Dois mundos, duas histórias

Para Pedro, o funeral do seu pai foi um dos momentos mais difíceis que ele enfrentou na vida. O homem que lhe ensinou tudo sobre fé, caráter e determinação, agora partia, deixando um vazio impossível de preencher. Durante a cerimônia, sua mãe estava inconsolável, e Pedro tentava ser forte por ela. Mas, no fundo, ele também estava destruído.

Entre os rostos conhecidos que vieram prestar condolências, um, em especial, chamou sua atenção. Ele avistou de longe um homem alto, de terno impecável, óculos escuros e expressão séria, que desceu de um carro preto e vinha caminhando na direção deles. Pedro não precisava de formalidades. Ele reconheceria seu irmão mais velho em qualquer lugar.

— Guto… — murmurou Pedro, engolindo a seco, surpreso.

Gustavo Filho, ou Guto, como era chamado pelos mais íntimos e a família, ele morava em Nova York há anos. Advogado criminal, levava uma vida intensa e raramente vinha ao Brasil. Pedro mal se lembrava da última vez que o viu pessoalmente. O irmão retirou os óculos, revelando olhos cansados, mas firmes. Ele olhou diretamente para Pedro antes de dar um breve abraço em sua mãe.

— Sinto muito mãe, perdão. Eu vim assim que soube. — Guto, expressava um semblante de cansaço e tristeza ao ver o cachão.

Ela apenas assentiu o observando, sem forças para dizer nada.

Pedro e Guto trocaram um olhar tenso. Não havia ressentimento, apenas uma estranha formalidade entre eles.

— Faz tempo… — Pedro comentou.

— Sim, muito mesmo. Lamento não ser tão presente, mas você também... O papai foi me visitar, almoçamos juntos mês passado.

— É, que bom... — Pedro suspirou fundo, pensativo. Nenhum dos dois sabia o que dizer. O silêncio entre eles parecia mais alto do que qualquer palavra.

A cerimônia continuou, e Pedro se manteve firme até o final. Mas, quando tudo acabou e as pessoas começaram a se dispersar, ele sentiu o peso da realidade sobre seus ombros. Seu pai se fora. E nada traria ele de volta. Era uma situação insuportável.

Enquanto tentava lidar com a inquietação dolorosa que vivia, Carmen enfrentava seus próprios fantasmas. Mesmo relutante, ela foi ao funeral com Deise e Gael, prestaram suas condolências ao amigo e familiares. Aproveitou o momento para visitar o túmulo da sua mãe. Coincidentemente, aquele era o mesmo cemitério em que fora enterrada.

Envolta no silêncio, sentou-se na grama ainda úmida, distante dos demais, olhando para pequena imagem da sua mãe, um sorriso reluzente. Estava dispersa, quando uma voz ecoou atrás dela, parecia um tanto familiar. Mas, não lembrava exatamente quem poderia ser.

— Carline?

Ela congelou. "Carline!" Apenas quem a conheceu no passado a chamava assim, pelo nome original. Ela virou-se devagar e sentiu o coração disparar. Não conseguia acreditar que depois de tanto tempo estaria diante dela, a revendo. A última vez, era apenas uma garotinha de cabelos ondulados, escuros e um olhar bem curioso. Agora, já era uma jovem à sua frente. "Só podia ser ela", pensava. Eram aqueles mesmos olhos claros, expressivos, sorriso que salientava covinhas, mas com um toque de mulher feita, que Carly desconhecia.

— Serina, é você mesma?! — Perguntou, a observando com atenção. 

Mal podia acreditar que sua irmã estava diante dela, novamente.

— Sim, sou eu mesma. — Sorriu, emocionada. — Pensei que não iria me reconhecer.

Carly levantou-se apressadamente e abraçou a outra com força, como se temesse que, se soltasse, a irmã fosse desaparecer.

— O que aconteceu? Por que você está aqui? — Ela tentava encontrar palavras, mas sua mente estava um caos.

— Eu vim para o funeral do professor Castello, então lembrei que a mamãe estava enterrada nesse lugar e só vim. — Ela fez uma pausa, atentando-se para a expressão confusa da irmã. — Quem diria... que finalmente te encontraria. Aliás, te procurei por um tempão. 

Serina sorriu com ternura, desviando o olhar para a lápide da mãe, escrita:

*Elyssa Nissin Ramires* (1967-2012).

— Nossa... espera aí, que coincidência é essa? Eu também vim por causa desse funeral! Na verdade, pelo filho do professor, nós trabalhamos juntos. Só que não tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente.

— Isso pode ser algo inusitado, mas creio que seja uma provisão para nos reconectar.

Carly sentou-se novamente na grama, escorando o seu corpo em uma lápide próxima, enquanto Serina tentava assimilar aquilo.

— Mas, me conta, como você conhecia esse professor?

— Ele era meu professor na oratória e hermenêutica. Era um professor incrível, um ótimo conselheiro. A forma que se expressava, o jeito contagiante. Nem acredito que ele se foi... vamos sentir tanta falta. Serina falou com um olhar distante e tristonho.

— Não fique triste, irmãzinha. Pense pelo lado positivo. Ele está em um lugar melhor. E graças a ele, tivemos essa oportunidade de nos rever. Agora, você pode contar comigo. Vamos estar juntas!

— Ah! Mas, você foi uma péssima irmã, nunca, nem se quer, me procurou! Sempre soube onde me encontrar, mas nunca foi atrás de mim.

Carly assentiu, ainda sem acreditar. O passado parecia voltar, de um jeito que ela não conseguia compreender.

— Também, depois de tudo que aconteceu. Eu fiquei traumatizada, nunca tive coragem de retornar, ainda é doloroso para mim, sabia? Me desculpa... eu tentei te procurar nas redes sociais, mas não encontrei você.

Serina olhou, outra vez, atentamente para irmã. Um olhar de culpa, comprimindo os lábios.

— Eu não tenho essas coisas! Eu não gosto de me expor desse jeito.

— Ah tá! Que tipo de jovem da sua idade hoje em dia não utiliza? Só falta me dizer que ainda é...

— Não me julgue, tá? Não tenho culpa, sabe que escolhi permanecer com o papai. — Murmurou, mudando de assunto. — Se quiser, tenho e-mail e você pode pegar meu número pessoal. 

Então, ela pegou o celular que estava na bolsa, repassando para a irmã adicionar o contato.

— Desculpa por isso, mas agora me conta... por que você continua morando com ele?

— Não, ele comprou uma fazenda e foi morar em Rio Frontal. Ele se separou daquela mulher, anos depois que você partiu. E eu, depois que cresci, voltei para cá, e estou na nossa casa. Você é uma ingrata, nunca apareceu pela vizinhança, nunca teve a curiosidade de ir ver se eu estava por lá.

— Já te expliquei, você já não é nenhuma criança deve saber, mas agora que você é "grandinha" posso te contar a minha versão, sem censuras.

— Hum, até parece! Olha só esse chão que você está sentada à vontade. Daí vem me dizer que tem medo de algo que ficou no passado? Se liberta disso. — Disse, após um suspiro, para o céu nublado.

A outra, incomodada, cruzou os braços como uma forma de protesto.

— Claro! Por que eu teria medo dos que já se foram? Os que estão enterrados não podem fazer mais nada. Talvez estejam em um lugar melhor do que a gente. 

Carly pôs-se em pé, limpando a calça pantalona escura. Enquanto, via Serina sair disparada, sem dizer uma palavra. O grito de Carly ecoou pelo cemitério, chamando a irmã de covarde. Ela retrucou com um sorriso maquiavélico, ao ver os pássaros que se espantaram ao seu grito, "ainda bem que salvei o seu número, querida!"

Naquela noite, Pedro e Carly estavam mergulhados em emoções intensas e culpas esmagadoras, cada um em sua própria batalha. Pedro, encarando o retorno do irmão que se tornou como um estranho. No paralelo, Carly tentava entender a inusitada coincidência de ter reencontrado sua irmã por algo em comum, mais que isso, procurava coragem para ser uma irmã exemplar. Não queria que brigas atrapalhassem seu relacionamento.

Enquanto a cidade seguia sua rotina, dois mundos se preparavam para colidir a qualquer instante.

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