02. O Jogo de Espelhos

O ar do escritório da Homicídios era tão gelado e estéril quanto a noite lá fora, mas de uma forma diferente. Era o frio de um ambiente climatizado, saturado pelo cheiro de café velho e pelo cheiro de papel. As luzes fluorescentes brancas pulsavam sobre as mesas, iluminando pilhas de papéis, fotos de cenas de crime e xícaras de café meio cheias.

Chiara Rossi estava ali há mais de seis horas, sentada em sua cadeira giratória, o corpo tenso sobre as mesas com os documentos e provas do caso. Ela não sentia fome nem frio, apenas a urgência de fechar o quebra-cabeça que se formava em sua mente. Os detalhes da cena do crime se repetiam em sua cabeça, a geometria brutal das marcas no corpo do homem desconhecido, o silêncio que pairava sobre a rua luxuosa do Upper East Side. A falta de testemunhas, de câmeras de segurança, de qualquer rastro. Aquilo não era um crime comum.

Mason entrou em sua sala, a jaqueta de couro ainda sobre os ombros, e jogou um arquivo sobre a mesa de Chiara, o som seco do papel ecoando no escritório.

— O legista mandou. A identidade da vítima foi confirmada através das impressões digitais. Eles pegaram os registros em um arquivo antigo do FBI, de umas contravenções em Ohio, há uns vinte anos — ele disse, a voz baixa.

Chiara abriu a pasta. A foto do homem era de cerca de vinte anos atrás, mais jovem, sorrindo de lado para a câmera. O nome era Peter Valenti. Ela leu o relatório rapidamente. Um histórico de contravenções menores, como apostas ilegais, brigas de rua e um caso de falsificação de documentos que foi arquivado. O passado dele parecia confuso e problemático, mas nada que justificasse uma execução como a que aconteceu.

— Ele não era um cara importante — Chiara murmurou, a voz rouca de cansaço. — Era um motorista de luxo. A ficha dele mostra que ele trabalhava para um magnata da construção em Nova York. Peter Valenti vivia em um apartamento pequeno no Queens.

— Mas o carro que ele dirigia era de alta classe. Era um Audi Q8, nada barato.

— O relatório diz que ele era motorista. O carro era da empresa — Mason respondeu. — E o cara para quem ele trabalhava… o nome dele é Silvano Gallo.

O nome fez Chiara parar. Ela o conhecia, mas não o ligava a nenhum crime. Silvano Gallo era um nome que circulava nos escalões mais altos da sociedade nova-iorquina. Ele era conhecido como um empresário de sucesso, um filantropo, com um nome de respeito na sociedade.

— Gallo? Aquele Gallo? — Chiara perguntou, surpresa.

— O próprio. O nome dele é muito poderoso. Ninguém vai querer que ele se envolva em um caso como esse — Mason disse, com a voz cheia de desdém.

— Eu não me importo. Precisamos falar com ele. Ele pode nos dar informações sobre a vítima, quem queria matá-lo, o porquê de ele ter sido espancado. — Chiara disse, já com a mente trabalhando em uma estratégia para extrair informações dele.

Mason a observou, notando a determinação em seus olhos, uma determinação que poderia ser perigosa.

— Você tem razão, Detetive — Mason disse. — Precisamos que ele venha depor. Vou ligar para ele, e você prepara a sala de interrogatório.

Enquanto Mason saía para ligar, Chiara preparou a sala, ajustando a iluminação e a câmera escondida para que cada movimento de Silvano Gallo fosse gravado. O ambiente era frio e inóspito, com uma mesa de metal e duas cadeiras. Era o lugar perfeito para quebrar a fachada de qualquer um, mas Chiara sabia que, com Silvano Gallo, a conversa seria diferente.

Ela já sentia a tensão no ar, a expectativa que a fazia vibrar por dentro. Silvano Gallo, um homem tão poderoso, aceitando vir depor sem resistência, era um sinal de que ele não tinha medo, e que talvez o corpo não fosse tão importante para ele.

Duas horas depois, ele chegou. Ele não estava acompanhado de advogados, mas de dois seguranças. Silvano Gallo era um homem por volta dos quase 40 anos, mas tinha a postura ereta e o corpo musculoso de um homem muito mais jovem. Ele era um dos homens que Chiara havia visto na cena do crime, fumando na esquina, ela conseguia se lembrar de cada um deles. Seus olhos eram de um azul claro, quase transparente, e ele usava um terno de lã escura, que realçava a sua elegância e o seu poder.

Ele se sentou em frente à mesa, com a calma de um rei em seu trono, e encarou Chiara com o mesmo olhar daquela manhã. O olhar frio, quase predatório, que a fez tremer de adrenalina. Aquele olhar que dizia: "Eu sei quem você é, e sei que você não pode fazer nada contra mim."

— Detetive Rossi, é um prazer conhecê-la — Silvano disse, com a voz baixa e polida. — Mason me disse que o senhor precisava de mim. Estou à disposição.

Chiara notou a ironia na voz dele, o "senhor" que ele usou, como se ela fosse um homem e não uma mulher, uma forma de diminuir a sua autoridade.

— Senhor Gallo, obrigada por vir. Queremos fazer algumas perguntas sobre Peter Valenti — Chiara disse, a voz firme. — Ele era seu motorista há alguns anos, não é?

— Sim, há uns cinco anos — Silvano respondeu. — Ele era um homem discreto, um profissional exemplar.

— E por que ele foi morto, senhor Gallo?

— Se eu soubesse, não estaria aqui. Estou disposto a colaborar com a polícia, mas não sei o que pode ter levado à morte de Peter.

— Peter tinha uma ficha criminal, e devia dinheiro a algumas pessoas. O senhor sabia disso?

— Não. Peter não era um homem de problemas. Ele era um profissional discreto e muito respeitoso.

Chiara percebeu que ele estava mentindo. Silvano Gallo estava mentindo com uma frieza assustadora. Ela sabia que ele não ia dar nada de mão beijada.

— Ele tinha problemas com jogos de azar, senhor Gallo?

— Não sei. Eu não me envolvo com a vida pessoal de meus funcionários.

— Mas ele trabalhava para o senhor, e o carro dele foi encontrado ao lado de seu corpo, com sua identidade removida. O senhor sabia que ele estava em perigo?

— O carro era da empresa, e não de Peter. A empresa tem a sua própria segurança, e eu não tenho como saber se um motorista tem problemas com jogos de azar ou com quem ele se envolve. Peter era um homem discreto.

Silvano Gallo não respondia nada. Ele dava voltas, desviava das perguntas, e sempre usava a mesma tática de dizer que não sabia de nada. Chiara sentiu a frustração crescer.

— Nós sabemos que ele tinha problemas com a lei, Silvano. Por que você não está nos contando tudo o que sabe? — Mason perguntou, a voz mais alta, entrando na sala e se sentando ao lado de Chiara.

— Não sei o que o senhor está insinuando — Silvano disse, olhando para Mason com um sorriso de escárnio. — Estou aqui para colaborar com a polícia. Não tenho mais nada a dizer. Posso ir?

Chiara percebeu que ele não ia ceder. Ele sabia que eles não tinham nada contra ele, e que ele estava no controle da situação. Ele era um homem que não tinha medo, e que fazia parte de algo muito maior.

— Não se preocupe, senhor Gallo. Faremos mais perguntas, e talvez voltemos a falar com o senhor — Chiara disse, a voz calma, mas com a ameaça implícita.

Silvano sorriu, um sorriso sutil, mas que denotava a sua superioridade. Ele se levantou, ajeitou o terno, e se virou para Mason, antes de sair.

— Eu estou sempre à disposição, Detetive. Tenho certeza que nos veremos de novo — ele disse, e saiu da sala de interrogatório, deixando os dois para trás.

Chiara e Mason permaneceram em silêncio por um momento. Chiara se levantou e olhou para o monitor onde a gravação estava sendo feita.

— Ele não nos disse nada — ela disse, com a voz cheia de frustração. — Ele foi um muro.

— Claro que foi — Mason respondeu. — Ele é um dos homens de Dante Moretti. O cara é um braço-direito do chefe da máfia de Nova York.

Chiara sentiu um arrepio. Ela havia lido sobre Dante Moretti, um homem que comandava a máfia italiana com mão de ferro. Ele era o oposto do que ela havia imaginado, um homem discreto, que não gostava de aparecer em público. Ele era um espectro, um fantasma, mas o seu poder era real.

— Silvano Gallo não foi um mero informante, Chiara. Ele veio aqui para nos dar um aviso. Eles querem que a gente saiba que não vamos conseguir nada — Mason explicou, a voz grave.

— Mas por que? Por que eles fariam isso? — Chiara perguntou.

— Para nos intimidar. Eles não querem que a gente chegue até eles. Silvano Gallo é o braço direito de Dante, ele não é um homem que se envolve com casos de assassinato. A morte de Peter Valenti foi um aviso para quem trabalha com eles, uma forma de mostrar que eles não hesitam em matar.

Chiara sentiu a gravidade do que estava acontecendo. Ela estava acostumada a lidar com assassinos e criminosos comuns, mas a máfia era algo muito maior. Era um universo de poder, dinheiro e violência, onde as regras eram diferentes e a lei não se aplicava. Ela olhou para o monitor, onde a imagem de Silvano Gallo ainda estava.

— Eles estão nos testando, Mason. E nós não vamos falhar.

Mason a olhou, e viu a determinação em seus olhos, a mesma determinação que a levou a investigar crimes de alto perfil. Ele sabia que o jogo havia começado, e que sua parceira não iria parar até descobrir a verdade. Ele sabia que ela estava entrando em um mundo que não conhecia, um mundo onde a lei não era suficiente.

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