Os dias seguintes correram como um rio sujo e silencioso: lentos, cheios de tensão, e prontos para engolir qualquer distração.
Dante redobrou a segurança, alterou rotas de entrada, instalou sensores, e ainda assim…
O medo rondava a mansão como um perfume enjoativo.
Do tipo que anuncia que algo vai morrer.
Eu mantinha a pose.
Andava pelos corredores como se não estivesse sendo seguida.
Mas sabia: olhos demais me observavam.
E nem todos eram aliados dele.
Na manhã de terça, resolvi caminhar pelo jardim interno.
— Não saia da casa sozinha — ele tinha avisado.
Mas eu não obedecia ordens.
Principalmente as dele.
Passei por entre as rosas negras — criadas ali, dizem, em homenagem à primeira mulher que Dante perdeu — e respirei fundo.
Liberdade não existia. Mas o desafio sim.
Me abaixei para tocar uma pétala quando ouvi.
Um estalo.
Um sussurro de pólvora.
E o mundo se partiu.
Uma explosão baixa, abafada.
Um assobio rápido.
— Serena! Abaixaaa! — a voz de Dante ecoou segundos antes do impacto.
Fui puxada com força por um braço.
Caí no chão, o corpo de Dante sobre o meu, protegendo-me com o dele.
Vidros estilhaçaram perto da parede de vidro.
Gritos. Correria.
— Atirador! — alguém gritou ao longe. — Vinha da torre norte!
O peso dele ainda me esmagava contra o chão.
O calor do corpo. O cheiro da pólvora e do medo.
Dante se levantou num salto, os olhos ardendo em fúria.
— Ela vai pro quarto. Ninguém entra. Três seguranças na porta, agora!
Eu ainda tremia.
Ainda assim, levantei com o orgulho intacto.
— Eu tô bem.
Ele se virou para mim, furioso.
— Você podia ter morrido!
— Mas não morri — rebati, a voz mais firme do que eu sentia. — E pelo visto, isso te incomoda.
Ele se aproximou. O suficiente para que eu sentisse o sangue quente pulsando sob sua pele.
— Você tem ideia do que acabou de acontecer?
— Sim. Me tornei uma ameaça real.
E agora, sou oficialmente… uma Morelli.
Naquela noite, trancada no quarto, tentei entender o que mais me deixava inquieta:
A tentativa de assassinato?Ou o fato de que Dante havia me protegido com o próprio corpo?
Uma parte de mim queria agradecer.
A outra… queria fugir antes que agradecesse demais.
Bati na porta do escritório dele à meia-noite.
— Acha que eu devia te agradecer por quase morrer comigo? — perguntei ao entrar sem ser convidada.
Ele estava de costas, olhando um mapa aberto sobre a mesa.
— Acha que eu vou dormir depois disso? — respondeu.
— Achei que monstros dormissem bem.
— Achei que princesas mimadas não saíssem sem escolta.
Nos encaramos em silêncio.
— Quem você acha que mandou o atirador? — perguntei.
— Poderia ser qualquer um. Mas só alguns sabiam que você estaria no jardim naquele horário.
— Você está dizendo que…?
— Temos um traidor. Aqui. Dentro. — A voz dele era uma lâmina.
Engoli seco.
— Então talvez... não seja apenas eu em perigo.
Ele se aproximou.
Mas dessa vez… não havia fúria.
Só tensão.
— Por que você desobedeceu?
— Porque odeio estar presa.
— Mesmo sabendo que posso te manter viva?
— Eu não quero sobreviver. Eu quero viver.
E com você me vigiando, isso é impossível.
— Serena… — ele sussurrou, e dessa vez não era ameaça. Era… um sussurro quebrado.
— O quê?Ele passou a mão pelo rosto. Cansado.
Algo estava despedaçando nele. E eu estava vendo.
— Quando eu perdi Giulia… jurei que nunca mais me importaria.
— Então não quebre sua promessa — respondi. — Porque eu não vim aqui pra curar ninguém.
Mas mesmo dizendo isso… eu me sentia quebrando por dentro.
Dante ergueu os olhos para mim. E havia algo ali.
Medo.
— Alguém quer te tirar de mim antes que eu entenda o que fazer com você — ele disse.
— Talvez já seja tarde demais.
No dia seguinte, as investigações estavam em curso. Lorenzo, sempre com expressão debochada, agora estava sério.
Os guardas trocados.
Os horários cruzados.
— Encontramos uma escuta no seu quarto — Lorenzo me disse. — E sinais de acesso aos registros de entrada e saída da casa.
— Alguém nos observa o tempo todo — completei.
Ele assentiu.
— Seja quem for… quer separar vocês. E acabar com ela antes que algo mude.
— Mude o quê? — perguntei.
Ele me olhou, com um meio sorriso.
— O Don.
Porque se você mudar ele… metade do império Morelli desmorona.
À noite, Dante apareceu na minha porta.
Não para ameaçar.
Nem para mandar.
Mas com uma expressão que nunca vi antes: humana.
— Preciso que você durma no meu quarto.
Arqueei a sobrancelha.
— Com você?
— Sim. Segurança reforçada. Só há um lugar 100% monitorado. E é o meu quarto.
— Isso parece conveniente.
— Não estou pedindo.
Me vesti. Peguei o colar de espada. E o encarei.
— Então vamos ver se o Don dorme como um homem... ou como um monstro.
O quarto dele era maior que meu antigo apartamento.
Mas havia frio ali.
Paredes limpas. Cama impecável. Nada pessoal.
Nenhum retrato.
Nenhum passado.
Ele me ofereceu um canto do colchão.
— Sem contato — disse ele.
— Nem em sonhos — respondi.
Nos deitamos. Um abismo entre nossos corpos.
Mas o silêncio era um campo de batalha.
Apaguei a luz.
Ele respirava fundo, tenso.
— Dante — sussurrei.
— Hm?
— Eu não vou morrer aqui.
— Não.
— E sabe por quê?
— Porque agora eu sou sua esposa?
— Não, Serena.
Porque agora… você é a única coisa que me mantém vivo.