Mundo ficciónIniciar sesiónPedro conversava em frente à igreja com seu pai. O sentimento de paz daquele lugar era sempre bem-vindo, mas os últimos dias não foram fáceis. Havia algo recluso dentro dele, uma inquietação que não conseguia decifrar. O desabafo veio, e o pai, na tentativa de aliviar a situação, soltou uma piada boba. A conversa foi interrompida pelo irmão, então ele se despediu para ir embora.
Enquanto seguia ao estacionamento, seu olhar foi atraído por uma lanchonete na esquina. Lá estava ela. Sozinha, distraída no celular, com um copo de milk-shake. Naquele instante, os olhos de Pedro se paralisaram naquela imagem, e tudo ao seu redor pareceu sumir.
A lembrança da primeira vez que a viu surgiu repentinamente. Os olhos de Carly, de uma tonalidade clara e expressiva, fixaram-se em sua mente. O seu sorriso, radiante e, ao mesmo tempo, tímido, era cativante. Os lábios delicados e a postura de autoridade que ela mantinha o intrigava. Desde o primeiro momento, ele sentiu uma sintonia, uma conexão que o fez pensar que uma mulher como aquela era impossível de conquistar. Por isso, com medo de ser indelicado, evitou perguntas e a tentou tratar com o máximo de respeito.
A lembrança, antes tão doce, agora o frustrava. Sem aviso algum, ela simplesmente se afastou, e ele nem sequer sabia se havia feito algo de errado. Mas aquela era a oportunidade para descobrir. Por um momento hesitou.
“Será que devo ir até ela? Ou será melhor ignorar?”
A dúvida o fez andar de um lado para o outro em frente ao carro. Enquanto alguns conhecidos passavam e o cumprimentavam, ele assentiu, tentando disfarçar a inquietação do momento. Antes, a parceria de trabalho era tão cordial. E, de repente, não quis mais saber dele, simplesmente se afastou sem se despedir. Aquilo era algo que o incomodava.
No momento em que a viu, a lanchonete se transformou em um ímã irresistível. Aquela era a oportunidade perfeita, a chance de ouro para tirar a história a limpo. Ele respirou fundo, sentindo a coragem se inflamar em seu peito, e atravessou a rua. Cada passo em direção à mesa era uma luta. Ele tentava assumir uma postura descontraída e casual, mas por dentro o nervosismo tomava conta.
— Boa noite, doutora! Que coincidência te encontrar por aqui. — Pedro puxou a cadeira e se sentou, sem esperar por um convite.
Carly ergueu os olhos, ligeiramente surpresa.
— Boa noite, doutor... pois é, não esperava. — Ela expressou, dando uma mordida no sanduíche. — Principalmente assim… todo elegante. Acho que você errou de endereço.
— Estava na igreja e resolvi passar para comer algo.
— Hum... Quer dizer que é um crente?! — Carly murmurou, com um tom de contestação.
Pedro arqueou uma sobrancelha, curioso.
— Qual a surpresa? Pensei que soubesse.
Carly balançou a cabeça, evitando o assunto.
— Relaxa. Só não imaginava... sei lá, nunca pensei nisso. Posso me surpreender, né?
Pedro reagiu com sorriu sem graça.
— Agora fiquei curioso. Algum problema com isso?
— Não, nada de mais. — Ela respondeu, desviando o olhar.
— Ah, não… tem certeza? — Perguntou, inclinando-se levemente para ela. — A propósito, estávamos nos dando tão bem... e, do nada, você me abandonou! Fiquei triste, Gael disse que você não queria mais trabalhar comigo. Achei muito cruel, sabia? Você simplesmente me largou.
Carly suspirou e se levantou, pedindo a conta.
— Sinto muito, doutor. Não foi a minha intenção, pode ter certeza... mas talvez você não entendesse. — Ela hesitou, com um sorriso forçado. — Agora tenho que ir. Boa noite!
Então, ela saiu apressada, o deixando outra vez desapontado.
— Ela é um mistério. — Resmungou para si, enquanto a observava desaparecer pela rua, remoendo a sensação incômoda de que Carly estava fugindo dele. — Mas por que ela faz isso? Desse jeito vai me enlouquecer.
Mais tarde, já em casa, os pensamentos dele se intensificaram. Pedro não queria ficar com pendências. Deitou-se, mas o sono não veio, e ele se levantou, caminhando até a varanda. O céu, sem estrelas, parecia refletir seu próprio estado interior. O silêncio o envolvia, mas sua mente não se calava.
Fechou os olhos e, em voz baixa, orou:
— Meu Deus… confesso que essa situação é confusa. Estou precisando ter discernimento sobre o que está acontecendo. Esses pensamentos estão consumindo o meu ser. Não sei qual foi o mal-entendido entre mim e Carly, mas preciso que me ajude a entender. Quero ser alguém melhor, sem contendas, sem ferir ninguém. Se eu fiz algo que a magoou, me revele… e que o amor seja liberado entre nós. Que a Tua vontade prevaleça. Amém!
Alguns minutos depois, ele se recostou no travesseiro. Finalmente, o sono veio, trazendo a paz que ele tanto procurava.
O dia estava agradável e logo cedo, quando ele acordou, foi correr pela orla da praia, que ficava à quase três quilômetros do seu prédio. O vento frio cortava seu rosto enquanto os passos ganhavam ritmo na areia úmida. Após o treino, sentou-se de frente para o mar, bebendo um pouco de água ao contemplar o horizonte.
Mas, por algum motivo, ele se pegou pensando em Carly: “como pode ter se afastado sem motivos? Por que isso tá me afetando tanto?”
— Pedro? — A voz o tirou do devaneio.
Quando olhou para frente, lá estava ela. Por um instante, ele ficou sem reação, coçando os olhos como se duvidasse do que via. Em seguida, sorriu, tentando quebrar o gelo.
— Que honra te ver por aqui. Acho que você foi enviada por Deus… — Ele disse, com um sorriso sugestivo. — Estava pensando em você agora mesmo.
Ela riu, sem graça, sentando-se ao lado dele.
— Hum… devo me preocupar com isso, doutor? — Ela perguntou, com um sorriso de canto. — Deus me trouxe até você, tem certeza? Que milagre! Isso não é um pouco… egoísta?
Pedro percebeu a provocação, mas não recuou. Ele deu um sorriso tenso e, sem desviar o olhar, a encarou.
— Não acredito, Carly! Você tem algum problema com Ele? Eu sempre converso com Deus. — Ele provocou, a voz baixa e séria. — Diga a verdade… foi por isso que se afastou? É por isso que tem me evitado? Tem preconceito porque sigo o cristianismo?
Ele respirou fundo, a tensão desaparecendo de sua expressão.
— Olha, se eu te magoei com algo que falei ou fiz, quero pedir desculpas. Mas, para mim, te encontrar aqui foi uma resposta de oração. Porque eu te achei incrível, e a gente formava uma dupla e tanto.
Carly permaneceu em silêncio por um longo momento, completamente desconcertada. Jamais imaginou que sua fuga silenciosa pudesse causar um impacto tão grande.
— Obrigada… de verdade. Mas não precisa se desculpar — ela murmurou, a voz embargada. — O problema sou eu. A situação saiu do controle porque eu... eu estava confusa. Fugi antes de pensar nas consequências. Sinceramente, acho que… talvez seja melhor continuar assim e evitar qualquer desentendimento.
Pedro soltou uma risada, genuinamente confuso com a situação.
— Tá... mas por quê?
A irritação de Carly foi imediata.
— Ah, parece que você é lerdo, hein? — Ela resmungou, se levantando de imediato.
Pedro, não conseguia parar de rir. Mas era de nervoso.
— É sério! Para de rir que isso não tem graça.
— Quer que eu faça o quê? Você me deixa confuso… não me explica nada e quer que eu adivinhe? — Ele gesticulou, exasperado, tentando se controlar. — Ah, mas infelizmente eu nem sei fazer isso. E também "os adivinhos não herdarão o reino dos céus."
Ele a provocou com um olhar sugestivo.
— Tá vendo só porque não posso mais trabalhar com você? — Ela disparou. — Não consigo te levar a sério! Você passou de príncipe a sapo. Precisa parar de ser bobo e começar a agir como homem. Porque, assim... não dá para ter uma conversa decente e sincera.
Ele permaneceu em silêncio, observando-a.
Com um suspiro carregado de indignação, Carly tirou os óculos e a roupa de cima, jogando-os na areia sem o menor cuidado. Sem lhe devolver o olhar, ela caminhou para a água.
As ondas batiam na cintura dela, subindo a cada passo, e ele não conseguia desviar o olhar. O sorriso que surgiu em seus lábios não era de deboche, mas de pura admiração.
— Quem diria... Brava e ainda assim, tão linda. — Ele murmurou para si, a voz rouca. O olhar dele desceu, capturado pelas curvas que o mar delineava. — E que corpo... é simplesmente esculpido. Acho que estou apaixonado por essa mulher.
A ironia da situação o atingiu em cheio. Ele, que acabara de ser chamado de bobo, estava ali, a ponto de admitir-se apaixonado.
Perto de Carly, seu comportamento era inusitado. Tentava impressionar, mas acabava agindo de forma patética. Mas o que ela não entendia é que ele também só queria uma chance de conquistá-la.







