O que fazer quando o amor desafia tudo o que você acredita? Essa é a pergunta que Carly e Pedro terão que responder. Para ela, uma fisioterapeuta que abandonou a fé após uma tragédia na infância, a vida é guiada por certezas, onde atitudes valem mais do que promessas. Para ele, um médico e líder religioso, a vida é uma missão pautada por escolhas inegociáveis. Quando o destino os une nos corredores do hospital, a atração é instantânea, mas o embate é profundo. Carly enxerga em Pedro um homem preso a dogmas, enquanto ele a vê como a mulher que resiste em crer. Ao decidirem encarar o que sentem, a igreja o acusa de viver em “jugo desigual,” e ambos são forçados a escolher entre a razão e a paixão. Para Pedro, esse amor pode ser um propósito de Deus. Para Carly, é o risco de uma nova decepção. Mas essa jornada a fará ter reencontros e aprender que, para a árvore florescer e frutificar, é preciso perdoar para que as feridas do passado cicatrizem.
Ler maisA noite começava a ganhar vida no salão principal do El Dourado, cenário da tradicional cerimônia anual do hospital. Era o ápice do ano para os profissionais da saúde, um momento de reconhecimento pelas batalhas diárias e pelas vidas transformadas ao longo do caminho. Luzes sofisticadas refletiam nos lustres de cristal, enquanto uma música suave preenchia o ambiente.
Os convidados trocavam sorrisos, brindes e abraços calorosos, celebrando com entusiasmo. E ali, em meio ao brilho da festa, estava a deslumbrante fisioterapeuta Carly Ramires. Seu nome ecoou pelos alto-falantes, chamando-a ao palco.
Ela caminhou sob os holofotes com um sorriso mecânico, recebendo o prêmio de excelência profissional. O troféu nas mãos não suavizou o incômodo no peito. "O que estou comemorando, afinal?", pensou. Enquanto descia os degraus, os cumprimentos pareciam distantes.
— Parabéns, Carly. Você merece! — diziam os colegas.
Mas por dentro, ela sabia: aquele reconhecimento não era suficiente.
À margem da festa, vestida com um clássico modelo rosê, Carly mantinha um sorriso gentil. Observava os colegas rindo, emocionados, abraçados aos seus entes queridos. Ela, no entanto, não conseguia compartilhar da mesma euforia. O sucesso não a tocava.
A inquietação crescia conforme a noite avançava. Apesar de estar rodeada por profissionais incríveis, sentia-se distante, até mesmo como se fosse uma estranha entre os próprios colegas. A cadeira vazia ao lado demonstrava essa insatisfação. Experimentava a falta de alguém. Uma presença, um apoio ou mesmo familiares para compartilhar de suas conquistas. Aquilo lhe abraçava em uma fria solidão. Pegou sua bolsa clutch e caminhou até o banheiro. Diante do espelho, retocou o batom com as mãos firmes, contornando os olhos azulados. Tentava se recompor, mas sua mente vagava. Será que é isso mesmo que eu quero? Vale continuar assim?
Deixou o toalete com a decisão de ir direto para casa. Aquela noite, se tornará um lembrete cruel do que lhe faltava. Então, caminhou em direção à saída principal, ignorando vozes e os flashes de sorrisos ao redor. Abaixou a cabeça, determinada a desaparecer dali. Foi quando aconteceu. Um esbarrão firme. Um ombro contra o seu. Uma fragrância amadeirada e sutil a envolveu. Ela ergueu os olhos e piscou, surpresa.
Diante dela, a figura de um homem alto e musculoso. Seus olhos, de um castanho vibrante e sereno, pareciam enxergar a alma.
— Me desculpe… — Ela murmurou, a voz quase sumindo, incapaz de sustentar aquele olhar.
Ele apenas sorriu e assentiu, gentilmente.
Em um piscar de olhos, ele se misturou à multidão e desapareceu. Ela, no entanto, virou o rosto, procurando-o, como se houvesse algo a mais a ser visto. Tarde demais.
No táxi, a caminho de casa, a imagem do desconhecido não a abandonava. Uma e outra vez, ela revira aquele rosto, tentando desesperadamente lembrar se já o tinha visto antes.
O dia seguinte começou com a rotina habitual do hospital.
Carly cruzava os corredores, pontual como sempre, quando um som a pegou de surpresa: risos infantis. A melodia alegre a desconcertou, e ela se viu seguindo a curiosidade até o corredor da pediatria. Lá, viu o homem da noite anterior.
Ele vestia um jaleco azul, salpicado de detalhes coloridos, e estava rodeado de crianças. A cena parecia ter vida própria: ele interagia com os pequenos de uma forma tão leve e natural que lhes arrancava gargalhadas sinceras. A energia que ele transmitia era viva, acolhedora, e se viu paralisada, completamente absorta naquela cena.
— Ele é atraente, de um jeito que não consigo explicar. — Comentou com a amiga, Deise, tentando soar natural.
Deise deu risadas da situação, sabia exatamente de quem a amiga estava falando.
Deise era ortopedista, subdiretora do centro de trauma e emergência, com uma habilidade e empatia destacáveis. Sua presença era marcante e, ao longo dos anos, ela se tornou a melhor amiga de Carly.
Ela pediu para a amiga se dirigir à ala pediátrica. Ao entrar no quarto 202, o coração de Carly deu um solavanco: o homem do jaleco colorido estava lá, de pé, bem na sua frente. Outra vez. Seus olhos se encontraram e o tempo pareceu parar.
— Amiga, você ouviu o que eu disse? — a voz firme de Deise a trouxe de volta, quebrando o feitiço do momento.
— Sim, me desculpe. Fiquei um pouco distraída. Pode repetir? — Carly pediu, ainda atordoada.
Deise cruzou os braços, analisando aquilo com um olhar clínico, mas com um sarcasmo evidente nos lábios.
— O que foi que você viu aí, hein? Ah, deixa pra lá. Aquele ali é o novo pediatra — Deise lançou a isca, com um sorriso malicioso. — Ele é um talento raro, e não estou falando só do currículo, se é que me entende. Por acaso, vai entrar na fila de pretendente?— O quê?! Por favor! — Carly resmungou, fingindo indignação, mas sem esconder um risinho. — Infelizmente, a fila deve estar enorme. Acho que ele não faz o meu tipo.
As duas trocaram um olhar cúmplice e seguiram em frente, tentando conter as risadas.
— Até parece! Como se eu não reconhecesse. — Provocou, beliscando o braço da amiga.
— Para! Você tá me fazendo passar vergonha, Deise.— Relaxa, doutora. Vamos lá, vou te apresentar oficialmente para ele. E se der tudo certo ainda vou te ajudar. Vocês podem trabalhar juntinhos.O nervosismo tomou conta, misturado com uma estranha empolgação. Carly sabia que precisava manter o foco. Não podia parecer impressionada, ou pior, despreparada.— Oi, sou o Dr. Pedro Castello. Mas dispense as formalidades. — Ele se apresentou, estendendo a mão com um sorriso amigável.— Carly, prazer. — Ela respondeu, dando um sorriso sutil, ao tentar controlar o impulso de olhar para a mão dele.
Ela fez isso para certificar que ele não era comprometido. O toque foi breve, mas diferente de qualquer outro, causando um efeito diferente do habitual. Ela reparou novamente naquele sorriso, sentindo uma conexão inesperada. Um sorriso escapou, mesmo sem permissão. Após, seguiram quietos as instruções de Deise. Ao final do expediente, a curiosidade falou mais alto. Procurou o nome dele nas redes sociais, mas o perfil da conta era privado.
— Tô parecendo uma stalker — murmurou, sozinha.
Mais tarde, Deise compartilhou o que sabia: Pedro havia estudado em outros países, era fluente em três idiomas, tinha diversas publicações científicas e participava de projetos sociais. Ele era academicamente brilhante. E parecia inalcançável.
— Como eu vou conquistar um homem desses? — Carly suspirou, meio em tom de brincadeira, meio em desespero real.
Mas o que mais a intrigou foi a postura reservada diante dela, enquanto parecia extrovertido, descontraído para os outros. Um verdadeiro encantador com aquela pitada de charme. Educado, mas… ao mesmo tempo distante.
Com o passar dos dias, trabalhando lado a lado, ela tentou se conectar mais. Ele parecia indiferente. Nada de conversas paralelas ou trocas significativas. Às vezes a tratava com indiferença, não lhe dava muita atenção. Mas, como se não bastasse, ele tinha um trabalho impecável.
Ao lado dos pacientes ele tinha leveza. Um tanto brincalhão. Cativante. As crianças confiavam nele e o amavam. Ele conseguia ser acolhedor. Mas ela só pensava em como um cara tão carismático conseguia ser frio com ela.
Carly entrou no banheiro e, diante do espelho, lavou o rosto. Enquanto a água escorria, o reflexo devolvia a imagem de uma mulher com um rabo de cavalo alinhado e uma pele sedosa. Os olhos de um azul-celeste profundo e a postura completava uma beleza inegável. Vendo-se assim, ela murmurou:
— Ele realmente não percebe ou finge que não vê?
Ela ficou paralisada. Aquele sentimento por Pedro era novo e a consumia, e ela não queria arriscar se machucar outra vez. Aquilo parecia uma distração para sua rotina. Era melhor fugir e esquecer ele. Com o turbilhão de emoções, ela foi direto até a sala da Dra. Deise.
— Amiga, tem uma coisa estranha acontecendo... — ela confessou, com a voz embargada.
Deise a acalmou, pedindo para que respirasse fundo. Depois ouviu o desabafo e sugeriu algumas saídas, mas a ideia de Carly já estava formada:
— Acho que a única forma é eu mudar de turno, o que acha?
— Tem certeza? Você gosta tanto da traumatologia infantil... — A amiga perguntou, surpresa.
No entanto, ela estava decidida.
Dias depois, ela fez o pedido formal para trabalhar exclusivamente durante o dia, no setor de Fisioterapia Traumato-Ortopédica. O caminho escolhido, embora difícil, era o único que a faria ficar longe de distrações, que ameaçavam invadir seu coração.
Ela manteve a distância, evitando cruzar com ele nos corredores por meses. A rotina de fuga era quase de uma segunda natureza, até que, em um dia comum, precisou cobrir o turno de uma colega da emergência. O trajeto a obrigou a passar pela pediatria. O que ela não esperava era que, no meio do corredor, alguém interrompesse sua passagem.
— Carly! Quanto tempo... Não me diga que está se escondendo de mim? — A voz familiar surgiu, em tom descontraído, enquanto ele digitava algo em seu tablet.Ela notou as crianças que o cercavam, eufóricas.
— Ebá! O Dr. P chegou! Vamos mostrar os desenhos! — Uma delas exclamou.
Carly revirou os olhos, murmurando para si mesma:— Dr. Pê… só se for P de pedra. Aff...
Então se afastou, mal-humorada.
Minutos depois, Pedro surge atrás dela, com um sorriso irônico.
— Doutora, você escapou de novo? Está me saindo uma bela companheira, hein?
— Por acaso o que deu em você? Quem pensa que é? — Ela disparou, a voz cheia de exasperação. — Eu tenho sentimentos... quer dizer, compromissos. Horários!
Pedro arqueou uma sobrancelha, sem se abalar.
— Não tenho tempo para dramas, mas você está em dívida comigo, doutora — ele resmungou, e completou para si mesmo, com um sorriso de canto: — Mulheres... são complicadas. — Se virou e foi embora.
— Que grosso! — Murmurou, sentindo o sangue ferver. — Como eu não percebi que ele era assim antes?
Após o expediente, ela comprou um café e seguiu para casa, a perturbação ainda a acompanhando. Ao chegar, o lugar parecia vazio. Passou direto para o quarto, jogou-se na cama macia, fitou o teto e soltou um suspiro profundo. A raiva havia dado lugar à reflexão. Por que a ousadia de Pedro a incomodava tanto, e por que, ao mesmo tempo, despertava algo novo?
O príncipe tinha virado sapo. Mesmo assim, no momento, Carly não sabia se queria fugir ou correr para perto dele. A única coisa que tinha certeza: Pedro havia grudado como chiclete em sua mente, mais do que gostaria de admitir.
Suas mãos ainda tremiam quando folheava as anotações deixadas pelo homem que procurava. Carly estivera sentada por horas na sala, em frente à lareira apagada, com Monteiro ao lado, os dois cercados por papéis, fotos antigas e um nome que atravessava a história da família, como uma rachadura antiga no vidro — visível, mas até então ignorada.— Jonas nunca soube que meu irmão estava vivo. — Ela murmurou, a voz embargada. — Mas me vigiava o tempo todo!— Provavelmente ele considerava que você era a filha... Se era mesmo ele... mas também tem esse seu irmão, que ninguém sabe. — Monteiro completou. Ela assentiu, respirando fundo.— Pena que nem tive a oportunidade de conhecer ele. — Mas você está viva, Carly. Livre. E diferente de antes: agora sabe a verdade. — Ele apertou levemente sua mão em cumplicidade.Dias depois...O evento anual do Hospital El Dourado havia sido preparado com esmero. O auditório reservado para a cerimônia exalava sofisticação. Cortinas longas e douradas emoldurav
A noite chegava ao fim quando Carly desceu do carro em direção à casa. O receio ainda a acompanhava como uma sombra, os passos eram mais firmes, mas o coração ainda vacilante. Ao subir os degraus da varanda, olhou para os lados, receosa de qualquer sinal estranho. Por precaução, ela pediu para que Monteiro permanecesse mais uma vez. E ele não hesitou. Sabia que naquele momento ela precisava de apoio, se sentir segura.A madrugada passou arrastada. Após horas se revirando entre os lençóis, com o pensamento fervilhando. A casa estava mergulhada na penumbra. Então, ela se levantou em silêncio, em passos leves seguiu até a sala. Monteiro dormia profundamente encolhido no sofá, o lençol havia caído no chão, seus braços cruzados sobre o peito. A luz suave da aurora atravessava a cortina branca, que tocava o seu rosto com ternura, revelando o cansaço misturado à devoção de quem se recusava a ir embora.Carly se aproximou, pegou o lençol e sentou-se no tapete felpudo, recostando-se ao sofá c
A noite anterior não saía da sua cabeça: a voz vibrante ao telefone, a ameaça velada, uma crise antiga que pensava ter cessado estava voltando à superfície. Monteiro passara a madrugada em sua casa, deitado ao seu lado no sofá, escutando suas lembranças, montando as peças daquele quebra-cabeça. Quando o sol finalmente raiou, ele ainda estava ali. Cochilara na poltrona, enquanto Carly tentava dormir no quarto, mas apenas se revirava entre os lençóis. O relógio marcava 08h50 da manhã, quando o som do interfone quebrou o silêncio da casa.Ela atendeu com hesitação.— Entrega para Carline.Então saiu, desconfiada, com Monteiro vindo logo atrás.Ao abrir o portão, um entregador, sorridente, lhe deu uma pequena caixa envolvida em papel kraft. Não havia remetente. Apenas seu nome e o endereço. De volta à sala, ela abriu aquilo com cuidado. Dentro, havia uma foto antiga com uma data no verso, era ela criança brincando no parque com um garoto ao lado fantasiado. Junto, havia um bilhete: "Você
A igreja sempre foi um refúgio para Pedro. Mas naquela noite, sentar-se ali lhe trouxe mais inquietação que consolo. O templo, apesar de cheio, soava vazio para ele. As palavras do culto ecoavam como em outro idioma — distantes, abafadas por uma camada de dor e culpa.Afastado dos cargos pela confissão… Agora tinha tempo para refletir sobre tudo e perceber os olhares, por ser um rosto conhecido demais para passar despercebido. Um nome falado em voz baixa nos corredores.Mesmo sem confirmações, os olhares diziam mais do que qualquer boato. Os abraços se tornaram acenos. Os amigos mais próximos evitavam conversas. E ele, por sua vez, escolhia os cantos. Preferia o anonimato de quem um dia já fora referência.Naquela noite, ele sentou-se mais ao fundo. Sua mãe o chamou para perto, mas ele não quis saber. Fechou os olhos enquanto o louvor se iniciava. Tentava focar no essencial: buscar a Deus. Ainda que tudo ao redor tivesse mudado, Ele permanecia.Quando os olhos de Pedro abriram novamen
A tarde mal tinha se ajeitado sob o céu, e a tensão pairava na casa. Pedro ainda estava sentado no sofá, a cabeça pendendo para frente, tentando assimilar a conversa que acabara de ter com sua mãe. Helena, por sua vez, estava fazendo o almoço nervosamente pela cozinha, soltando suspiros tensos. Aquele momento de reflexão só foi quebrado pelo barulho da porta da frente, se abrindo devagar.Gustavo, o irmão mais velho, entrou. Estava chegando de uma longa viagem e preferiu entrar discretamente, sem fazer alarde. Carregava a mesma imponência de sempre, aquele jeito meio irônico, de quem sabia mais do que dizia, e criticava mais do que agia.Antes, ele tinha parado na área, ouvindo a conversa entre a mãe e o irmão. Escutou quando Pedro disse que iria embora, recomeçar a vida. Então, não conseguiu se conter. Entrou batendo palmas, devagar, com um sorr
O sol da tarde dourava o campo onde acontecia o campeonato amador da escola. Guilbert, focado sob as traves, era o goleiro de seu time. Vestia o uniforme azul-marinho com orgulho, suado e marcado pelas defesas espetaculares que vinha fazendo.A final estava eletrizante, com gritos da torcida ecoando das arquibancadas ao redor do campo. Cada lance era uma verdadeira batalha física e emocional. Gui mantinha os olhos cravados na bola, pronto para reagir a qualquer movimento. Nos minutos finais, o adversário arriscou um chute potente. Mas, o goleiro se lançou no ar e espalmou a bola para o lado, salvando o jogo. O apito final soou, e o time da Manancial comemorou, correndo e se abraçando de pura alegria.— Êh, campeões! Campeões! — Gritaram em coro, levantando os braços.Mas nem todos aceitaram a derrota com esportividade. Jogadores do time adversário se aproximaram com olhares carregados de ameaça. Primeiro vieram os insultos velados, provocações sutis. Depois, como um barril de pólvora,
Último capítulo