Isadora não se lembrava da última vez que alguém olhou para ela com verdade.
Não com curiosidade, julgamento ou piedade — mas com presença. Com alma.
A maioria das pessoas passava por ela como se fosse vidro. Invisível. Um reflexo borrado de quem um dia talvez tenha sido inteira.
Naquela manhã nublada de domingo, ela sentou-se na varanda com a xícara de chá favorita entre as mãos, envolta num cobertor cinza que, de certa forma, representava como ela se sentia por dentro: gasta, macia e um pouco esquecida.
Ela gostava de dias assim, em que o céu parecia de algodão e ninguém tinha pressa. Em que o silêncio da rua combinava com o que se passava dentro dela.
Foi então que viu a janela se abrir.
Do outro lado da rua, no prédio vizinho, um homem aparecia pela primeira vez. Alto, cabelos escuros bagunçados pelo vento, ele posicionava telas de pintura encostadas no parapeito. A luz do apartamento era quente, suave, e o cheiro de tinta e jasmim parecia atravessar a distância entre eles.
Isadora tentou não olhar. Tentou não sentir. Mas algo naquele instante suspendeu o tempo.
Ele virou o rosto devagar, como quem ouve um chamado mudo. E a viu.
Não foi um susto. Nem uma reação exagerada. Foi como se ele soubesse. Como se já esperasse por aquele olhar.
Ela, sem entender por quê, não conseguiu se mover.
Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se… vista.
Cael também sentiu.
Mesmo depois de anos de silêncio celestial, mesmo depois de tantas missões, havia algo nela que era diferente.
Frágil, sim. Ferida, sim. Mas com uma luz escondida que ainda pulsava.
Ele não devia se aproximar. Não devia cruzar aquela linha.
Mas anjos também têm vontades.
E ele havia escolhido vê-la. Mesmo que ela não visse a si mesma ainda…
O dia seguinte veio suave, como uma promessa de algo novo, embora Isadora soubesse que nada mudaria dentro dela. O céu ainda estava coberto por nuvens, como um cobertor protetor que envolvia a cidade. A chuva ameaçava, mas se segurava, como ela, esperando um momento de coragem. Ela acordou mais cedo do que o habitual, com o corpo pesado, como se a alma pedisse mais tempo para se encontrar com o próprio reflexo.
Sentou-se na cozinha, a xícara de chá em mãos, o calor do líquido confortando-a em meio ao vazio que se instalara em sua vida. O aroma doce de erva-doce se misturava ao silêncio, criando um espaço onde ela podia pensar sem pressa. Ela observava a luz fraca do dia que se infiltrava pela janela, como se o mundo lá fora não tivesse pressa para seguir.
Ela desejava algo, mas não sabia exatamente o quê. Algo que a fizesse sentir-se inteira novamente, como nos tempos em que o simples ato de existir tinha sentido. Algo além das camadas de cinza que pareciam cobrir sua vida. Talvez fosse aquela sensação de ser vista de verdade, como se alguém conseguisse penetrar nas camadas que ela cuidadosamente erguera ao longo dos anos.
Foi quando ela ouviu o som da janela vizinha se abrindo. Olhou para o prédio oposto, mas não era mais apenas o prédio. Era ele. O homem que ela tinha visto pela primeira vez no dia anterior. Agora, ele estava lá de novo, como se tivesse se materializado especialmente para aquele momento. Ele posicionava telas de pintura na janela, e a luz do apartamento dele era suave, quase como um convite para entrar em um outro mundo. O cheiro de tinta e jasmim parecia atravessar a distância, envolvendo-a em algo que ela não conseguia explicar.