O corredor do prédio de Literatura parecia mais silencioso do que de costume naquela manhã. Cada passo de Sarah Hastings ecoava sobre o piso de mármore claro, como se o som insistisse em lembrá-la de que estava atrasada — e nervosa.
O relógio marcava dez horas em ponto quando ela alcançou a porta do auditório. Parou por um instante, ajeitou a blusa de seda cor creme e respirou fundo antes de empurrar a maçaneta.
A sala estava em meia-luz. Persianas parcialmente abaixadas deixavam entrar faixas de sol que cortavam o ar carregado de perfume amadeirado e café recém-feito.
O homem à frente da classe falava pausadamente, como quem saboreia cada palavra.
— “O erotismo”, — dizia, com voz grave e calma — “é a arte de sugerir o que o corpo teme revelar. É o limite entre o desejo e o silêncio.”
Sarah congelou.
O professor se virou.
Dr. Thomas Walsh.
O nome que a tinha atraído ao curso de extensão em Erotismo e censura na Arte Contemporânea. Um homem de reputação impecável — e rumores igualmente intensos.
Ele a observou por um momento que pareceu longo demais. Depois, com um leve gesto, indicou a cadeira vaga na primeira fileira.
Sarah caminhou até lá tentando ignorar o calor subindo pelo pescoço. Sentou-se, abrindo o caderno, mas suas mãos tremiam ligeiramente.
— Senhorita Hastings, presumo? — perguntou ele, sem olhar as anotações.
— Sim, senhor.
— Seja bem-vinda. Aqui, pontualidade é uma forma de disciplina estética.
A voz dele tinha textura — firme, elegante, quase hipnótica.
Thomas voltou-se à turma e escreveu no quadro uma única palavra: DESEJO.
O giz riscou o silêncio como uma confissão.
— Todos acham que o desejo nasce da carne — continuou ele —, mas, na verdade, nasce da mente. E é lá que mora o perigo.
Enquanto ele falava, Sarah sentia o ar mudar. O modo como os alunos o observavam era quase devoto. Havia algo na postura dele — o terno perfeitamente ajustado, o olhar preciso, o controle absoluto — que impunha respeito e despertava curiosidade em igual medida.
No fundo da sala, Olivia Ward, a assistente, observava tudo. Uma mulher de quarenta anos, cabelos ruivos presos num coque e um sorriso que não revelava intenções. Quando os olhos dela cruzaram com os de Sarah, houve algo como um aviso — uma chama breve de possessividade.
— Vamos começar com um exercício simples — anunciou Thomas. — Escrevam uma lembrança que nunca contaram a ninguém. Algo que os fez sentir… vivos.
Canetas deslizaram. O som seco sobre o papel pareceu amplificar cada batida do coração de Sarah.
Ela hesitou. Não havia nada que quisesse confessar, e ainda assim, queria impressioná-lo.
“Uma lembrança que me fez sentir viva…”
Fechou os olhos e escreveu, quase sem pensar:
“O instante em que toquei algo proibido — e ele não me afastou.”
Quando ergueu a cabeça, Thomas estava olhando para ela.
Os olhos dele percorreram sua expressão como quem lê uma página aberta.
— Interessante, senhorita Hastings. — A voz dele era um murmúrio de veludo. — A arte começa quando encontramos prazer em desafiar limites.
Ele recolheu os papéis e se aproximou, andando devagar pela fileira. O perfume dele — cedro e fumaça — pareceu cercá-la.
Parou ao seu lado e colocou a folha dela sobre a mesa.
— Este curso é sobre limites, mas também sobre escolha. — As palavras vieram próximas demais. — Está pronta para aprender o que o desejo realmente significa?
Sarah sentiu o ar rarefeito. Quis responder, mas as palavras se perderam.
Thomas sorriu, imperceptível.
— A primeira lição — disse ele, recolhendo os papéis — é saber quando permanecer em silêncio.
A campainha soou, quebrando o feitiço. Os alunos começaram a sair, mas Sarah permaneceu ali, tentando entender o que acabara de acontecer.
Olivia se aproximou, inclinando-se levemente.
— Cuidado, querida. — O tom era doce, mas o olhar, frio. — O professor não costuma repetir lições duas vezes.
Sarah pegou a bolsa, o coração acelerado.
Antes de sair, lançou um último olhar ao quadro.
A palavra DESEJO ainda estava escrita — agora riscada com um traço firme, como se fosse uma marca de posse.
E foi então que percebeu o bilhete sob seu caderno:
“Leia Baudelaire. Amanhã, traga algo que o poema O Veneno lhe faça sentir. — T.”
O papel tinha o perfume dele.
E a sensação de que acabara de ser escolhida — ou marcada — não a deixaria dormir naquela noite.
O bilhete, o perfume, o primeiro convite para cruzar o limite.