Mundo ficciónIniciar sesiónLorena
Quando vi a mensagem de Felipe, confesso que achei bonito o fato de minha apresentação ser um presente para a avó dele. Eu nunca conheci os meus avós, então aquilo me pareceu algo carinhoso, quase íntimo.
Aceitei na hora. Passei os dados que ele pediu e comentei com meu pai, que — como sempre — ficou feliz e começou a me dar mil orientações sobre como eu deveria me portar para agradar a família dele. Aquilo me deu náuseas.
As duas semanas passaram voando. O aniversário seria no sábado, e o calor prometia ser intenso. Eu não precisava de nada muito formal, já que seria um almoço, mas queria algo bonito. Passei um bom tempo diante do guarda-roupa, até escolher um vestido longo florido, uma rasteirinha confortável, cabelos soltos e uma maquiagem leve. Simples, mas na medida certa.
— Faça um bom trabalho, Lorena — disse meu pai, observando-me com aquele olhar severo.
— Irei apenas tocar, nada mais — respondi, tentando soar natural.— Você sabe perfeitamente o que precisa fazer — completou ele, e eu apenas permaneci em silêncio.Às onze e meia, um carro chegou para me buscar. O aniversário seria um almoço. Por mais que eu tentasse manter a calma, estava um pouco ansiosa. Estar longe do olhar vigilante do meu pai era... reconfortante. Pela primeira vez em muito tempo, eu podia respirar.
Olhei pela janela durante o trajeto, observando cada rua, cada árvore, como se tudo fosse novidade. Depois de alguns minutos, o carro entrou em um condomínio de casas lindas, com jardins impecáveis e ruas silenciosas. Mais cinco minutos e paramos em frente a uma casa encantadora, com um jardim colorido e uma entrada ampla.
— Você deve ser a pianista. Por favor, entre — disse uma senhora elegante e gentil, abrindo um sorriso acolhedor.
— Sim, sou eu. Muito prazer — respondi, um pouco tímida.
Ela me conduziu até a área externa. O espaço era lindo — havia uma piscina refletindo a luz do sol, uma grande mesa posta para o almoço, outra repleta de docinhos e, no canto, um piano esperando por mim.
Cumprimentei algumas pessoas com um sorriso discreto e me sentei ao piano, ajeitando as partituras. Aos poucos, mais convidados começaram a chegar, o som das conversas se misturava ao barulho suave da água e ao perfume das flores.
Foi então que o vi. Felipe apareceu entre os convidados, sorrindo, e naquele instante percebi que a senhora tão gentil era sua mãe.
Escolhi algumas músicas lentas, apenas para criar um som ambiente suave, que combinasse com o clima de almoço em família. Meus dedos deslizavam naturalmente pelas teclas, e por alguns minutos, eu me deixei levar por aquela sensação boa de tocar sem medo, sem cobrança.
De vez em quando, arriscava um olhar discreto ao redor, e percebia que Felipe me observava. Seus olhos pareciam me acompanhar em cada nota, e por mais que eu tentasse me concentrar apenas na música, era impossível ignorar aquele olhar constante.
Fingi não notar. Continuei tocando, alternando entre melodias clássicas e canções mais leves. Aos poucos, o aroma do almoço começou a preencher o ar, e os convidados foram se acomodando à mesa. Então diminuí o volume, deixando a música apenas como um fundo delicado para as conversas.
Foi nesse momento que Felipe se aproximou de mim.
— Lorena — disse ele, com um sorriso gentil — venha almoçar conosco.
— Ah, não precisa se preocupar comigo — respondi, um pouco sem graça. — Estou bem aqui, pode deixar.
— Nada disso — insistiu ele, rindo baixo. — Você também é minha convidada. E convidados almoçam com a família.
Hesitei por um instante, sem saber o que fazer. Parte de mim queria continuar ali, invisível. A outra parte... queria se sentir incluída, mesmo que por um momento.
— Tudo bem — disse, por fim, com um pequeno sorriso.
Fui até a mesa, e ele me acompanhou. Os pratos estavam dispostos de forma simples, mas linda — saladas coloridas, carnes assadas, massas e frutas frescas. Peguei um pouco de cada coisa, tentando disfarçar o nervosismo.
Sentei-me entre duas senhoras simpáticas que logo puxaram conversa. Perguntaram sobre meu trabalho, sobre as músicas que eu gostava, e pela primeira vez em muito tempo, percebi que podia responder livremente, sem medir cada palavra, sem ter medo de dizer algo errado.
Aquela mesa era... confortável. A risada leve da mãe de Felipe, o carinho evidente entre os convidados, o jeito como todos pareciam se importar uns com os outros. Era algo que eu não sabia o que era sentir.
Enquanto comia, percebi que estava sorrindo de verdade. Não por obrigação, mas porque era impossível não se sentir bem ali.
A comida estava ótima. O tempero, os aromas, o clima... tudo parecia tão simples e, ao mesmo tempo, tão acolhedor. Eu estava confortável ali, conversando com pessoas que me tratavam com gentileza, rindo de histórias que nem eram minhas, mas que me faziam bem mesmo assim.
Depois do almoço, serviram o bolo. Cantamos parabéns para a avó de Felipe — uma senhora encantadora, de olhos doces e sorriso sereno. Ela agradecia emocionada, e eu senti o coração se apertar de um jeito bom. Era bonito ver tanto amor reunido ali.
Comi o bolo e alguns docinhos sem culpa, algo que eu nem lembrava como era. Tudo estava delicioso — o bolo fofo, os brigadeiros cremosos, os risos leves ao redor.
Quando terminei, a doce senhora se aproximou de mim.
— Querida, você poderia tocar mais um pouco pra nós? — pediu, com um olhar cheio de ternura.
— Claro, vai ser um prazer — respondi sorrindo.
Ela puxou uma cadeira e a colocou ao lado do piano. Sentei-me e comecei a tocar novamente, escolhendo músicas suaves, com melodias que combinavam com aquele clima de tarde ensolarada.
A cada canção, eu olhava discretamente para ela, e a via sorrindo, os olhos marejados, encantada. Entre uma música e outra, ela conversava comigo, contando pequenas histórias sobre o neto, sobre o falecido marido, sobre o quanto amava ouvir piano.
E eu adorava ouvi-la. Ela era doce, elegante, cheia de vida.
Quando me dei conta, já eram quase três da tarde. O tempo simplesmente tinha voado.
— Lorena, muito obrigada — disse Felipe, se aproximando com um sorriso satisfeito. — Todos amaram sua apresentação.
— Que bom que gostaram — respondi, levantando-me. — Foi um prazer tocar para vocês.
— Eu te levo em casa — disse ele, num tom gentil, sem me dar tempo de recusar.
Despedi-me de todos, e então a avó dele veio me abraçar com força.
— Adorei você, minha querida. Volte para tocar mais vezes, por favor — disse ela, apertando minhas mãos entre as dela.
— Eu adoraria — respondi, emocionada.
Segui com Felipe até o carro. Entrei e prendi o cinto, um pouco tímida. O caminho foi silencioso no início, eu não sabia muito bem o que dizer.
— Todos adoraram você — disse ele, quebrando o silêncio. — E minha avó ficou encantada. Quero contratá-la mais vezes, especialmente para tocar pra ela.
— Vai ser um prazer — respondi, com um sorriso discreto. — Ela é uma mulher maravilhosa.
— É mesmo. Depois que meu avô morreu, ela ficou muito triste. Hoje eu vi ela sorrir de verdade — disse ele, olhando pela janela, como se ainda pensasse na cena.
— Fico feliz de ter feito parte disso — murmurei.
A conversa seguiu leve, natural. E antes que eu percebesse, já estávamos perto do prédio onde eu morava. Felipe diminuiu a velocidade e estacionou.
— Obrigado pela carona — disse, virando-me para ele.
— Eu que agradeço pela apresentação. Foi... incrível — respondeu, me olhando de um jeito diferente, mais intenso.
Por alguns segundos, nossos olhares se prenderam. Então, sem dizer nada, ele se inclinou e me beijou.
Foi suave, breve, inesperado. Meu coração disparou.
Quando nos afastamos, fiquei sem saber o que fazer.
— Me desculpe — falei, com a voz baixa.
— Não precisa se desculpar — disse ele, com um meio sorriso. — Eu que te beijei sem permissão.
Apenas balancei a cabeça, abri a porta e saí.
— Até logo, Lorena — ouvi ele dizer, antes que eu fechasse a porta.
— Até logo — respondi, sem olhar pra trás.
Caminhei até o portão tentando entender o que tinha acabado de acontecer.
O beijo ainda queimava nos meus lábios.







