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A Visita Indesejada

Na quarta semana de trabalho, Melissa já conhecia a rotina da casa com a mesma precisão de quem decora uma música favorita. Sabia que Heloisa gostava de leite morno antes de dormir, que fazia questão de escovar os dentes com a escova cor-de-rosa e que sempre pedia para Melissa deitar na beira da cama por cinco minutinhos a mais, só para ouvir mais uma história.

Heitor, por sua vez, mantinha-se reservado. Observava à distância, surgia nos horários certos, e deixava claro — com silêncio e postura — que confiava na escolha que fizera ao contratá-la. Ainda não havia simpatia aberta, mas havia respeito. E isso, para Melissa, bastava.

Naquela terça-feira, o dia começou tranquilo. Heloisa acordou bem-humorada, queria brincar de escola, e Melissa se tornou professora, aluna e diretora em um intervalo de vinte minutos. O sol entrava pelas grandes janelas da casa, e tudo caminhava para ser um daqueles dias leves.

Até o portão eletrônico tocar.

O som não era estranho, mas a agitação da governanta ao correr para atender a porta deixou Melissa em alerta. Heloisa, no tapete com seus lápis de cor, parou de desenhar.

— Vai começar... — murmurou, sem tirar os olhos da folha.

Melissa a encarou. A menina de cinco anos agora estava com os ombros encolhidos, a expressão fechada. O brilho habitual sumira como se alguém tivesse desligado a luz.

— Quem é?

— A tia Helena. — respondeu, com um fio de voz.

E então ela surgiu.

Helena Duarte entrou como quem é dona do mundo. Usava salto alto em plena manhã, óculos escuros exagerados e uma bolsa tão grande quanto o ego. Atrás dela, surgiu uma mulher que parecia saída de uma novela mexicana: salto agulha, vestido justo demais, perfume forte que se espalhava como nuvem tóxica. Cada passo dela era um espetáculo.

— Essa — sussurrou Heloisa, sem sequer olhar — é a Paola.

Melissa engoliu uma risada.

— Meu Deus, que menina linda! — disse Paola, se abaixando como se falasse com um poodle. — Querida, por que está com essa roupa de menininho do campo? Crianças devem parecer princesas, não órfãs de filme europeu.

Heloisa se encolheu mais. Não respondeu. Só desenhava com mais força.

Melissa se levantou.

— A Heloisa está ótima assim, obrigada. Ela mesma escolheu a roupa.

Helena olhou Melissa de cima a baixo.

— Ah, claro. A babá. Você deve ser... Melissa?

— Isso.

— Interessante. Heitor sempre teve um senso de compaixão muito... desenvolvido. Gosta de ajudar os menos favorecidos. — sorriu, com veneno disfarçado.

Antes que Melissa pudesse reagir, Heitor apareceu no corredor. A camisa ainda com as mangas dobradas, expressão fechada.

— Helena. Paola.

— Irmão querido! — Helena foi até ele, abraçando-o de um jeito teatral demais. — Trouxe uma companhia encantadora para animar a sua tarde. Achei que vocês podiam conversar um pouco... você tem estado tão sozinho.

Paola andou até Heitor com passos calculados, como se cada movimento fosse ensaiado.

— Heitor, que prazer. Helena falou tanto de você. — estendeu a mão com um sorriso escancarado, quase predatório.

— Lamento que tenha vindo até aqui achando que seria recebida como companhia. Não estou interessado em visitas surpresa, muito menos em casamenteiras.

— Heitor! — Helena fingiu espanto. — Só quis ajudar. Você vive isolado, e essa... babá... não pode suprir todas as necessidades femininas de uma casa, entende?

Melissa fechou os punhos, mas respirou fundo. Heloisa, imóvel no tapete, agora desenhava rabiscos confusos — uma mistura de linhas pretas e vermelhas, com traços agressivos.

Paola riu, ignorando a tensão.

— Só queria conversar, Heitor. Mas se quiser, posso esperar no jardim... ou no seu escritório — piscou.

Heitor ignorou a insinuação e se voltou à irmã.

— Se vier de novo com esse tipo de visita, vou pedir à segurança que não a deixe entrar. E leve essa atriz com você.

— Atriz?! — Paola exclamou, ofendida.

— Porque essa encenação toda só pode ser isso.

Helena ficou vermelha.

— Você vai preferir a companhia dessa moça qualquer aí?

Ele olhou para Melissa, depois para Heloisa.

— Prefiro a companhia de quem respeita minha filha.

Helena resmungou algo ininteligível, virou nos saltos e puxou Paola pelo braço. O perfume da visitante ficou pairando na sala por mais alguns segundos, como uma lembrança tóxica que custava a se dissipar.

Quando a porta se fechou, Heloisa se levantou e foi até Melissa. Sem dizer nada, a abraçou pela cintura e encostou a cabeça no seu quadril. Silenciosa. Apenas buscando um lugar seguro.

Melissa acariciou seus cabelos e, pela primeira vez, sentiu algo diferente: não era apenas empatia. Era um tipo de amor que nascia devagar, sem alarde, mas que crescia como raiz em terra fértil.

Heitor, no canto da sala, viu a cena. Ficou ali, parado, por um instante a mais.

Não disse nada. Mas pela primeira vez, sorriu de verdade.

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