A minha agenda continuava lotada, por mais que a minha cabeça estivesse entre a dor da traição e uma agenda lotada de cirurgias, me ocupar parecia a melhor saída. Evitar uma conversa com Maria Clara, naquele momento, era a única forma de manter alguma sanidade, evitando conflitos que nos machucaria mais, por isso, fui a Capital do Rio de Janeiro, era uma palestra importante.
O auditório da universidade federal estava lotado. Era o encerramento de semestre naquela faculdade. Alunos de medicina e enfermagem de todas as fases se amontoavam nos bancos desconfortáveis de plástico, alguns anotando freneticamente, outros apenas fingindo interesse. Eu estava acostumado com aquilo: palestras, congressos, aulas inaugurais. O mesmo ciclo de frases de efeito e gráficos impactantes.
Mas naquela noite havia algo diferente no ar. Talvez fosse o cansaço da viagem ou o incômodo de estar de volta ao Rio, onde memórias passadas ainda sussurravam em cada esquina, lembrando-me que o nosso para sempre não era comigo. Maria Clara havia me traído, e isso doía profundamente.
— …e o ponto mais importante da abordagem cirúrgica moderna — concluí, após uma explanação detalhada — não está apenas na técnica, mas na escuta do paciente. Naquilo que ele não diz. Na história que o corpo revela antes da boca.
Alguns alunos aplaudiram por educação. O professor titular agradeceu minha presença, elogiou minha trajetória. Eu estava pronto para encerrar quando ele se adiantou: — Teremos agora um momento para perguntas. Se alguém quiser aproveitar a presença do Dr. Alexandre Xavier, levantem as mãos.
Mãos se levantaram. Escolhi duas, respondi com rapidez. Nada que exigisse esforço. Até que vi uma aluna de cabelos castanhos escuros levantar o braço. Com um caderno no colo e a expressão tranquila demais para alguém prestes a interpelar um palestrante convidado.
Algo nela me incomodou.
Não era o rosto. Era um gesto ou jeito de olhar. A forma de cruzar os braços, de erguer o queixo. Um eco de alguém que minha memória ainda resistia em admitir. Um déjà-vu incômodo que se arrastava sob a pele.
— Você, de blusa branca — apontei, achando que seria mais uma pergunta protocolar, embora meu coração acelerasse sem explicação, ela tinha olhos castanhos quase mel.
Ela se levantou devagar, tinha um ar sereno e, ao mesmo tempo, provocador. Usava uma calça jeans folgada e uma blusa branca sem mangas, alças. Os seios pequenos se destacavam, discretamente. Bonita, como se seu rosto fosse esculpido a pincel fino. Quando pegou o microfone, sua voz soou clara, firme. jovem, mas sem hesitação.
— Doutor Xavier, o senhor mencionou que o corpo revela verdades que muitas vezes a palavra esconde. Gostaria de saber... o que o senhor faz quando é o próprio corpo do médico que mente? Quando os sinais de descontrole vêm dele, e não do paciente?
O silêncio no auditório foi imediato. Era uma pergunta diferente. Incômoda. Pessoal. Quase... íntima.
Meu olhar se fixou nela. Os olhos castanhos com bordas escuras, inquisitivos. Havia algo de familiar ali. Uma lembrança mal enterrada. E, pela forma insistente com que me observava, senti como se estivesse sendo lido por dentro.
Minha boca se abriu, mas precisei de um segundo para encontrar a voz.
— Uhm... — pigarreei. — Uma excelente pergunta. — Sorri um pouco tenso.
Pausa.
— O médico também é humano. E quando o corpo mente, quando o cansaço, o desejo ou o medo tentam interferir... é aí que entra a ética. E a coragem de parar. De... de reconhecer a própria falha.
Ela sorriu. Um canto da boca apenas. Como quem diz: “sei que você entendeu.”
— Obrigada, doutor — disse, entregando o microfone.
Eu me toquei curioso, alarmado: estava mesmo visível o meu estado de desolação?
— Seu nome? — perguntei antes que ela se sentasse.
— Maria Vitória Bocci — disse, com um sorriso educado, me olhando.
O mundo parou por um segundo.
Ela se sentou como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse acabado de lançar uma bomba naquele auditório. Mas eu sabia. O nome, o olhar... Aquela garota parecia me ler instintivamente.
Ou era coisa da minha cabeça?
Saí do palco sob aplausos e uma reverência falsa. Por dentro, algo em mim ruía. E, pela primeira vez em muito tempo, me vi sem resposta, era preciso parar? Descansar? Como eu mesmo respondi.
Fiquei dois dias no Rio de Janeiro em busca de descanso, fugas, entre ligações insistentes de Maria Clara.
— Xande, precisamos conversar — dizia a voz dela no primeiro recado. Eu ignorei por dias, tentando ocupar a mente, tentando evitar brigas. Tentando não ser dominado pela raiva crescente. Evitar que fôssemos além de tudo que já havíamos ido.
Quando finalmente atendi, sua voz invadiu meus tímpanos. Eu não queria mais ser um covarde.
— Não vejo mais saída para nós. Você sabe que traição, para mim, é imperdoável. Eu quero...
— Me deixe explicar! Foi um momento de fraqueza, Xande. Você nunca errou? Nunca...
— Com você, não. Nunca te traí, nunca menti. Te dei o melhor nestes vinte anos de casamento — minha voz saiu embargada, e não era só pelo choro. Era pela dor. Pela raiva.
— Não quero falar com você por telefone, por favor, vamos nos encontrar, vamos nos entender meu amor.
Encerrei a chamada, desliguei o telefone com a mão trêmula e o peito apertado. A raiva era um animal que eu segurava pelo colarinho, sempre tendo controle sobre ela, e desta vez tentando, com todas as forças, não deixá-lo me engolir. Eu precisava respirar. Precisava fugir.
Foi quando decidi me afastar de tudo. Peguei o carro e dirigi sem rumo certo, até que uma placa à beira da estrada chamou minha atenção: Hotel Fazenda São Bartolomeu – 7km.
Sem pensar, entrei à direita.
O lugar era isolado, rodeado por colinas verdes, bangalôs, com um casarão antigo ao centro, varanda de madeira, redes balançando ao vento, cheiro de mato molhado e silêncio. Era o que eu precisava: um tempo longe de tudo. Longe de Maria Clara. Longe da medicina. Longe até de mim.
Fiz o check-in sob o nome completo, mas sem alarde. A recepcionista, uma moça simpática e sem curiosidade excessiva, entregou a chave e disse que o jantar era servido até as nove. Eu apenas acenei com a cabeça, peguei a chave e fui direto para o quarto.
Era simples, rústico. Cama de casal com lençóis de algodão limpos, uma escrivaninha, uma janela aberta com vista para um campo onde cavalos pastavam sob a luz do entardecer. Sentei na beira da cama e fiquei ali por alguns minutos, apenas ouvindo os sons da natureza.
Naquela noite, não dormi logo. Tomei um banho demorado. Depois, sentei na varanda com um copo de vinho tinto barato do restaurante da fazenda e olhei para o céu estrelado. A lembrança da pergunta me veio como um sussurro.
"Quando é o corpo do médico que mente?"
Era isso que eu era agora. Um corpo mentiroso. Um homem despedaçado, fingindo sanidade entre cortes cirúrgicos e palestras lotadas. Me perguntei se ela tinha feito aquela pergunta por intuição ou por malícia. Se era só coincidência.
No segundo dia, andei pela trilha de terra batida até um pequeno riacho escondido entre as pedras. Me sentei, tirei os sapatos e deixei os pés tocarem a água gelada. A natureza parecia rir da minha pretensão de controle. Eu, o cirurgião de mãos firmes, agora vulnerável até na respiração.
Era aliviante não ter telefone tocando, chamadas insistentes, era preciso ir até o centro para que tivesse sinal de telefone, somente internet funcionava, o sinal falhava constantemente, de fato, era um isolamento, sem estar isolado.
No terceiro dia, pensei em ir embora. Mas o corpo não respondia. Era como se algo ali, naquele isolamento, estivesse me preparando para algo. Como se eu precisasse entender o silêncio antes de voltar a encarar o barulho do mundo.
O quinto semestre finalmente chegava ao fim, com uma palestra de peso, o doutor Xavier, era reconhecido no meio da medicina por suas habilidades em cirurgias complexas, mas se destacava pelo auto controle, algo que eu precisava dominar, o sexto período se aproximava, eu precisava saber mais a respeito. Mesmo longe de casa, hospedada na casa da tia Helena, eu não conseguia parar de pensar na minha mãe. Nem eu, nem tia Helena entendíamos suas razões. Por mais que doesse, eu ainda tentava.O celular vibrou em algum canto da casa. Fui procurá-lo, com a esperança boba de que fosse ela. Mas ao ver "Isis" na tela, atendi com um suspiro e levei o aparelho ao ouvido enquanto lavava as mãos.— Ai Amiga, tô de saco cheio do Thiago.Ela mal esperou eu dizer "alô". Nunca fui de ter muitas amigas, e talvez por isso aturasse os desabafos repetitivos.— Termina, oras — falei, sem filtro.— Claro que não! Só tô cansada dele. Quero sair um pouco. Por que a gente não viaja essa semana?Era a oportunidad
Saí em busca de um aquecedor, já que o quarto não tinha um. Quando voltei, encontrei um intruso na minha cama.Ele ou ela estava encolhida sob o cobertor, a respiração leve, como se tivesse se apropriado do espaço sem o menor constrangimento. Franzi o cenho, mas a luz novamente se apagou. — Droga, estas tecnologias, não chegam tão boa para nós. — Reclamei do sensor.— Quem está aí? — Perguntou uma voz feminina jovem, me deixando perplexo, eu havia entrado no quarto errado? Me perguntei conferindo os bolsos, num hábito comum quando estou inseguro. — Eu quem pergunto, quem está ai? Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim — Antes que eu terminasse, a desconhecida sentou na cama, fazendo com que aquele bendito sensor funcionasse de vez. Meu olhar se fixou instintivamente ainda mais ao perceber que ela estava completamente nua.Ela era uma visão deslumbrante. Seus cabelos escuros pouco úmidos, como a noite sem lua, caíam em cascatas sobre seus ombros, como se cada fio tives
— Eu quem pergunto. Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim.Sentei-me na cama, e a luz finalmente se acendeu.Diante de mim, o homem de cabelos grisalhos, mas não velho. Seu semblante era cansado, mas não abatido. O olhar, negro e profundo, fixava-se em mim com o cenho franzido. Havia algo de inquietante naquela presença, uma força contida, quase perigosa, seu corpo alto e de postura imponente, eu o conhecia, e o admirava. Ele exalava uma elegância rara, daquelas que não se aprende, apenas se carrega. Cada movimento era silenciosamente calculado, mas cheio de uma sensualidade natural, como se o próprio ar ao redor dele soubesse que precisava abrir caminho. Era lindo, mas de um jeito que doía, não pela perfeição, mas pelo impacto. Tinha charme e mistério nos gestos, desejo nos silêncios e uma beleza cruel que parecia feita para ser proibida.Eu tinha corrido contra o tempo, naquela quarta-feira para assistir a sua palestra, enfrentando dois ônibus lotados, correndo pel
Mavi entrou no quarto, usando um vestido branco de alças finas, com desenhos em tons azuis bastante marcantes por baixo uma cacharel quase do tom da pele fina, desde o almoço, ela usava aquela peça, uma linda garota, que chama a atenção sem perceber. Ela sentou na mesma poltrona novamente, e sem hesitar abriu o livro lendo de onde parou, era como se buscasse paz, o que me fez imaginar que em nenhum outro bângalo teria, eram casais até mesmo no de solteiro naquele momento, a chuva fina, era como uma premissa convidativa para atos afetuosos e liberações de desejos sexuais. Me olhou por algum momento, como se soubesse que eu ainda a olhava, nossos olhos fixaram por algum momento que não controlei, ela em silêncio me observou e eu fiz o mesmo, até que desviou os olhos para o livro novamente. No quarto bângalo, o quarto laranjeiras, com um aroma agradavel, naquele momento, eu oscilava entre ter tomado a decisão correta, em pedir o divórcio me separando da unica mulher em que me unir para
Tudo nele me atraia, em pouco tempo de conversa com Alexandre, era melhor do que esta naquela palestra, inteligente, sábio, experiente, os seus modos de gesticular, as pausas entre as falas, além do modo gentil, cavalheiro e educado. Eu nunca, nunca me senti tão protegida, tão acolhida na vida. Adormeci na sua cama, e apesar de algumas vezes termos trocado olhares, ele não se aproveitou disso, ele mexia comigo, provocava sensações que eu achava que nunca ia sentir. Houve uma paixão aqui outra ali, mas nada que me fizesse senti o corpo em chamas somente com um olhar, os olhos de Alexandre não ia diretamente ao meu corpo, eles se demoravam em meus olhos, como se os lesse e se importasse com o que eu dissesse em cada palavra. Até parar em minha boca, acompanhando cada movimento dela, e ali se demorava. Achei que ele ia me beijar pela tarde, depois na fogueira, Isis até comentou que nós estavámos nos olhando demais, que eu tinha dado para ele, rolei os olhos ao ouvir, e em seguida, f
Mas como eu, um dos rapazes também a olhava, ignorando a namorada ou esposa do lado, a cantoria durou até a madrugada, a chuva se intensificava, andei em direção ao bângalo sem conseguir ignorar aquele, olhei para o bângalo dos ipês dourados. Vendo a porta fechada, então finalmente haviam se acertado? Me perguntei, eu nunca havia pensado em estar com outra mulher durante anos, e sequer olhado para outra com interesse, Mavi me parecia quebrar um ciclo de anos, isso só mostrava o quanto a minha união com Maria Clara estava enfraquecendo. Entrei no quarto reflexivo, a solidão da madrugada se ambientava ao cômodo. Eu jamais conseguiria confiar, esquecer aqueles gritos, gemidos e como ela conseguia ser tão...eu a sequer reconheceria naquela cama, daquele jeito. A intimidade entre eles, me incomodava ainda mais. Saber que ela havia sido de outro, enquanto era minha, como poderia? Estranhei que Mavi não estivesse na cama, ou no quarto, então eles se entenderam? Bebi algumas doses
Eu decidi parar de adiar aquele momento. O homem acima de mim, estocando firmemente, era lindo, embora não mais jovem, seus cabelos grisalhos, desgrenhados, os olhos nos meus, até que as suas mãos seguraram as minhas levando-as acima da minha cabeça, eu jurava que não ia gostar daquilo. Franzi o cenho, engolindo em seco, e quando ele aprofundou. Abaixou me beijando nos lábios, até que grunhiu contra eles. — Hoooo. — Soltou um gemido com a sua voz rouca, beijou o meu ombro suado, até se jogar para o lado. Enquanto eu ainda tentava entender o que tinha acontecido, eu tinha lhe dado a minha primeira vez. O observei caido ao meu lado, retirando a camisinha, jogando no chão, adormeceu ao meu lado, tomei um banho tentando me acalmar, me vesti, cheguei ao bângalo de Isis peguei as minhas coisas, ignorando Thiago ali sentado, fumando, voltei ao bângalo. Observei o homem deitado apagado na cama, ainda de camisa, calça, o seu semblante calmo não denunciava sinais quaisquer do que havia feito.
Era um corpo diferente ao meu lado, e isso, no momento não houve estranheza alguma, ficamos deitados, cada um em seus pensamentos, após ter descartado o preservativo, e pelo esforço, pela bebida e noite de sono em claro, apenas adormeci. Talvez eu compreendesse Maria Clara, era preciso estar com outra mulher para entendê-la, eu já não era o mesmo, e o desejo por sexo, parecia ter diminuido com o tempo, acordei com uma tremenda dor de cabeça, levantei notando e talvez grato pela cama vazia, as memórias dos nossos ultimos momentos juntos na cama. Me trouxe pontadas de dores mais intensas. Engoli em seco sentado na cama, o preservativo ainda estava no chão, cheio de gozo, e pelo quarto nenhum resquício dela. — Mavi? — A chamei receoso, mas também no banheiro não a encontrei, eu lhe diria que tinha sido um erro, que aquilo não deveria ter acontecido, mas ao olhar a cama em que haviamos transado.Era mais que o suficiente para ter cautela quanto a isso, eu sequer havia percebido que era