Primeiro Mês

Os primeiros dias passaram como vento de outono: leves, mas carregando folhas do que um dia foi frio e solidão.

Melissa chegou pontualmente todos os dias. Criou uma rotina com Heloisa: leitura pela manhã, uma “expedição” no jardim depois do lanche, desenhos à tarde e uma nova história inventada antes da soneca. A menina florescia. Seu riso preencheu os corredores da mansão como uma nova música. Até Joana, a governanta contida, passou a sorrir mais.

Heitor observava tudo. Silenciosamente. Sempre à distância.

Ele passava pouco tempo com a filha, mas quando o fazia, Melissa notava os olhos de Heloisa brilharem — e depois, murcharem, quando ele voltava para o escritório. Era como um eclipse de afeto. Rápido demais.

— Seu pai te ama muito, sabia? — Melissa disse certa noite, ao ajeitar o cobertor da menina.

— Ama? — Heloisa sussurrou, mexendo no laço do travesseiro. — Ele não gosta de brincar...

Melissa engoliu em seco.

— Às vezes os adultos esquecem como brincar. Mas isso não quer dizer que não amam.

A menina ficou em silêncio por um momento, e depois, num fio de voz:

— Você acha que a mamãe tá vendo a gente?

Melissa sentiu o coração apertar.

— Acho que sim. E que ela tá muito orgulhosa de você.

Heloisa sorriu com os olhos fechados. Adormeceu em paz.

Na manhã seguinte, Melissa cruzou com Heitor no corredor. Ela vinha da ala das crianças, ele do escritório. Os dois pararam por um segundo, como se o universo quisesse forçar um contato.

— Ela dorme melhor — ele disse, sem preâmbulo.

— Tem menos pesadelos — Melissa completou.

Heitor assentiu. Os olhos dele estavam cansados, mas havia ali um traço sutil de gratidão.

— A governanta disse que você levou um livro de fábulas diferente... “A Princesa e o Dragão Gentil”?

— É. É uma história onde a princesa salva o dragão — respondeu, com um sorriso discreto. — Às vezes, quem a gente acha que vai ferir... só precisa ser salvo.

Heitor a encarou por um segundo a mais do que o necessário. Depois desviou o olhar.

— Continue com o trabalho, senhorita...

— Melissa.

Ele hesitou.

— Certo. Continue, Melissa.

Ela continuou.

Nos dias seguintes, Melissa começou a notar as pequenas brechas no muro de Heitor. Ele deixava o café esfriar ao escutá-las rindo no jardim. Passou a perguntar como a filha havia se comportado, o que haviam lido, se ela comera bem. Tudo de forma prática, objetiva. Mas Melissa percebia — era cuidado disfarçado.

Na sexta-feira da terceira semana, Heloisa apareceu no jantar com uma coroa de papel na cabeça.

— Hoje é o Dia do Reino das Coisas Boas! — anunciou. — A Mel é a Conselheira Real. A Joana é a Guardiã dos Bolos. E você, papai...

— O que eu sou? — Heitor perguntou, tentando não rir.

— O Rei Ranzinza!

Melissa arregalou os olhos, surpresa. Mas, para sua surpresa, Heitor soltou uma risada abafada. Pouca. Mas foi.

— Justo — ele disse.

E naquele instante, a mansão Duarte pareceu menos fria.

Naquela noite, Melissa saiu mais tarde. O carro do motorista atrasou. Heitor a acompanhou até a porta, como se fosse natural.

— Ela dormiu em dois minutos — disse ele, com uma xícara de chá na mão. — Primeira vez em meses.

— Ela está se sentindo segura — Melissa disse, abraçando a bolsa no peito. — Criança dorme melhor quando sente amor por perto.

Ele a olhou de novo. Dessa vez com menos armadura.

— E você, Melissa? Dorme bem?

Ela sorriu, surpresa com a pergunta.

— Agora sim.

Silêncio.

A buzina do carro quebrou o instante.

— Boa noite, senhor Duarte.

— Boa noite... Conselheira Real.

Melissa riu. E foi embora com o coração quente.

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