar percorrendo meu rosto como se me decifrasse. Eu recuei um passo, mas ele acompanhou o movimento, sem me tocar — e, ainda assim, era como se me tocasse de todos os jeitos possíveis. Meu corpo gritava para eu me afastar, mas meus pés pareciam enraizados no chão. — Deseja que eu te toque como ninguém tocou... — a frase saiu quase num sussurro, e eu senti o ar escapar dos meus pulmões. O tempo pareceu parar. Meu coração batia descompassado, a respiração curta, e cada fibra do meu corpo estava em guerra entre o medo e o desejo. Eu tentei encontrar minha voz, mas ela me traiu. — Ethan, eu... — comecei, sem conseguir terminar. Ele apenas sorriu, inclinando o rosto um pouco mais, o suficiente para que eu sentisse o calor de sua respiração roçar na minha pele. — Shh... — ele murmurou. — Não precisa dizer nada. E naquele instante, o silêncio entre nós era mais perigoso do que qualquer palavra. Um calafrio súbito me percorreu. — Sei também que você se arrepia quando ouve a minha voz… ou quando eu digo seu nome. — A voz de Ethan desceu grave, rouca, arranhando o ar entre nós. — Você não tem medo de mim, Angel. Tem medo do que possa acontecer enquanto está comigo. Não é mesmo? O hálito quente dele, misturado ao vento frio da madrugada, tocou a pele fina do meu pescoço. Foi o bastante para que cada parte de mim parecesse entrar em órbita. Por Deus, eu estava fervendo — de pura tensão, de puro desejo — por aquele garoto que mal conhecia, mas que parecia me ler como um livro aberto. — Mais alguma pergunta? — Ele sussurrou, tão perto que eu podia sentir o som vibrar entre nós. Ele estava a centímetros do meu rosto, e eu simplesmente não conseguia raciocinar. Tudo o que era certo parecia se despedaçar quando ele estava por perto. Eu nunca tinha sentido algo parecido por ninguém — nunca — e tampouco imaginei que alguém fosse capaz de me fazer sentir... aquilo. Um turbilhão que misturava medo, curiosidade e um desejo perigoso que me queimava por dentro. Como ele conseguia fazer isso comigo? Fazer meu corpo reagir como se tivesse vida própria? Fazer-me ter pensamentos que eu mesma considerava errados, indecentes — mas que, ao lado dele, pareciam inevitáveis? Ethan tirava de mim o que eu mais escondia: o lado que queria sentir, o lado que não sabia ser contido. Por que ele gostava tanto de me provocar assim? A proximidade dele era insuportável e deliciosa ao mesmo tempo. Eu precisava respirar, pensar, me afastar. E foi o que tentei fazer — mesmo que cada passo parecesse me rasgar por dentro. — Tenha uma boa noite, Ethan. — murmurei, forçando a voz a sair firme enquanto afastava a mão dele da minha cintura e passava pelo pequeno portão de casa. Ele não respondeu. Só ficou ali, me observando, o olhar escuro e indecifrável. O som do motor ligando ecoou na rua silenciosa, e, por um instante, tive a impressão de que o coração dele ainda batia dentro do meu peito. Entrei em casa, encostei a porta e deixei a testa recostar-se contra a madeira fria. Fechei os olhos. E foi ali, no silêncio do meu quarto, que admiti para mim mesma o que mais temia: Ethan estava se tornando o meu erro favorito. Eu mal acreditava no que acabara de acontecer. Eu estava praticamente tarando por um garoto àquela hora da noite. Meu Deus… o que tinha dado em mim? A casa estava em pleno silêncio. Passei pelo quarto de mamãe — a porta completamente escancarada — e segui direto para o meu. Tirei a roupa, ficando apenas de calcinha. O sono? Depois de tudo aquilo, tinha passado longe. Mas eu também não tinha um pingo de coragem para tomar banho. Joguei-me na cama, puxando um lençol fino para me cobrir. Lá fora o frio cortava, mas meu corpo parecia febril, como se cada lembrança do toque e da voz de Ethan queimasse sob a pele. Fechei os olhos. Alguns minutos depois, adormeci — e, inevitavelmente, sonhei com ele. --- Droga de despertador. Ainda nem eram seis da manhã e aquele barulho infernal ecoou pelo quarto. Sentei-me na cama, sonolenta, tentando abrir os olhos e quase caindo de novo no travesseiro. Então lembrei: mamãe viajaria em uma hora. Levantei num pulo e corri para o banheiro. Fiz um coque rápido no cabelo e abri o registro do chuveiro. Assim que entrei no box, ouvi a voz dela: — Angel? — o tom nervoso denunciava que ela já estava acordada. — Que horas você chegou? Mal te vi entrar, menina. — Meia-noite. — respondi, ensaboando os braços. — Você estava dormindo, não quis te acordar. — Se arrume. Conversamos lá embaixo. — ela disse, e eu juro que engoli seco quando ouvi aquilo. Terminei o banho, me enxuguei e vesti um vestido leve, uma sapatilha. Soltei os cabelos e passei só um pouco de maquiagem — o suficiente pra disfarçar a cara de quem dormiu mal. Desci as escadas em silêncio, torcendo pra que as horas voassem. — Sente-se aqui comigo, Angel. — mamãe falou, sentada à mesa da cozinha, mexendo em alguns papéis. Obedeci e esperei o sermão. — A empregada virá todos os dias e ficará até as cinco. — avisou. Assenti. — Quero que continue indo à igreja como sempre foi, e na escola, nada de chegar na hora que chegou ontem. — Ela guardou os papéis na bolsa e se levantou. — A propósito, quero que vá ao confessionário esta tarde. — Beijou o topo da minha cabeça e ajeitou minha franja, como sempre fazia. Respirei aliviada por ela não me dar uma bronca de verdade. O tempo passou rápido e, logo, o táxi estava parado em frente de casa. Enquanto o motorista colocava as malas no porta-malas, ela ainda ditava mais algumas regras. — Tá bom, mamãe, eu já entendi. — falei, tentando fazê-la parar de repetir. — Mais uma coisa — disse ela, antes de entrar no carro. — Tem dinheiro na gaveta de roupas íntimas, acho que dá pro tempo que vou ficar fora. Nos abraçamos uma última vez. Ela acenou de dentro do carro e eu, de volta. Fiquei ali, parada na calçada, vendo o carro sumir na curva da rua. E então, inevitavelmente, ele voltou à minha mente. O que aconteceu na noite passada não saía da minha cabeça de jeito nenhum. Toda vez que fecho os olhos, é ele que vejo. Ethan. Seu olhar, sua voz, as palavras provocantes, o toque que ainda parecia impresso na minha pele. Não tem um minuto sequer que eu não lembre daquilo. Ele está me deixando completamente louca. Alguém, por acaso, teria um manual de como resistir a Ethan?






