O domingo amanheceu cinzento, e eu ainda sentia o peso da semana grudado no corpo. Não havia descanso. Nunca havia.
Três batidas firmes soaram na porta. Reconheci antes de abrir.
Marta e Álvaro.
Valentina entrou logo atrás, radiante, com a barriga já começando a despontar sob o vestido de seda clara. Henrique a seguia, carregando sacolas, a mão possessiva na lombar dela.
O mundo parou.
— Cecília — começou mamãe, ajeitando o lenço no pescoço. — Viemos em paz.
Em paz. A expressão me feriu mais do que um tapa.
— Não tem guerra aqui. — respondi, seca.
Valentina sorriu. Um sorriso que sabia ser veneno.
— Precisava te contar pessoalmente, Ceci. O bebê mexeu essa semana. Foi mágico.
Meu estômago revirou. O ar parecia denso, como se eu estivesse respirando fumaça.
— Você deveria estar feliz por mim — completou, acariciando a barriga com teatralidade.
Henrique desviou o olhar, mas não se envergonhou. Nunca se envergonhava.
— Sua irmã precisa de apoio, Cecília — disse meu pai, firme. — Está vulnerável. Você poderia mostrar maturidade.
Eu poderia mostrar maturidade. Eles nunca mudavam a narrativa. Sempre a filha perfeita, e eu sempre a errada.
Cruzei os braços.
— Vocês têm três minutos.
Marta suspirou, exasperada.
— Esse ressentimento não vai te levar a lugar nenhum. Já pensou em ser parte da solução? Você poderia se aproximar, ajudar com a gravidez, cuidar quando o bebê nascer…
A náusea subiu. Meus dedos tremeram de tanto segurar a raiva.
— Saiam. — Minha voz saiu baixa, mas cortante. — Antes que eu me esqueça que vocês são sangue do meu sangue.
Valentina deu uma risadinha leve, como se eu fosse apenas uma criança emburrada.
— Ainda guarda rancor, maninha? Cresça. Eu quero você como minha madrinha
Eu a encarei com olhos frios.
— Rancor não maninha. Sobrevivência.
Eles se retiraram, finalmente. O corredor devolveu silêncio.
Me joguei no sofá. As lágrimas vieram sem que eu pedisse.
À noite, Lívia apareceu com um pote de lasanha congelada e o mesmo olhar protetor de sempre.
— Eu devia colocar uma cama aqui. — Ela se jogou na poltrona. — Não confio em você sozinha depois de visitas da sua família.
Suspirei.
— Eles querem que eu seja babá do bebê.
Lívia quase engasgou.
— O quê?
— Isso mesmo que ouviu. — Sorri amargo. — Para eles, eu nunca passo de sombra. Uma sombra que pode servir quando convém.
Ela apertou os olhos, indignada.
— Você não vai ser babá de ninguém. Você merece muito mais do que isso.
Olhei para a janela. A Torre Arcturus brilhava ao fundo, iluminada contra o céu noturno. O nome Bellucci estampado como um lembrete de poder inalcançável.
— Um sonho distante — murmurei.
Lívia me encarou com intensidade.
— E se não fosse tão distante assim?
Arqueei a sobrancelha.
— Como assim?
— Onde trabalho em um dos setores , no Instituto Bellucci, abriram vagas de estágio em marketing e Publicidade e propaganda alem de outras areas. — Ela sorriu, quase cúmplice. — Relações Públicas, marketing . É a sua área, Ceci.
Meu coração disparou.
— Você acha mesmo que…?
— Acho. Você tem talento. Você só não acredita.
Fiquei em silêncio. O medo falava mais alto. Mas uma centelha acendeu dentro de mim.
Fechei os olhos, e vi outra vez o olhar de Dante, frio e quente ao mesmo tempo. Um olhar que não pedia nada, mas exigia tudo.
u não tinha vinte anos ainda. Dezenove apenas. Uma idade em que os sonhos ainda são maiores do que a realidade.
O meu? Sempre foi ser como Valentina.
Ela, a filha perfeita. Formada em Relações Públicas. Dona da própria empresa Vale do Sol RP (trocadilho perfeito: Valentina, o sol da família) brilhando nos eventos da elite de Veridiana. Meus pais a exibiam como troféu. Confiavam a ela até decisões da Imperius, o braço mais antigo dos negócios dos Duarte.