Os dias seguiram com o mesmo ritmo preguiçoso de domingo. Isadora se acostumou com o silêncio que agora preenchia sua casa, mas algo nela começava a se mexer, uma inquietação que ela não conseguia explicar. Algo havia mudado desde aquele olhar. O peso da conexão, invisível e ao mesmo tempo presente, não a deixava em paz.
Ela acordou naquela manhã com uma sensação diferente. Como se estivesse à beira de algo, mas não soubesse o quê. Acordou sem pressa, com o café esfriando na xícara antes mesmo de ela tocá-lo. Seus pensamentos estavam mais dispersos, mais pesados. Algo dentro dela pedia para ser ouvido. Ao olhar pela janela, ela o viu novamente. Ele estava lá, no parapeito da janela, com as telas de pintura ao seu redor. O homem do prédio vizinho. Cael. A luz suave do apartamento dele parecia um farol, atraindo o olhar dela como se fosse inevitável. Ele estava mais uma vez a observar, não de forma direta, mas de um modo que parecia compreender cada pedaço de sua solidão. Cada pedacinho daquelas camadas de dor que ela se forçava a carregar. Ela não sabia por que, mas seu corpo se moveu em direção à janela. Sem querer, sem planejar, ela se viu olhando para ele novamente, sentindo a mesma sensação que a tomara na manhã anterior – aquela sensação de ser vista, de ser compreendida sem palavras. Cael percebeu. Claro que percebeu. E, ao contrário da última vez, ele não se afastou. Em vez disso, ele se inclinou ligeiramente para frente, como se quisesse ultrapassar a distância invisível que os separava. Ele a viu de novo, e dessa vez, algo mudou. Ele não apenas a observava, mas a esperava, como se estivesse aguardando algo mais. Era um risco. Cael sabia disso. Não deveria se aproximar, não deveria se permitir ir além da linha que separa o celestial do humano. Mas, naquele instante, ele se deu conta de que já havia ultrapassado essa linha há muito tempo. Seu coração, se pudesse ser chamado de coração, pulsava mais forte a cada segundo que passava diante dela. Ele desejava mais do que a observação silenciosa. Ele queria tocá-la, mas sabia que havia uma linha invisível que ele não podia cruzar. Isadora sentiu o desconforto no peito. O que estava acontecendo com ela? Por que aquele olhar, aquele simples encontro, tinha a afetado de uma maneira tão intensa? O medo de que ele a visse como ela realmente era a paralisava. E, no entanto, algo em seu interior desejava mais. Queria mais daquele reconhecimento, mais daquela verdade no olhar dele. O que ela temia mais? Ser rejeitada por sua fragilidade ou descobrir que ele realmente a compreendia? Ela já estava acostumada com a indiferença do mundo. O silêncio das pessoas ao redor, o olhar ausente de quem a via, mas não a tocava. Mas Cael não era como os outros. Ele a via. Ele queria vê-la por inteiro, com suas sombras e luzes. E, por mais que ela quisesse afastar esse pensamento, algo dentro dela sabia que ele havia tocado algo fundamental. Algo que não poderia mais ser ignorado. Naquela manhã, como que atraída por uma força maior, Isadora tomou uma decisão impulsiva. Ela colocou a xícara de café na mesa, vestiu o casaco e saiu de casa sem um destino claro, apenas um impulso. Sua mente estava turva, mas seu corpo parecia já saber o que queria fazer. Caminhou sem pressa pelas ruas do bairro, sem saber se procurava por ele ou por si mesma. As ruas estavam tranquilas, quase como se o mundo ao seu redor estivesse aguardando o momento de mudança. Ela sentia o cheiro da terra molhada, o som suave de suas botas batendo no chão. À medida que se aproximava do prédio dele, o coração acelerou. Ela sabia o que estava fazendo, mas não sabia o que encontraria. Quando chegou ao portão do prédio, seu corpo hesitou. Algo a paralisou ali, no último passo. Mas a força daquele olhar, a promessa silenciosa de algo mais, a empurrou para frente. Ela subiu as escadas com a respiração apertada, a mente cheia de perguntas e medos. Quando chegou no topo, parou em frente à porta do apartamento dele, seu reflexo distorcido na janela. Sentiu o peso da decisão em suas mãos. Ela ficou ali por um momento, a dúvida a consumindo. Poderia realmente cruzar essa linha? Poderia realmente se permitir ser vista de maneira tão honesta e crua? As perguntas não paravam de surgir, mas ela as empurrou para longe, ao menos por um instante. A porta se abriu, e lá estava ele. Cael a olhou nos olhos, e o mundo pareceu parar. O ar ao redor deles estava carregado de algo inexplicável. Não houve palavras, não foi necessário. Ele a convidou para entrar com um simples movimento da mão, um gesto tão simples, mas que significava mais do que qualquer frase poderia expressar. Isadora hesitou, mas algo dentro dela cedeu. Ela não sabia o que aconteceria a seguir, mas sentia, no fundo, que algo em sua vida estava prestes a mudar para sempre. Ela entrou.