Início / Romance / Minha Doce Babá / A Entrevista (versão de Heitor)
A Entrevista (versão de Heitor)

A mansão estava mais silenciosa do que o habitual naquela manhã. Heitor sentia o cheiro do café que nem chegou a tomar. Desde que Laura se foi, as manhãs tinham gosto de vazio.

Sentado em seu escritório, revisava contratos e balanços — ou fingia. A verdade é que sua atenção estava longe dos números. Ele detestava aquele processo de entrevistas. Tantas candidatas com currículos impecáveis, mas nenhuma com o que ele realmente procurava: alguém que soubesse lidar com a dor invisível que morava ali, entre ele e sua filha.

A governanta bateu na porta discretamente.

— Senhor Duarte, a próxima candidata chegou.

— Mande entrar.

Voltou-se para a tela do notebook, embora seus pensamentos estivessem presos à figura de Heloisa — sua pequena de apenas cinco anos, que não sorria como antes, que abraçava o travesseiro da mãe todas as noites.

Ouviu os passos se aproximando e levantou-se. Quando viu a mulher entrar, algo o fez erguer levemente uma sobrancelha. Simples, postura firme, olhar direto. Não era como as outras.

— Sente-se — disse, apontando para a poltrona à frente, sem tirar os olhos dela.

Ele a observou. Cabelos presos com praticidade, roupa modesta, mas limpa. Havia algo em seu semblante — uma mistura de força e gentileza que o intrigou. Heitor não era de se deixar levar por primeiras impressões, mas ela lhe chamou atenção. Talvez fossem os olhos castanhos intensos ou a forma como não desviava o olhar do dele.

Ele, no entanto, manteve o tom frio.

— Experiência com crianças?

— Sim, senhor. Trabalhei como babá em tempo integral por quase cinco anos...

Enquanto ela falava, ele folheava os papéis. Tudo em ordem. Referências. Cursos. Mas não era isso que o faria contratá-la. Ele buscava algo que não cabia em um currículo.

— Você mora sozinha? Tem filhos?

Fez as perguntas como se fossem apenas protocolo, mas queria saber se ela teria espaço para Heloisa. Se teria paciência. Se não carregava dramas próprios que pudessem se somar aos deles.

Ela respondeu com firmeza. Sem hesitação.

Então, ele lançou o que considerava a pergunta-chave. A que separava as que vinham por necessidade das que vinham por vocação:

— Temos outras candidatas mais preparadas. Por que eu deveria escolher você?

Ele esperava evasivas, uma tentativa frágil de se vender. Mas Melissa não hesitou. Seus olhos não baixaram. Havia paixão em sua voz.

> “Estou aqui porque amo cuidar de crianças... sei escutar, acolher e educar com respeito. Sei que a filha do senhor perdeu a mãe, e isso exige mais do que currículo — exige empatia. E disso, eu tenho de sobra.”

Essas palavras o atingiram como um golpe preciso. Não que ele demonstrasse. Ele era mestre em esconder o que sentia — um hábito, uma armadura.

Foi quando Heloisa surgiu à porta. Ele a olhou e seu peito apertou, como sempre. A menina ainda não chamava por ele quando tinha medo. Não sorria de verdade desde o funeral. Ele a amava mais do que tudo, mas sentia que não sabia mais como alcançá-la.

— Papai... quem é ela?

— É... uma das candidatas — respondeu, tentando soar neutro.

Mas então veio o que ele não esperava: Heloisa se aproximou daquela mulher. E não apenas isso. Encostou-se nela com confiança, como se já a conhecesse. Como se já fosse dela. Heitor observava em silêncio. Aquilo o desarmou mais do que queria admitir.

Melissa não forçava nada. Não infantilizava, não bajulava. Simplesmente... estava ali, presente, com uma calma genuína que Heloisa parecia reconhecer.

Ele pigarreou, desviando os olhos da cena.

— Sábado. Sete da manhã. Vamos fazer um teste prático. Se for tão boa quanto fala, vai provar.

Disse aquilo com o tom de sempre, cortante, direto. Mas por dentro, já sabia que ela tinha tocado algo que ninguém mais tinha conseguido. Não era uma oferta. Era um teste. E ele precisava ver se aquilo era real — ou apenas mais uma ilusão passageira.

Enquanto ela saía, Heitor voltou para o escritório, mas os papéis pareciam todos borrados. Tudo o que ele conseguia ver era aquele gesto de Heloisa, encostando-se naquela mulher como se tivesse encontrado abrigo.

E aquilo o assustava mais do que ele gostaria de admitir.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App