Na estrada de volta para a mansão, o mundo parecia vibrar em câmera lenta.
Dante dirigia como um homem possuído.
Punhos fechados no volante. Maxilar travado.
Mas o que me deixava inquieta não era a velocidade.
Era o silêncio.
A presença de Giulia pairava sobre nós como um veneno no ar.
Ela estava viva.
Linda. Fria. Perigosa.
E ainda era capaz de dobrar o Don com apenas um olhar.
Mas eu não era mais a garota da janela.
— O que ela quer de você? — perguntei, finalmente.
— Tudo.
— Inclusive me tirar do caminho?
Ele desviou os olhos da estrada por um instante.
— Ela não vai conseguir.
— Você tem certeza?
Silêncio.
Ele não respondeu.E a ausência de palavras foi mais cortante do que qualquer ameaça.
—
A mansão Morelli parecia mais sombria ao voltarmos.
As cortinas estavam fechadas.
Os criados andavam como fantasmas.
E eu sentia que os olhos de Giulia já estavam infiltrados ali dentro, esperando que eu vacilasse para dar o golpe final.
Mas eu não ia cair.
Eu nasci no meio da guerra. E estava pronta para sangrar.
—
No quarto, me despi do casaco e me encarei no espelho.
Pele trêmula. Olhos alertas.
Não era mais apenas uma mulher ferida.
Era uma mulher em guerra.
Abri a gaveta onde guardava o colar de Luca.
Toquei as contas com cuidado.
— Você me mandaria fugir.
Mas eu vou ficar.
Fechei com firmeza.
—
Horas depois, desci para a sala de jantar.
Dante estava lá. Sozinho. Copo de uísque na mão. Olhar perdido na lareira.
— Não vai me perguntar como estou? — perguntei.
— Achei que você não queria saber o que eu estou sentindo.
— Então diga.
Ele virou o rosto.
— Eu quero matá-la. Mas parte de mim ainda se pergunta por que ela voltou.
— Você ainda ama ela?
A pergunta saiu mais afiada do que eu pretendia.
Ele me olhou. Devagar. Queimando.
— Eu acho que... só agora estou descobrindo o que é amar alguém de verdade.
—
Fiquei imóvel.
— E quem seria essa pessoa?
Dante se levantou.
Veio até mim.
E parou tão perto que pude sentir o cheiro amadeirado da pele dele.
— Você.
A palavra era uma lâmina quente.
E eu deixei cortar.
—
Antes que eu respondesse, Lorenzo entrou apressado.
— Temos um problema.
— O que agora? — Dante virou, tenso.
— Recebemos uma notificação oficial.
Giulia entrou com um pedido de união legal com Gianni Volkov.
Dante quase quebrou o copo em sua mão.
— Volkov?
— Sim. O novo líder da máfia russa no sul da Itália.
— Por que isso importa? — perguntei.
— Porque se ela se casar com ele, os Volkov se tornam herdeiros legais de parte do império que ela roubou dos Morelli.
Ela não voltou só pra machucar Dante.
Ela voltou pra tomar o que restou.
— E o que restou? — perguntei, olhando nos olhos dele.
Dante respondeu sem piscar:
— Você.
—
Naquela noite, fui até o quarto dele sem bater.
Pela primeira vez, ele estava sem as máscaras.
Sentado no chão.
Com os olhos fechados.
Camisa aberta, joelhos dobrados.
O homem… e não o Don.
— Você parece quebrado — falei, me aproximando.
— Estou.
— Então me deixa juntar os pedaços?
Ele ergueu os olhos.
Não havia armadura ali.
Só dor.
Desejo.
E… uma vulnerabilidade que ninguém mais via.— Você ainda quer fugir de mim, Serena?
— Não.
— Então o que você quer?
Sentei no chão com ele.
— Quero que a gente lute junto.
— Mesmo se custar a sua vida?
— Mesmo que custe a sua.
Ele sorriu. Pela primeira vez em dias.
— Acha que dá conta de ser esposa de um Don no meio da guerra?
— Acho que você ainda não entendeu com quem se casou.
Ele me puxou para o colo.
E me beijou como se eu fosse a única salvação num mundo prestes a ruir.
—
Na manhã seguinte, fui acordada com batidas na porta.
Era Lorenzo.
— A Giulia mandou um presente.
Desci com Dante até o salão principal.
Ali, sobre a mesa de mármore, havia uma caixa preta com um laço vermelho.
Dante retirou a tampa com cuidado.
Dentro, um vestido branco.
Com manchas de sangue nos punhos.
E um bilhete:
“Deixei isso preparado para o seu verdadeiro casamento. Use quando estiver pronta para morrer como a esposa dele.”
—
Ninguém falou por alguns segundos.
Depois, Dante pegou o vestido e atirou na lareira.
— Ela quer provocar.
— E conseguiu — respondi.
— Acha que tem medo dela?
— Não. Mas tenho raiva.
— Então usa essa raiva, Serena.
Porque a guerra começou.
E, dessa vez, eu não vou lutar sozinho.