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Capítulo 3 — Faíscas no Silêncio

O sol da manhã atravessava as enormes janelas da cobertura, refletindo nos móveis de vidro e aço. Rose já estava de pé antes mesmo que Pedro acordasse. Percorreu o apartamento com passos silenciosos, observando cada canto como quem estuda um território inimigo. Notou a falta de câmeras em pontos estratégicos, janelas que poderiam ser escaladas, a cozinha sem qualquer reforço de segurança. Pegou sua prancheta e fez anotações rápidas.

Quando Pedro apareceu, ainda com os olhos semicerrados e o cabelo bagunçado, encontrou-a sentada à mesa com uma xícara de café fumegante ao lado e o olhar fixo em papéis.

— Bom dia para você também — disse ele, a voz rouca, carregada de sono e deboche. — Já começou a redecorar minha casa ou está apenas montando um plano de fuga?

Rose não ergueu os olhos.

— Estou listando as vulnerabilidades do seu apartamento. Se eu fosse sua inimiga, você já estaria morto.

Pedro parou no meio do caminho até a cozinha, arqueando uma sobrancelha.

— E eu achando que a primeira frase da manhã seria “quer café, Pedro?”.

— Você tem mãos — respondeu, impassível. — Pode servir-se.

Ele riu, sem humor, e abriu a geladeira. Pegou uma garrafa de água, bebeu direto do gargalo e virou-se para ela.

— Sabe, você realmente não combina com esse ambiente. É como um lobo cercado de cristais. Uma hora ou outra, vai quebrar tudo.

Rose fechou a pasta com calma e finalmente o encarou.

— Melhor um lobo cercado de cristais do que um cordeiro cercado de lobos.

Pedro engoliu seco, mas não deu o braço a torcer. Deixou a garrafa sobre o balcão e se aproximou da mesa.

— Então você realmente acredita que pode me proteger?

— Não acredito. Tenho certeza. — Ela cruzou os braços. — E não vou pedir a sua permissão para cumprir meu trabalho.

O olhar dele se estreitou, carregado de desafio. Por um instante, Rose pensou que ele fosse dizer algo cruel, mas ele apenas puxou uma cadeira e sentou-se à frente dela. Ficaram assim, frente a frente, o silêncio cortado apenas pelo som distante do trânsito da cidade.

Ela não desviou o olhar. Ele também não. A tensão no ar era tão palpável que qualquer palavra pareceria deslocada.

Pedro apoiou o queixo na mão e a observou como quem tenta decifrar um enigma.

— Você não se intimida fácil, não é?

— Eu me intimido com coisas que valem a pena — disse Rose. — Até agora, não vi nada em você que mereça isso.

Ele soltou uma gargalhada baixa, inclinando-se para trás na cadeira.

— Você é incrível. Eu deveria detestar cada palavra sua, mas, de alguma forma, me divirto.

— Não estou aqui para ser divertida.

— Pois é justamente isso que me diverte.

Rose respirou fundo, tentando manter a calma. Já havia lidado com gente pior, mas Pedro tinha um talento irritante para cutucar feridas e ao mesmo tempo despertar algo que ela não queria sentir.

— Se acha que vai me cansar, está enganado — disse, firme. — Já lidei com homens muito mais difíceis do que você.

— Mais difíceis ou mais perigosos? — ele provocou.

— Ambos. — Rose inclinou-se levemente para frente. — E todos eles caíram.

Os olhos dele brilharam por um instante, como se ela tivesse acertado em cheio. Mas, em vez de reagir com raiva, Pedro apenas sorriu de canto.

— Então vamos ver quanto tempo dura essa sua confiança.

O silêncio voltou a cair entre eles. Longo, pesado, quase sufocante. Rose manteve a postura ereta, sem desviar os olhos. Pedro, por sua vez, percebeu que estava respirando mais rápido do que gostaria de admitir.

Foi nesse instante que o telefone de Pedro vibrou sobre a mesa, quebrando o clima. Ele atendeu sem pensar.

— O quê? Já disse para não me ligar antes do meio-dia.

Rose aproveitou o momento para levantar-se, recolhendo a pasta. Mas Pedro, mesmo ocupado ao telefone, notou o movimento. Seus olhos a seguiram até a porta, e ele só percebeu que não ouvira uma palavra da ligação quando a voz do outro lado insistiu:

— Senhor Nascer? Está me ouvindo?

— Sim — respondeu ele, ríspido, desligando em seguida.

Rose já estava de volta à sala, com uma garrafa de água na mão. Colocou-a diante dele sem dizer nada.

— Não pedi isso — resmungou.

— Mas precisa. — Ela se afastou. — Uísque não hidrata.

Ele encarou a garrafa por alguns segundos, então suspirou e bebeu. Não queria admitir, mas estava cansado.

— Você é irritante.

— E ainda assim bebeu. — Rose voltou a sentar-se, como se tivesse vencido mais um round.

Pedro a observou em silêncio. Cada palavra dela era como uma provocação calculada, cada gesto parecia desmontar uma parte da muralha que ele erguera ao redor de si.

E foi nesse silêncio carregado, com olhares cruzados e respirações contidas, que ambos perceberam algo perigoso: não era apenas sobre proteção ou arrogância. Era sobre o que começava a nascer ali, no espaço entre as palavras não ditas.

Quando o relógio marcou onze horas, Rose recolheu suas anotações e ficou de pé.

— Preciso verificar a segurança da garagem e das entradas de serviço.

Pedro não respondeu. Apenas a acompanhou com o olhar até que ela desaparecesse pelo corredor.

Sozinho, ele se recostou na cadeira, passou a mão pelos cabelos e riu baixo.

— Maldita mulher. Vai acabar me matando antes dos meus inimigos.

Levantou-se em seguida e caminhou até a sacada. O vidro refletia a cidade em movimento, carros buzinando, pessoas apressadas, vidas comuns que seguiam sem carregar o peso que ele carregava nos ombros. Encostou o copo vazio no parapeito, mas, em vez de sentir o alívio do silêncio, percebeu um incômodo diferente: a presença dela ainda pairava no ar.

Era irritante. Rose não gritava, não implorava, não se intimidava. Tratava-o como homem e não como herdeiro. E isso, de alguma forma, o atingia mais do que qualquer insulto.

Pedro fechou os olhos por um instante. A imagem da noiva morta surgiu em flashes rápidos, o carro destruído, o sangue escorrendo, o grito preso na garganta. Ele abriu os olhos de súbito, como se o próprio corpo o punisse por lembrar. Mas, em vez de buscar outro copo de uísque, caminhou até a mesa onde Rose havia deixado a garrafa de água.

Encheu o copo e bebeu de um só gole. A água desceu gelada, como se zombasse de sua resistência.

— Inacreditável… — murmurou. — Ela já está me controlando e nem percebe.

O barulho de passos o fez virar-se. Rose estava de volta, os cabelos presos impecavelmente, a postura ereta como sempre.

— A garagem tem dois pontos cegos. Vou precisar instalar câmeras — disse ela, sem cerimônia, como se fosse dona da casa.

Pedro estreitou os olhos.

— Você entrou na minha garagem sem pedir permissão?

— Eu não peço permissão para fazer meu trabalho. — Ela o encarou. — Se não quer morrer, vai ter que confiar em mim.

Ele abriu um sorriso enviesado, lento, quase perigoso.

— Confiança não é algo que eu dê de graça, Rose.

— Então veja como investimento. — Ela se virou, caminhando em direção ao corredor novamente. — Eu sempre trago retorno.

Pedro acompanhou cada passo dela, mordendo o interior da boca. Uma parte dele queria mandá-la embora no mesmo instante. A outra, a que gritava mais alto, queria testá-la até o limite, só para ver se continuaria firme.

Quando a porta do elevador se fechou atrás dela, Pedro passou a mão pelos cabelos outra vez e riu sozinho.

— Maldita mulher. — Repetiu, mas dessa vez com um sopro de respeito escondido na voz. — Talvez seja a primeira luta que eu queira perder.

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