Capítulo 5

A livraria ficava numa esquina discreta do centro da cidade, escondida entre uma loja de artigos de pesca e um café que servia pão de canela o dia inteiro.

Madeleine entrou por acaso. Havia saído mais cedo do canteiro, depois que Clara adiou uma das reuniões por conta do atraso no material de isolamento. Sem muito o que fazer — e sem saber lidar com a sensação incômoda de tempo livre — decidiu andar. O frio batia nos olhos, mas não importava. Era quase bom não sentir o rosto.

Lá dentro, o cheiro de papel velho e café recém-passado a abraçou de um jeito estranho. Havia poucas pessoas. Uma senhora no fundo, folheando um romance policial. Um adolescente com gorro vermelho, sentado no chão, cercado de mangás. E um homem de barba longa organizando caixas.

Ela caminhou devagar pelos corredores estreitos até encontrar a seção infantil. Não sabia o que procurava, mas os títulos coloridos a puxavam como ímãs. Estendeu a mão para um livro com capa azul — uma história sobre uma baleia que queria tocar o céu — e sorriu sem perceber.

Beatrice amava baleias.

E então, sem pensar, ela comprou.

Não era um gesto simbólico. Não era grandioso. Mas era a primeira coisa que comprava para a filha desde que a perdera.

Naquela noite, Clara a convidou para jantar em um pequeno restaurante na beira do fiorde.

— É modesto, mas tem o melhor bacalhau da região — garantiu, abrindo o cardápio com a familiaridade de quem conhecia cada prato.

Madeleine passou os olhos pelo cardápio sem realmente ver. Ainda não sabia como lidar com convites que envolviam mais do que trabalho. Mas Clara era direta, respeitava espaços e não fazia perguntas pessoais sem necessidade. E, no fundo, Madeleine estava grata por estar ali — sentada, aquecida, não sendo apenas a mulher que caiu.

— Só aceito se você dividir a sobremesa — disse, fechando o cardápio com um meio sorriso.

Clara ergueu a sobrancelha.

— Costumo não dividir, mas pra você eu abro exceção.

Elas riram. Era leve. E leveza ainda era coisa rara.

Durante o jantar, Clara falou sobre projetos passados — uma escola sustentável na Suécia, uma estação de pesquisa que teve de ser reconstruída por causa de ursos polares.

— Uma vez um deles entrou na cozinha e levou uma torradeira. A gente nunca mais encontrou.

Madeleine sorriu, genuinamente.

— Então devo me preparar pra que o hotel ártico perca alguns eletrodomésticos?

— Pelo menos a cafeteira.

Quando o prato principal chegou, o cheiro de temperos quentes e peixe fresco preencheu a mesa. Era simples, mas aconchegante. Madeleine percebeu que não sentia fome há dias — não por falta de apetite, mas por esquecimento.

— Você tem família aqui? — ela perguntou, sem pressa.

— Meus pais moram em Bodø, mas já se aposentaram. Sou filha única. Vim pra Tromsø há seis anos. Me apaixonei por um engenheiro, durou pouco. Fiquei pelo mar.

— Pelo mar?

Clara deu de ombros.

— Tem alguma coisa aqui que prende a gente. Mesmo quando tudo diz pra ir embora.

Madeleine pensou nisso.

Ela tinha vindo por causa do trabalho, sim.

Mas ficaria… por quê?

Do lado de fora, o vento estava mais forte. A neve começava a cair em flocos densos, dançando no ar como se o tempo tivesse desacelerado. Enquanto caminhavam até o carro de Clara, passaram pela marina — uma fileira de barcos amarrados, alguns cobertos por lonas grossas, outros sendo limpos por pescadores atrasados.

Foi então que ela o viu.

Anders, de costas, usando luvas escuras, arrastava uma caixa com redes enroladas. Ao lado dele, um homem mais baixo e robusto ria alto, com um boné virado pra trás. Emil estava sentado na beirada do cais, chutando a água com as botas.

— Erik — disse Clara, ao ver o boné. — Melhor amigo do Anders. Pescam juntos desde a adolescência.

— E Emil sempre com eles?

— Quase sempre. Anders não gosta de deixá-lo sozinho por muito tempo. Acho que tenta compensar a ausência da mãe com presença.

Madeleine ficou em silêncio. Assistiu enquanto Emil se levantava e mostrava algo ao pai — parecia um peixe pequeno, brilhante nas mãos.

Anders sorriu. Foi rápido, mas real.

— Eles parecem… vivos aqui fora — ela murmurou.

Clara assentiu.

— É onde ele se sente seguro. No mar. E com Erik por perto, ele confia que pode relaxar um pouco.

Antes que Anders notasse que estavam ali, Madeleine desviou o olhar e entrou no carro.

Mas a cena ficou com ela.

O vento batia com mais força na janela do chalé quando ela chegou em casa. Ainda era cedo, mas parecia tarde. O silêncio de sempre a esperava com sua habitual imensidão.

Ela tirou os sapatos, pendurou o casaco, acendeu a luz amarela da sala e foi até a escrivaninha. Abriu a mochila. Tirou o livro da baleia.

E escreveu, na primeira página:

Para Beatrice,

mesmo que você não possa me ouvir agora,

mamãe ainda compra histórias com você em mente.

Fechou o livro devagar e o colocou na estante improvisada ao lado da cama. Depois, preparou um chá, pegou o estojo de aquarela e começou a pintar — só cores dessa vez. Círculos amarelos. Ondas azuis. Um fiorde visto de cima. Uma espiral vermelha.

Era como se, aos poucos, ela estivesse reconstruindo a si mesma em pedaços pequenos demais pra perceber de imediato.

Mas algo mudava.

Na manhã seguinte, quando saiu pra caminhar até o canteiro, encontrou Anders encostado na cerca entre os dois chalés. Estava com as luvas ainda molhadas, um cheiro leve de mar e peixe no casaco.

— Clara comentou que vocês foram ao Henningsen’s ontem.

Madeleine assentiu.

— O peixe estava bom. Mas o pão de centeio ainda ganha.

Anders sorriu, de leve. Um gesto raro, que quase não tocava os olhos.

— Erik tem uma teoria de que comida só presta se for feita com as mãos sujas de sal.

— Eu diria que tem alguma poesia nisso.

— E sujeira.

Ficaram em silêncio por alguns segundos.

Então ele falou:

— Você vai ficar?

Ela o olhou, surpresa.

— Como assim?

— Depois que o projeto acabar. Ou vai voltar pra Londres?

Madeleine demorou para responder. O vento levantava os fios soltos do cabelo, e ela apertou o cachecol contra o pescoço.

— Eu ainda não sei onde é meu lugar. Só sei que… aqui, pelo menos, ninguém me pede pra ser outra coisa além do que sou.

Anders assentiu. E foi embora sem dizer mais nada.

Mas o que ficou pairando no ar foi mais do que silêncio.

Foi a possibilidade de existir.

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