Maria Vitória Bocci

O quinto semestre finalmente chegava ao fim, com uma palestra de peso, o doutor Xavier, era reconhecido no meio da medicina por suas habilidades em cirurgias complexas, mas se destacava pelo auto controle, algo que eu precisava dominar, o sexto período se aproximava, eu precisava saber mais a respeito. 

Mesmo longe de casa, hospedada na casa da tia Helena, eu não conseguia parar de pensar na minha mãe. Nem eu, nem tia Helena entendíamos suas razões. Por mais que doesse, eu ainda tentava.

O celular vibrou em algum canto da casa. Fui procurá-lo, com a esperança boba de que fosse ela. Mas ao ver "Isis" na tela, atendi com um suspiro e levei o aparelho ao ouvido enquanto lavava as mãos.

— Ai Amiga, tô de saco cheio do Thiago.

Ela mal esperou eu dizer "alô". Nunca fui de ter muitas amigas, e talvez por isso aturasse os desabafos repetitivos.

— Termina, oras — falei, sem filtro.

— Claro que não! Só tô cansada dele. Quero sair um pouco. Por que a gente não viaja essa semana?

Era a oportunidade perfeita. Meus ombros, tão cansados quanto o coração, queriam distância de tudo.

— Topo! — respondi na hora.

Naquela sexta-feira à tarde, entrei no carro de Isis com uma sensação esquisita de alívio. Por um instante, sentia que dava à tia Lena um descanso de mim,  e a mim, um respiro do que estava vivendo.

Aquela serra era um lugar desconhecido para mim, mas Isis já conhecia. Não que isso significasse muito, minha confiança nela era limitada, mas naquele momento eu não tinha muitas opções.

Assim que desci do carro, fui envolvida pela brisa fresca da serra. O perfume dos eucaliptos e a imponência das montanhas me abraçaram, mas não conseguiram dissipar a nuvem escura sobre meu peito. Eu deveria me sentir em paz ali, mas o fardo que carregava era mais pesado que qualquer mala.

— O Thiago quer me levar pra visitar a família dele de novo, amiga — Isis disse, mostrando a mensagem no celular.

Fingi um sorriso, mas não consegui prestar atenção de verdade. Minha tristeza era uma bolha que me isolava. Eu estava ali, mas tão distante que nem sabia como responder.

Chegamos aos bangalôs após um check-in que mais parecia um sonho.

A realidade ainda me parecia distante. Um turbilhão de emoções se misturava dentro de mim , o recente afastamento da minha mãe, a esperança teimosa de que tia Lena conseguisse fazê-la ver a verdade e voltasse atrás. Mas ali, rodeada por montanhas majestosas e um verde vibrante que parecia respirar comigo, algo em mim buscava paz.

— Droga! — exclamou Isis, quebrando o silêncio ao deixar sua mala cair com um estrondo. Ela ergueu o celular acima da cabeça, como se lutasse contra ondas invisíveis de sinal.

— O que foi? Não pega sinal? — perguntei, já sabendo a resposta.

— Não, não pega! — resmungou, afastando-se até a entrada do bangalô em busca de alguma conexão milagrosa.

Olhei ao redor. O lugar era fresco, impecável, com um aroma levemente amadeirado e floral no ar. O bangalô tinha duas camas de solteiro, separadas por uma mesinha, com cabeceiras de madeira que exalavam um charme rústico. As roupas de cama em seda, reluzindo sob a luz amarelada do abajur, davam um toque romântico e deslocado demais diante do caos dentro de mim. Enquanto Isis escolhia a cama mais próxima da porta, deixei minha mala ao lado da mais afastada.

Sentei e fiquei alguns segundos em silêncio. As últimas palavras da minha mãe ainda ecoavam com força, como se tivessem sido ditas ali mesmo. Mas eu me agarrava à ideia de que Lena conseguiria fazê-la repensar. Ainda havia uma ponta de esperança, por mais tênue que fosse.

Após um banho revigorante, consegui descansar por algumas horas. Acordei no meio da madrugada, despertada por um incômodo sutil, não físico, mas emocional. Isis dormia profundamente, embalada por um sono tranquilo. Peguei o celular: sem sinal, sem mensagens, sem chamadas. Um isolamento absoluto.

Deixei o aparelho de lado e fui ao banheiro. Ao sair do bangalô, a brisa fria da manhã me envolveu como um abraço sutil. Caminhei devagar pelo horto, tentando domar os pensamentos que insistiam em voltar. A tranquilidade ao redor contrastava violentamente com a confusão dentro de mim.

O nascer do sol entre as montanhas era deslumbrante. Tons de rosa, laranja e dourado se mesclavam no céu como uma pintura viva. Aquela beleza parecia sussurrar que tudo podia ser diferente. Por alguns minutos, me permiti sentir... só sentir. E, naquele instante, algo dentro de mim se aquietou.

Mas a paz durou pouco. Mais tarde, me vi arrastada por Isis para uma trilha no meio da vegetação. Nascida e criada na cidade, eu nunca tive intimidade com mato, pedras, insetos ou subidas íngremes. Mas com a cabeça cheia como estava, a segui sem reclamar. Talvez eu quisesse mesmo me perder.

Voltamos ao bangalô ao anoitecer, exaustas. Meu corpo parecia ter sido atropelado por uma avalanche, e minha mente não parava.

— Vai ter um forró mais tarde. Vocês vão? — perguntou Breno, o guia turístico, lançando um olhar sugestivo em minha direção.

Neguei de imediato. Para mim, ele tinha entre dezessete e vinte anos, e sua atenção só me deixava desconfortável. A cotovelada de Isis me fez encará-la.

— Vamos sim! — disse ela, animada, completamente oposta a mim. Eu não queria ir. Não queria conversar. Não queria ser olhada por ninguém. E mesmo que uma pontinha de curiosidade me assombrasse, a ideia de qualquer envolvimento me parecia absurda.

— Vamos não — resmunguei, apressando o passo. — Tô morta.

Mas a ideia de ficar sozinha no bangalô também não me agradava. Por fim, levantei, peguei o primeiro vestido que vi, calcei as botas e passei os dedos rapidamente pelos cabelos.

— Ai, Mavi, passa pelo menos um batom! — disse Isis, me entregando um batom com um sorriso esperançoso.

Aceitei. Passei nos lábios e, para não parecer tão abatida, esfreguei um pouco nas bochechas. Fui empurrada pela boa vontade dela até o espaço da festa, onde outros turistas se reuniam.

Recusei a primeira bebida oferecida. Nunca gostei de me embriagar, ainda mais com a mente cheia.

— Se você beber um pouco, quem sabe não desamarra essa cara! — brincou Isis, me dando uma cotovelada leve. 

Isis estava a poucos passos de mim, animada com alguns conhecidos da trilha. 

Até que vi Thiago.

O namorado de Isis apareceu, caminhando com pressa em sua direção. Cabelos com dreads sintéticos, uma blusa preta com estampa de mar, expressão fechada. Isis nem percebeu. Estava de costas para a entrada, rindo.

— Isis... — chamei, já imaginando o que estava por vir.

— Então é pra isso que você me pediu espaço? — a voz dele cortou o ambiente como uma lâmina. Todos ao redor pararam.

Isis empalideceu, o copo tremendo em sua mão. — O que você está...

Mas ele não a deixou continuar. Agarrou seu braço com força. — Como me pergunta o que tô fazendo aqui? — rosnou, revoltado.

Arrastou-a em direção à saída, e eu, sem saber o que fazer, fui atrás. Já tinha presenciado discussões feias entre eles. Thiago era ciumento, possessivo, o tipo de homem que me fazia querer distância de qualquer relacionamento.

— Thiago, para! Eu só vim relaxar!

— Relaxar? Beber com macho é relaxar, sua vadia?

Eu paralisei.

Onde interferir? Até onde respeitar o espaço de alguém que insiste em dizer que está tudo bem? Ela montou na moto com ele, sem me olhar, indo “conversar”. E eu fiquei ali. No frio. Na dúvida.

Olhei para Isis e Thiago partindo naquela moto, tomada por inseguranças.

Não apenas por mim, mas também por ela. Aquele lugar era completamente desconhecido. Nosso guia era um homem com quem passei o dia inteiro na trilha, mas isso não significava que eu confiava nele para voltar.

Esperei. Dez, vinte, trinta minutos. Nenhum sinal de Isis. O relógio marcava 22h30, e nada. Me culpei por ter vindo, por ter confiado tanto. Cada moto que passava, cada farol ao longe, me fazia prender a respiração. Nenhum era ela.

A imagem de Thiago segurando o braço de Isis com força demais voltava em looping. Um ciclo que ela insistia em negar, mas que se repetia com mais frequência a cada nova briga. E agora... agora ela estava longe, vulnerável, e eu não podia fazer nada.

Voltei para o hotel com alguns hospedes e guia, caminhei em direção ao bangalô, mas mal me aproximei, gemidos fugazes, t***s estalando, as vozes de ambos me fizeram olhar em volta. Eram como animais no cio, a se entregar a aquele momento.

— Isis? — chamei.

Girei a maçaneta, mas a porta estava trancada.

— Isis? — bati uma, duas, três vezes.

Encostei a orelha na porta.

— Isis? — tentei mais uma vez.

Mas os únicos sons que vieram de dentro foram gemidos e sussurros.

Que parecia não ter hora para acabar, a chuva que caia fina, engrossava, olhando para todos os bangalos a minha volta, sabia que alguns deles tinham casais, mais um, me chamou a atenção, não tinha visto ninguém sair ou entrar dele, o frio se tornava insurpotável, o casanço do dia me atravessava a fio, e sem pensar duas vezes, andei em direção a aquele bângalo vazio. 

Até o amanhecer, acreditei que ninguém viria até ele. Entrei sorrateiramente

Girei a maçaneta devagar, a porta se abriu, facilmente, era o meu golpe de sorte aquela noite? Me perguntei, observando o lugar. 

O quarto luxuoso,completamente vazio. Uma cama de casal com mastros altos, cobertos por tecidos de seda brancos caídos, dominava o espaço, o cheiro de laranja no ambiente perfumava o ar. 

Trêmula, entrei apressada correndo até a cama. Os lençóis de cetim não eram quentes, mas um cobertor branco acolchoado sobre a poltrona me chamou a atenção. Puxei-o rapidamente, lançando um olhar ao redor.

Os bangalôs para casais eram melhores. Muito melhores! 

Me enrolei com o cobertor, arrancando o vestido úmido que arrepiava meu corpo. Joguei-o no chão e, sem pensar muito, tirei a calcinha também, em busca de aconchego, eu de fato estava precisando de tudo isso, pensei comigo mesma. 

Afundei no colchão macio, que me amortecia momentaneamente, a sensação do tecido aquecendo a minha pele, e a maciez da cama, parecia me levar as nuvens. 

Eu simplesmente não conseguia acreditar no que estava fazendo. Roubando uma noite em um bangalô para casais, quando eu tinha pago apenas por uma cama de solteiro.

Onde eu ia parar?

Foi então que a porta se abriu e as luzes acenderam.

Meu coração saltou do peito.

A luz apagou novamente.

Pensei que fosse apenas algum funcionário ou alguma falha.

O barulho da chave girando na fechadura me fez prender a respiração.

Meu coração ainda palpitava.

No escuro, abri os olhos devagar, tentando me acalmar acompanhando a minha respiração.

— Droga, talvez as tecnologias não sejam tão boas assim quando chegam para nós.

Uma voz masculina soou. Franzi o cenho, temerosa.

— Quem está aí? — perguntei, o medo me dominando enquanto tentava tatear o chão.

Passos se aproximaram.

— Eu quem pergunto. Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim.

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