A carta ainda estava sobre a mesa quando ele chegou.
Lorenzo entrou sem bater, com um envelope grosso nas mãos e uma expressão que me gelou até os ossos.
— Chegou isso agora. Direto da França. Não tem remetente, mas o selo é do grupo Corsaire.
Dante parou.
Os dedos travaram sobre o papel.
— Merda — ele murmurou, antes mesmo de abrir.
Peguei o envelope de suas mãos.
— Quem são eles?
— Mercenários. Leais ao maior inimigo que já tive.
— E quem é?
Ele hesitou.
— Giulia.
— A Giulia?
— A mulher que eu amei. A mulher que me traiu. A mulher que… deveria estar morta.
Abri o envelope. Dentro, uma única foto.
Tirada com um celular.
Granulada, torta, mas clara o suficiente para doer.
Era uma imagem minha.
Na janela do quarto.
De robe de seda, cabelo solto, olhando pra fora.
Atrás, em letras desenhadas com sangue sobre o vidro:
“Não é ela que te pertence.”
—
— Ela tá viva — disse eu, num sussurro.
Dante passou a mão pelos cabelos, andou pelo salão como um animal enjaulado.
— Ou alguém quer que eu pense que está.
— Você já viu esse tipo de recado antes?
— Sim. Antes de meu pai ser morto.
— Ela mandou matar seu pai?
Ele assentiu, os olhos vermelhos de fúria contida.
— Giulia não era só minha noiva. Era infiltrada.
Uma filha bastarda de um clã rival.
Se aproximou de mim pra destruir tudo por dentro.
— E agora… ela quer me destruir pra recomeçar de onde parou?
— Ela quer me lembrar de que ninguém me pertence.
Nem mesmo você.
—
Naquela noite, a mansão ficou em estado de alerta.
Armas foram limpas.
Homens foram chamados.
Câmeras, verificadas.
E eu… me tranquei no banheiro com a carta nas mãos.
Giulia. A ex que traiu. A ex que talvez ainda estivesse viva. A mulher que ele amou.
Me olhei no espelho.
— Você vai perder pra um fantasma? — murmurei.
A resposta veio com um estalo na porta.
— Serena? — era Dante.
— Estou bem.
— Preciso que você fique no quarto. Vamos até Roma amanhã.
— Roma?
— Tenho que visitar o arquivo dos Morelli. Há um nome escondido. E ele pode nos levar a ela.
— Você ainda acha que pode matar ela?
Ele se calou.
— Acho… que não posso deixar que ela me mate de novo.
—
Roma era tão linda quanto letal.
A sede subterrânea dos Morelli ficava sob uma vinícola. Uma entrada secreta entre barris e cheiro de uva fermentada.
Ali dentro, tudo era concreto, aço e arquivos.
Caixas com segredos.
Registros de guerra.
— Aqui ficam os códigos de todas as execuções, alianças e traições da última década — explicou Lorenzo.
— Parece… sagrado.
— É. E como tudo que é sagrado, é também um campo minado.
Enquanto Dante mexia nos arquivos, sentei-me perto de uma mesa coberta de pastas.
Peguei uma, por curiosidade.
Meu sangue gelou.
— O que é isso?
— Registros dos mortos da guerra de Florença.
Luca estava lá.
Meu irmão.
Meu nome escrito como “recurso pacificador: objeto de aliança”.
— Vocês me chamaram de objeto? — perguntei, engolindo a bile.
— Serena… — Dante tentou se aproximar.
— É isso que sou pra você? Uma ficha? Um número de controle?
— Não é assim.
— Então como é?
— Quando aceitei te tomar como esposa, era só estratégia.
Mas depois…
— Depois o quê?
— Você virou o único erro que eu não consigo desfazer.
—
Foi naquele instante que um som ecoou nos túneis.
Baixo. Mecânico.
Porta trancada. Sistema travado. Estamos cercados.
Dante sacou a arma.
Lorenzo gritou:
— Câmeras desativadas!
— Saiam daqui! — Dante me empurrou para um canto, puxando uma grade falsa da parede.
— Uma saída de emergência. Rápido!
Mas antes que conseguíssemos entrar, uma silhueta surgiu no fim do corredor.
Alta. Elegante.
De vestido vinho e olhos como navalha.
— Bonsoir, Dante.
Era ela. Giulia. Viva.
—
— Como…? — ele murmurou.
— O inferno não quis me segurar — respondeu ela. — Você deveria saber.
Fui feita pra voltar.
Ela me olhou.
Sorriu com desprezo.
— E essa é a substituta?
Frágil. Ingênua.
Com cara de quem ainda acredita em promessas?
— Cuidado com o que diz — respondi, firme.
— Oh, minha querida.
Eu não vim acabar com você.
Eu vim lembrar ele… de quem é o verdadeiro veneno.
Ela tirou algo da bolsa.
Um colar.
Era o mesmo colar que vi no peito dele uma vez. Com o nome dela gravado.
Ela jogou aos pés dele.
— Você vai lembrar de mim, Dante.
Nem que seja pelo gosto da ruína.
E desapareceu no escuro.
—
Corremos.
Silêncio. Ar queimando nos pulmões.Lá fora, na luz da manhã, o mundo parecia intacto.
Mas tudo tinha mudado.
—
De volta ao carro, com os pneus cantando na estrada, Dante estava calado.
A boca dura.
Os olhos em fogo.
— Vai me dizer que ela ainda não mexe com você?
Ele virou o rosto.
— Ela é só uma sombra.
— Mas é uma sombra que você nunca superou.
— E você?
Você me beijou. Dormiu comigo.
E agora carrega isso como uma maldição?
— Não.
— Então por que está com medo?
— Porque talvez… eu tenha me apaixonado pelo homem que ela criou.
Silêncio.
Dante parou o carro no acostamento.
Virou-se para mim.
— E se esse homem… também estiver se apaixonando por você?