E se o amor desafiasse tudo o que você acredita? O que poderia ser apenas uma atração passageira se transforma em algo mais profundo — algo que nem a razão de Carly nem a fé de Pedro conseguem ignorar. Após uma tragédia que abalou sua vida, Carly abandonou suas crenças e se refugiou em escolhas racionais. Para ela, confiar em sentimentos é abrir espaço para a decepção, e acreditar no invisível é um risco que não está disposta a correr. Seu mundo agora é concreto, onde certezas valem mais do que promessas. Pedro, por outro lado, construiu sua vida sobre fé, propósito e compromisso com Deus. Médico e líder respeitado na igreja, ele acredita que algumas escolhas não podem ser negociadas — até que Carly surge, desafiando seus sentimentos. Nos corredores do hospital, seus caminhos se cruzam. Carly vê em Pedro um homem preso a dogmas, enquanto ele enxerga nela alguém que luta para não crer. Para Pedro, esse encontro não é uma coincidência, mas sim um propósito maior de Deus. A comunidade que antes o admirava agora o observa com desconfiança. O jugo desigual o afastará do caminho sagrado? Carly e Pedro enfrentam a pressão dos preconceitos e a difícil escolha entre seguir o que sempre acreditaram ser certo ou se permitir viver o que sentem. Carly seria apenas uma distração para Pedro? Ou ele estaria disposto a lutar, mesmo que sua família e líderes se opusessem? Entre feridas abertas, reconciliação e a busca pelo perdão, ambos precisam enfrentar o desconhecido. Quando tudo parece indicar que esse amor não deveria existir, será que ele ainda pode prevalecer?
Ler maisA noite começava a ganhar vida no salão principal do El Dourado, cenário da tradicional cerimônia anual do hospital. Era o ápice do ano para os profissionais da saúde, um momento de reconhecimento pelas batalhas diárias e pelas vidas transformadas ao longo do caminho. Luzes sofisticadas refletiam nos lustres de cristal, enquanto uma música suave preenchia o ambiente.
Os convidados trocavam sorrisos, brindes e abraços calorosos, celebrando com entusiasmo. E ali, em meio ao brilho da festa, estava a deslumbrante fisioterapeuta Carly Ramires. Seu nome ecoou pelos alto-falantes, chamando-a ao palco.
Ela caminhou sob os holofotes com um sorriso mecânico, recebendo o prêmio de excelência profissional. O troféu nas mãos não suavizava o incômodo em seu peito. "O que eu estou comemorando, afinal?", pensou. Enquanto descia os degraus, os cumprimentos pareciam distantes.
— Parabéns, Carly. Você merece! — diziam os colegas.
Mas por dentro, ela sabia: aquele reconhecimento não era suficiente.
À margem da festa, vestida com um clássico modelo rosê, Carly mantinha um sorriso gentil. Observava os colegas rindo, emocionados, abraçados aos seus entes queridos. Ela, no entanto, não conseguia compartilhar da mesma euforia. O sucesso não a tocava.
A inquietação crescia conforme a noite avançava. Apesar de estar rodeada por profissionais incríveis, sentia-se distante, até mesmo como se fosse uma estranha entre os próprios colegas. A cadeira vazia ao lado demonstrava essa insatisfação. Experimentava a falta de alguém. Uma presença, um apoio ou mesmo familiares para compartilhar de suas conquistas. Aquilo lhe abraçava em uma fria solidão. Pegou sua bolsa clutch e caminhou até o banheiro. Diante do espelho, retocou o batom com mãos firmes, contornando os olhos azulados. Tentava se recompor, mas sua mente vagava. Será que é isso mesmo que eu quero? Vale continuar assim?
Deixou o toalete decidida a ir embora. Aquela noite, se tornara um lembrete cruel do que lhe faltava. Caminhou em direção à saída, ignorando as vozes e os flashes de sorrisos ao redor. Abaixou a cabeça, determinada a desaparecer dali. Foi quando aconteceu. Um esbarrão firme. Um ombro contra o seu. Uma fragrância amadeirada e sutil a envolveu. Ela ergueu os olhos e piscou, surpresa.
Diante dela, um homem. Olhar castanho, sereno, profundo — como se pudesse enxergar além da superfície.
— Me desculpe — murmurou ela, sem conseguir sustentar o olhar por muito tempo.
Ele assentiu, com um sorriso. Quando notou, já havia desaparecido na multidão. E, mesmo sem querer, Carly girou o rosto de volta, procurando-o. Tarde demais. Pegou um táxi para casa, repetindo mentalmente a imagem daquele desconhecido de blazer branco. Quem era ele?
No dia seguinte, a rotina voltava ao seu ritmo habitual. Chegou pontualmente no hospital. Mas algo a desconcertou ao cruzar um dos corredores, risos infantis ecoavam por um dos corredores. Carly seguiu o som, curiosa, até avistar o homem da noite anterior. Agora, ele vestia um jaleco azul com detalhes coloridos, rodeado pelas crianças da unidade de internação pediátrica. Ele interagia com leveza, arrancando gargalhadas sinceras dos pequenos. Transmitia uma energia viva e acolhedora— Ele é atraente, de um jeito que não consigo explicar. — Comentou com a amiga, Deise, tentando soar casual.
Vez ou outra, Carly se pegava observando-o de longe, sentindo uma familiaridade estranha naquela cena. Mas queria afastar os pensamentos e seguir em suas atividades. Mesmo depois de se afastar, a imagem daquele sorriso descontraído permanecia nítida. Fixada nos pensamentos. Tinha algo ali que prendia sua atenção, embora não conseguisse entender.
No dia seguinte, recebeu uma mensagem pedindo que se dirigisse à emergência pediátrica. Ao entrar na sala, seu olhar encontrou o dele, mais uma vez. O mesmo homem da festa, do corredor... agora estava ali, de frente para ela. Seu coração acelerou.
— Amiga, você me ouviu? — A voz firme da Dra. Deise a trouxe de volta à realidade.
Deise era ortopedista, subdiretora do centro de trauma e emergência. Ela tinha uma habilidade e empatia destacável. Uma mulher de presença marcante, inteligente e confiante. Ao longo dos anos, tornara-se uma das amigas mais próximas de Carly. — Sim, me desculpe, fiquei um pouco distraída. Pode repetir? Deise cruzou os braços, analisando-a com um olhar clínico e sarcástico. — O que foi que você viu aí, hein? Ah, deixa pra lá. Aquele ali é o novo pediatra. Ele é um talento raro e não estou falando só do currículo, se é que me entende. Aliás, vai entrar na fila de interesse?— Me respeita! Infelizmente a fila tá grande, isso não me interessa. — Carly resmungou, fingindo indignação.
Elas seguiram tentando conter as risadas.
— Até parece. Como se eu não conhecesse o seu tipo. — Provocou Deise, beliscando o braço da amiga.
— Para! Você tá fazendo a gente passar vergonha, Deise. — Relaxa, doutora. Vamos lá, vou te apresentar oficialmente para ele. E se tudo correr bem, vocês vão trabalhar juntinhos. O nervosismo tomou conta, misturado com uma estranha empolgação. Carly sabia que precisava manter o foco. Não podia parecer impressionada, ou pior, despreparada. — Oi, sou o Dr. Pedro Castello. Mas dispense as formalidades. — Ele se apresentou, estendendo a mão com um sorriso amigável.— Carly, prazer. — Ela respondeu, dando um sorriso sutil, ao tentar controlar o impulso de olhar para a mão dele.
Ela fez isso para certificar que ele não era comprometido. O toque foi breve, mas diferente de qualquer outro, causando um efeito diferente do habitual. Ela reparou novamente naquele sorriso, sentindo uma conexão inesperada. Um sorriso escapou, mesmo sem permissão. Após, seguiram quietos as instruções de Deise. Ao final do expediente, a curiosidade falou mais alto. Procurou o nome dele nas redes sociais, mas o perfil da conta era privado.
— Tô parecendo uma stalker — murmurou, sozinha.
Mais tarde, Deise compartilhou o que sabia: Pedro havia estudado em outros países, era fluente em três idiomas, tinha diversas publicações científicas e participava de projetos sociais. Ele era academicamente brilhante. E parecia inalcançável.
— Como eu vou conquistar um homem desses? — Carly suspirou, meio em tom de brincadeira, meio em desespero real.
Mas o que mais a intrigava era a postura reservada. Pedro parecia alheio a elogios, insinuações ou olhares. Sempre educado, mas… distante.
Com o passar dos dias, trabalhando lado a lado, os dois se aproximaram. Ele parecia ser diferente. Nada de conversas paralelas ou troca de olhares. A tratava com indiferença, não lhe dava muita atenção. E, como se não bastasse, ele era impecável. Mesmo assim, com as crianças… ele era outro. Leve. Brincalhão. Inspirador. Os pais confiavam nele. As crianças o amavam. "Ele realmente não percebe ou finge que não vê?", ela se perguntava.
Ela só pensava em como ele conseguia ser divertido e carismático, apesar do gelo que lhe dava. Expressava uma paz que refletia um caráter acolhedor. Mas, paralisou ao perceber que seus sentimentos estavam tomando um rumo perigoso. Não queria arriscar tudo e se machucar outra vez. Era melhor fugir e esquecer dos seus sentimentos. Então, dias depois, pediu para retomar ao atendimento traumato-ortopédica. Evitar Pedro era a melhor escolha.
Meses se passaram. Ela manteve distância, evitando cruzar com ele nos corredores. Até que, num dia comum, precisou cobrir o turno de uma colega da emergência. Para chegar à sala, teve que passar pela pediatria. Quando ela menos esperava, percebeu alguém interrompendo sua passagem. E foi lá, no meio do corredor, que a voz familiar surgiu. — Carly! Quanto tempo... Por acaso, está se escondendo de mim? — Perguntou, em tom descontraído, enquanto digitava algo em seu tablet. — Será que pode me ajudar aqui por um instante?Ela notou as crianças que o cercaram, vibrantes.
— Ebá! Dr. Pê chegou! Vamos mostrar os desenhos?
Carly revirou os olhos, brincando consigo mesma:— Dr. Pê… só se for P de pedra. Aff...
Ela se incomodou, devolvendo o tablet e resmungando, tentando se acalmar. Minutos depois, Pedro surge no corredor risonho.
— Doutora, escapou de novo! Bela companheira você, hein?
— O que deu em você? Quem você pensa que é? — Disparou ela, irritada. — Eu tenho sentimentos… quer dizer, compromissos! Horários!
Pedro arqueou uma sobrancelha, sem se abalar.
— Não tenho tempo para dramas, mas você está em dívida comigo, doutora. — Ele resmungou, — mulheres, são complicadas. — E foi embora, sem esperar por uma resposta.
— Que grosso! Sério que eu não percebi isso antes?! — Murmurou Carly, sentindo o sangue ferver. Após um longo dia de expediente, partiu para casa em tranquilidade. Assim que chegou, passou direto para o quarto, jogando-se na cama macia, fitando o teto, com um suspiro profundo.A raiva havia passado, ela se viu refletindo sobre qual o motivo que a levou a se incomodar tanto com Pedro. Por que ele vinha implicando agora? A ousadia dele lhe incomodava e, ao mesmo tempo, despertava algo novo. Surgiu um fio de esperança. Mas ela considerou que: O príncipe virou sapo, realmente imperfeito. No momento, ela não sabia se queria fugir dele ou correr para perto. Só tinha certeza de uma coisa: Pedro ocupava mais espaço em sua mente do que ela gostaria de admitir.
Suas mãos ainda tremiam quando folheava as anotações deixadas pelo homem que procurava. Carly estivera sentada por horas na sala, em frente à lareira apagada, com Monteiro ao lado, os dois cercados por papéis, fotos antigas e um nome que atravessava a história da família, como uma rachadura antiga no vidro — visível, mas até então ignorada.— Jonas nunca soube que meu irmão estava vivo. — Ela murmurou, a voz embargada. — Mas me vigiava o tempo todo!— Provavelmente ele considerava que você era a filha... Se era mesmo ele... mas também tem esse seu irmão, que ninguém sabe. — Monteiro completou. Ela assentiu, respirando fundo.— Pena que nem tive a oportunidade de conhecer ele. — Mas você está viva, Carly. Livre. E diferente de antes: agora sabe a verdade. — Ele apertou levemente sua mão em cumplicidade.Dias depois...O evento anual do Hospital El Dourado havia sido preparado com esmero. O auditório reservado para a cerimônia exalava sofisticação. Cortinas longas e douradas emoldurav
A noite chegava ao fim quando Carly desceu do carro em direção à casa. O receio ainda a acompanhava como uma sombra, os passos eram mais firmes, mas o coração ainda vacilante. Ao subir os degraus da varanda, olhou para os lados, receosa de qualquer sinal estranho. Por precaução, ela pediu para que Monteiro permanecesse mais uma vez. E ele não hesitou. Sabia que naquele momento ela precisava de apoio, se sentir segura.A madrugada passou arrastada. Após horas se revirando entre os lençóis, com o pensamento fervilhando. A casa estava mergulhada na penumbra. Então, ela se levantou em silêncio, em passos leves seguiu até a sala. Monteiro dormia profundamente encolhido no sofá, o lençol havia caído no chão, seus braços cruzados sobre o peito. A luz suave da aurora atravessava a cortina branca, que tocava o seu rosto com ternura, revelando o cansaço misturado à devoção de quem se recusava a ir embora.Carly se aproximou, pegou o lençol e sentou-se no tapete felpudo, recostando-se ao sofá c
A noite anterior não saía da sua cabeça: a voz vibrante ao telefone, a ameaça velada, uma crise antiga que pensava ter cessado estava voltando à superfície. Monteiro passara a madrugada em sua casa, deitado ao seu lado no sofá, escutando suas lembranças, montando as peças daquele quebra-cabeça. Quando o sol finalmente raiou, ele ainda estava ali. Cochilara na poltrona, enquanto Carly tentava dormir no quarto, mas apenas se revirava entre os lençóis. O relógio marcava 08h50 da manhã, quando o som do interfone quebrou o silêncio da casa.Ela atendeu com hesitação.— Entrega para Carline.Então saiu, desconfiada, com Monteiro vindo logo atrás.Ao abrir o portão, um entregador, sorridente, lhe deu uma pequena caixa envolvida em papel kraft. Não havia remetente. Apenas seu nome e o endereço. De volta à sala, ela abriu aquilo com cuidado. Dentro, havia uma foto antiga com uma data no verso, era ela criança brincando no parque com um garoto ao lado fantasiado. Junto, havia um bilhete: "Você
A igreja sempre foi um refúgio para Pedro. Mas naquela noite, sentar-se ali lhe trouxe mais inquietação que consolo. O templo, apesar de cheio, soava vazio para ele. As palavras do culto ecoavam como em outro idioma — distantes, abafadas por uma camada de dor e culpa.Afastado dos cargos pela confissão… Agora tinha tempo para refletir sobre tudo e perceber os olhares, por ser um rosto conhecido demais para passar despercebido. Um nome falado em voz baixa nos corredores.Mesmo sem confirmações, os olhares diziam mais do que qualquer boato. Os abraços se tornaram acenos. Os amigos mais próximos evitavam conversas. E ele, por sua vez, escolhia os cantos. Preferia o anonimato de quem um dia já fora referência.Naquela noite, ele sentou-se mais ao fundo. Sua mãe o chamou para perto, mas ele não quis saber. Fechou os olhos enquanto o louvor se iniciava. Tentava focar no essencial: buscar a Deus. Ainda que tudo ao redor tivesse mudado, Ele permanecia.Quando os olhos de Pedro abriram novamen
A tarde mal tinha se ajeitado sob o céu, e a tensão pairava na casa. Pedro ainda estava sentado no sofá, a cabeça pendendo para frente, tentando assimilar a conversa que acabara de ter com sua mãe. Helena, por sua vez, estava fazendo o almoço nervosamente pela cozinha, soltando suspiros tensos. Aquele momento de reflexão só foi quebrado pelo barulho da porta da frente, se abrindo devagar.Gustavo, o irmão mais velho, entrou. Estava chegando de uma longa viagem e preferiu entrar discretamente, sem fazer alarde. Carregava a mesma imponência de sempre, aquele jeito meio irônico, de quem sabia mais do que dizia, e criticava mais do que agia.Antes, ele tinha parado na área, ouvindo a conversa entre a mãe e o irmão. Escutou quando Pedro disse que iria embora, recomeçar a vida. Então, não conseguiu se conter. Entrou batendo palmas, devagar, com um sorr
O sol da tarde dourava o campo onde acontecia o campeonato amador da escola. Guilbert, focado sob as traves, era o goleiro de seu time. Vestia o uniforme azul-marinho com orgulho, suado e marcado pelas defesas espetaculares que vinha fazendo.A final estava eletrizante, com gritos da torcida ecoando das arquibancadas ao redor do campo. Cada lance era uma verdadeira batalha física e emocional. Gui mantinha os olhos cravados na bola, pronto para reagir a qualquer movimento. Nos minutos finais, o adversário arriscou um chute potente. Mas, o goleiro se lançou no ar e espalmou a bola para o lado, salvando o jogo. O apito final soou, e o time da Manancial comemorou, correndo e se abraçando de pura alegria.— Êh, campeões! Campeões! — Gritaram em coro, levantando os braços.Mas nem todos aceitaram a derrota com esportividade. Jogadores do time adversário se aproximaram com olhares carregados de ameaça. Primeiro vieram os insultos velados, provocações sutis. Depois, como um barril de pólvora,
Último capítulo