Capítulo 6

O jantar estava servido. Pratos finos, talheres reluzentes, vinho caro sendo servido em silêncio. Ao redor da mesa longa, as conversas se cruzavam com formalidades forçadas e sorrisos treinados, como se cada um ali estivesse atuando numa peça ensaiada.

Mas Nicolau Moretti não sorria.

Sentado à cabeceira, o avô de Ian comia devagar, com movimentos medidos, como um juiz observando o réu. E o réu, naquela noite, era Olivia.

Ela sentia os olhos dele nela como lâminas. Disfarçava com sorrisos e postura impecável, mas o suor frio já escorria em suas costas. Sua mão tremia levemente sob o guardanapo. Manteve o olhar no prato, mas os sentidos estavam todos ligados no velho.

Um clique de talher. Um gole de vinho. Uma pausa longa. Então veio a pergunta.

— Então, Olivia... — Nicolau limpou os lábios com um guardanapo de linho. — Há quanto tempo você e Ian estão juntos?

Ela respirou fundo. Aquilo estava no roteiro, ela se preparara para isso. Ian havia enviado um longo email com as possíveis perguntas e respostas que o patriarca da família poderia fazer.

— Três meses, senhor. — ela responde e tenta soar calma.

— Rápido para um noivado, não acha? — ele rebate, levando a taça de vinho aos lábios.

— Aconteceu... naturalmente. — Ela sorriu, segura. — Foi inesperado, mas intenso. É assim que o amor sempre chega, não é?

Nicolau a olhou por cima da taça. O olhar dele parecia atravessar a maquiagem, o vestido, e tocar sua alma.

— Intenso, é?

Do outro lado da mesa, Ian manteve o corpo relaxado, mas ela viu o maxilar dele travado. Os dedos tocavam o cálice de cristal com uma precisão contida, como se estivesse apostando todas as fichas naquele diálogo. A pressão sobre Olivia só aumentou.

— Conte-me então... o que o Ian gosta de fazer aos domingos?

Uma armadilha.

Ela hesitou por uma fração de segundo. Ian não moveu um músculo. Aquilo não tinha sido combinado, não tinha tão claramente no roteiro.

“Foco. Ele corre. Você lembra disso.” Uma voz murmura na mente de Olivia, ao relembrar de uma das entrevistas que Ian já havia feito para diversas revistas do mundo empresarial.

— Ele gosta de correr cedo. Depois... passa o resto do domingo revendo contratos que ninguém pediu. — Ela forçou um sorriso. — Sempre achei isso... peculiar.

Alguns convidados riram discretamente.

Nicolau não. E ela se força a não deixar seu próprio sorriso sumir também.

— Hm. E qual o prato preferido dele?

Ah, essa era fácil. Como sua secretária, ela tinha a obrigação de saber disso.

— Risoto de limão-siciliano. Mas só se não tiver cebola. — respondeu, sem piscar.

A surpresa nos olhos de Ian foi discreta, mas real. Ele a olhou, rápido, como se ela tivesse aberto uma porta que devia estar trancada.

— Detesta cebola desde criança. — murmurou Nicolau, encostando-se na cadeira e um curto sorriso nostálgico no rosto. — Pouca gente sabe disso.

Olivia manteve o sorriso. A continuava alta, mas ao menos, ela estava passando no teste.

— Ele comentou na primeira semana. Disse que era uma herança de infância. — completou mentindo, olhando para o prato, fingindo naturalidade. — Achei engraçado alguém tão exigente odiar algo tão pequeno.

O velho não respondeu. Só a observava. Como se algo ainda não fechasse a equação.

Foi então que ele perguntou:

— E essa cicatriz na sobrancelha dele? — A voz saiu seca, direta como um disparo. — Você sabe como ele conseguiu?

O mundo congelou.

O garçom que passava desacelerou os passos. Os talheres ao redor silenciaram. Olivia congelou. Mas só por dentro. Por fora, manteve-se ereta.

A imagem surgiu com clareza: uma noite abafada, um quarto com cheiro de uísque barato. O rosto de Ian. A luz fraca. Os dedos dela tocando a cicatriz em meio ao silêncio. Ela sabia. Sabia até o formato.

Respirou devagar. E respondeu:

— Foi jogando futebol. Tinha uns onze anos. Escorregou e bateu num pedaço de ferro enferrujado. O corte foi fundo. Ele odiava quando a mãe contava essa história. — Ela ergueu uma sobrancelha. — Disfarça com o cabelo até hoje.

Silêncio.

Um silêncio que caiu sobre a mesa como uma tempestade sem som. Nicolau não conseguiu esconder a surpresa. Ian virou o rosto. Os convidados que antes murmuravam algo, agora apenas observavam.

E foi nesse instante que Olivia soube: tinha cometido um erro. Um erro revelador.

Nicolau pigarreou.

— É. Talvez você não seja só fachada, afinal.

Ela manteve o sorriso. Mas por dentro, algo desmoronava. O estômago virou. A espinha gelou.

Porque ela não devia saber disso. E agora todos sabiam que sabia. Incluindo Ian.

Mas nenhuma pergunta foi feita depois disso, para o seu alivio.

Depois que o jantar terminou e os convidados começaram a se dispersar, Olivia levantou-se discretamente da mesa e caminhou até a varanda lateral do salão. Precisava de ar.

O jardim estava vazio, iluminado apenas por pequenas luzes douradas presas às árvores. Ela encostou na mureta de pedra, fechando os olhos, tentando controlar a respiração.

Ela não podia perder o foco. Leo. Era tudo por Leo.

Foi quando ouviu passos atrás de si. Passos firmes. Reconhecíveis.

Ian.

— Como você sabia da cicatriz? — A voz dele cortou o ar.

Olivia não respondeu. Apenas virou devagar, os olhos frios e fixos nos dele.

— Talvez eu saiba mais do que você pensa.

Ele se aproximou mais, desafiador.

— Está me espionando? Investigando minha vida?

— Não preciso. Você se mostra mais do que imagina, Ian. Só que ninguém presta atenção.

Ele estreitou os olhos, como se tentasse decifrá-la. Mas havia algo nele também. Um resquício de dúvida. De medo.

— Não me subestime, Olivia. — ele murmurou.

Ela deu um passo adiante.

— E você não me trate como uma peça descartável. Porque se eu cair... você também cai.

Por um instante, o silêncio entre eles parecia conter todas as verdades que ainda não haviam sido ditas. Até que Ian desviou o olhar, passando a mão pelo cabelo, inquieto.

— Vá pra dentro. Temos mais uma rodada de aparências.

— Claro. — ela respondeu, com um sorriso frio. — É só isso que importa, não é? Aparência.

E então, de cabeça erguida, voltou para o salão. Ele ficou observando-a, olhando para suas costas. No mesmo instante, uma estranheza ou familiaridade encobriu sua mente, ele franziu a testa. Sentiu como se já a tivesse visto em algum lugar.

Mas logo em seguida, ele reagiu, mudou sua expressão e continuou com seu sorriso característico.

O teatro de hoje ainda não havia terminado.

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