Mundo de ficçãoIniciar sessãocapítulo-5
O sábado amanheceu pesado. Juliana acordou com risadas na sala, altas demais para um início de manhã. Vestiu o roupão e caminhou até o corredor, ainda sonolenta, mas parou seca ao ouvir a voz do pai. — Arrume suas coisas. A partir de hoje, você não mora mais aqui. Ela piscou, confusa, tentando entender. — Como é que é? — a voz saiu trêmula, quase uma risada nervosa. O pai virou-se lentamente. Os olhos não tinham um pingo de emoção, apenas frieza. — Você não entendeu? Não é mais parte desta casa. Juliana sentiu o chão sumir debaixo dos pés. — Mas por quê? O que eu fiz? A madrasta cruzou as pernas e falou antes dele, com um sorriso venenoso: — Você foi vendida, querida. — O quê?! — Juliana recuou um passo, como se tivesse levado um soco no estômago. O pai completou, firme, sem vacilar: — Um homem poderoso quis você. Pagou um valor alto, impossível de recusar. O coração dela disparou, o ar ficou preso nos pulmões. — Você… me vendeu? Como se eu fosse um objeto? O pai ergueu o queixo, indiferente. — Já me deu trabalho demais. Pelo menos, assim, serve para alguma coisa. A meia-irmã gargalhou, debochada. — Olha só, a médica durona, agora não passa de um bem negociado. Juliana apertou os punhos até as unhas cravarem na pele. O rosto queimava de ódio e humilhação. A cada segundo, a traição latejava mais forte. — Vocês vão pagar por isso. — disse entre dentes, a voz baixa, mas carregada de uma fúria que fez até a madrasta parar de rir por um instante. O pai não respondeu. Apenas virou as costas e saiu da sala, como se o assunto estivesse encerrado. Juliana subiu as escadas como se tivesse chamas nos pés. No corredor, a voz da madrasta ecoou, gorgolejante, seguida de risinhos da meia-irmã, mas Juliana não os ouviu: o mundo havia se reduzido a uma única palavra — vingança. encostada na parede, tirou o roupão, trocou por calças justas, botas e uma jaqueta funcional que escondia uma arma pequena. Pegou o celular com as mãos firmes e ligou para Milena: — Milena. Me ouve. Meu pai me vendeu. — falou curto. — Tô indo. — respondeu Milena sem rodeios. Ligou para Jonatas em seguida: — Traga tudo que tiver — gravações, entradas, nomes. — disse. Chegando ao quarto, abriu a janela com força e olhou a rua que a esperava lá embaixo. O ar frio bateu no rosto e clareou ainda mais sua mente. Sem hesitar, ela se apoiou na moldura, respirou fundo e pulou. milena estava parada na frente de sua casa _ Você saiu de casa? O que aconteceu? — falou a amiga preocupada _nao tenho tempo para explicar paradas vamos logo. vou descobrir quem me comprou e vou mátalo A cidade seguia sua rotina indiferente; a guerra subterrânea continuava. Mas para Juliana, aquele sábado acabara de se transformar em uma caçada pessoal — e ninguém ali duvidava que, se ela pôs os olhos em um alvo, ele teria pouquíssimo tempo de sorte. O relatório chegou como uma ficha fria na mesa: Fugitiva: saiu da residência. O Don leu, lentamente, sem pressa. Em vez de raiva, um sorriso curto e satisfeito se formou em seus lábios. — Uma presa rebelde — murmurou, mais para si do que para os presentes. — Não é interessante? O secretário engoliu em seco, tomando cuidado para não demonstrar surpresa. — Senhor? Devemos enviar homens agora? — Claro. — O Don endireitou-se, olhos brilhando de intenção. — Prepare os carros. Rápido e sem alarde. Tragam-na de volta — viva, se possível. Quero que sinta o toque do dono do seu novo destino. Os homens à volta já sabiam o que aquilo significava: sirenes desligadas, rotas desviadas, cordões de silêncio. Ordens eram proferidas como sentenças; o escritório se transformou numa pequena central de operações. Dois carros blindados foram abastecidos, rastreadores desligados, e uma equipe escolhida a dedo entrou — homens calmos, eficientes, letais. — Nada de confronto desnecessário — instruiu o Don, com a calma gélida que sempre usava antes de apertar o gatilho. — Quero-a inteira. E tragam relatórios. Quero saber cada movimento. O secretário anotou tudo, olhos baixos. Ao sair da sala, o Don permaneceu olhando pela janela, observando a cidade se estender como um tabuleiro. O sorriso voltou, mais íntimo agora. — Uma presa difícil … Não há nada mais divertido do que brincar com o que se acha frágil. — murmurou, enquanto a noite lá fora já começava a engolir as luzes da cidade. E assim, as máquinas foram postas em movimento. Buscavam a médica que havia fugido — sem saber que, ao fazê-lo, tinha se tornado o alvo mais cobiçado do homem que a considerava uma aquisição. Duas horas se passaram no apartamento. Vasculharam armários, celulares, registros de pagamento — tudo o que pudesse mostrar quem havia bancado a “compra”. Milena rodopiou a tela do celular; Jonatas vasculhava um e-mail antigo; Juliana folheava uma pasta com o recibo bancário que Jonatas havia conseguido. — É ele. — Jonatas mostrou o nome já conhecido: transferência direta de um dos braços financeiros do Don. — Nápoles. Assinatura dele. Milena deixou cair a respiração, fechando a pasta com cuidado. — Merda. De repente, o som de motores invadiu a rua: vários carros em marcha lenta, luzes apagadas. Todos miraram pela janela — e viram homens armados se posicionando ao redor do prédio, veículos bloqueando saídas. A circunferência coagulou como uma armadilha. — Droga — não tem rota de fuga. — Milena murmurou. Jonatas prendeu o olhar na rua e a raiva falou antes da cabeça: — Então a gente mata eles todos e sai por cima. Juliana congelou um segundo, calculando. Pensamentos rápidos; consequências imediatas. Se respondessem como assassinos explicitamente ali — atirando em frente às câmeras, matando civis ou deixando rastros — o Don aumentaria a caça até aniquilar qualquer abrigo que tivessem. Revelariam quem eram e onde trabalhavam. Tudo que construíam viraria rastro. Ela balançou a cabeça, voz baixa e firme: — Não. Jonatas ergueu uma sobrancelha. — O que? Vai ficar aí esperando eles arrombarem a porta? — Se nos descobrirem como executores, — Juliana cortou, sem elevar a voz — eles vão nos caçar até o fim. Vamos ter que desaparecer de vez. Isso não vale. Milena já pensava rápido: — Tem um plano então? Juliana apontou para o quadro de manutenção no corredor, para a passagem de serviço que usavam às vezes para descarte — antigo, pouco iluminado. — Tem uma passagem de serviço que desce para os fundos. É estreita e cheia de rotas de manutenção. Milena cria um barulho lá embaixo — incêndio falso no hall, alarme, confusão. Jonatas e eu usamos a passagem. Nos encontramos no beco dos fundos em quinze minutos. Saem dois caras do Don na esquina? Nós saímos por outra rua. Sem confronto direto. Jonatas cerrou o maxilar, contra a vontade, mas assentiu. — Certo. Risco calculado. Se tudo der errado, queimamos evidências e somamos dois nomes a menos na lista. Milena sorriu curto, já pegando o maquinário improvisado que carregavam: um pequeno gerador, um sinalizador elétrico e uma garrafa com solvente — barulho, fumaça, tudo para simular uma pane e forçar a atenção dos capangas para a entrada principal. Eles se posicionaram. Juliana ajeitou a jaqueta, o rosto sem emoção. Antes de se mover, olhou para os dois: — Rápido. Silêncio. Se eu disser que atirem, ninguém volta. As luzes da rua baixo — os homens do Don fechavam o cerco. Dentro do apartamento, o trio se diluiu em sombras: Milena descendo com passos calculados para a frente do prédio; Jonatas e Juliana escorregando pela porta de serviço até a passagem de manutenção.






