MARIA AMARAL
Por longos segundos, que me parecem angustiantes horas, ele apenas me encara. Penso que vai desistir de vez diante do meu desabafo. Droga! Essa minha língua.
— E qual é o seu preço? — Quase suspiro de alivio quando ele pergunta.
— A chave desse lugar.
— Doce Maria, acho que está se valorizando demais ao pedir um imóvel pelo prazer de alguns momentos entre suas belas pernas.
— Não quero o seu imóvel, só a chave. Quero que seja meu refúgio também, onde eu possa me esconder do mundo quando quiser. — Ele abre a boca, mas me adianto. — Eu não mexeria em nada, deixaria tudo em seu lugar, só viria sozinha e sempre quando você não estivesse.
— Por que quer isso?
“Para ter mais chances de conquistar você”, penso. Mas respondo outra coisa.
— Quando algum futuro cliente fizer eu me sentir mal, pensei que poderia vir aqui e me recordar de hoje, o dia em que um homem lindo e poderoso me tratou como uma mulher e não como só uma boceta alugada.
Ele balança a cabeça negativamente.
— Realmente, você não nasceu para isso.
Sorrio pequeno.
— Aceita?
Ele balança a cabeça novamente, parece ponderar.
— Com uma condição. Não vamos transar.
Como assim?
— Não entendo — expresso minha confusão.
— Nem precisa. Agora vai tomar um banho. Você está fedida. — Aponta um corredor. — O banheiro fica na última porta.
Apenas sigo sua ordem. Discutir por que? Estou mesmo fedendo.
O espaço parece ser de um banheiro para visitas. Pelo menos acho que sim, imagino que no dele deve ter uma banheira e coisas mais pessoais.
Tiro a roupa, pensando no que fazer para voltar a vestir esse vestido sujo.
Passo pelo box e entro sob a água morna. Até meu cabelo entra no jogo. Fico feliz que não deixei Candy exagerar na maquiagem ou o desastre seria pior.
Me esfrego, incomodada com onde estou e o que estou fazendo. O que foi aquela sensação do toque dele em minha pele? Eu sou incapaz de sentir qualquer coisa além de nojo. Deveria ser assim... mas não senti nojo algum ao ver o peito nu desse homem.
— Só posso estar louca — resmungo.
— Algum problema? — me viro para a voz grave do outro lado do box. Quase grito de susto. De repente, estou muito consciente da minha nudez ao ouvir sua voz.
— Quando entrou?
— Agora. Pelo jeito estava distraída. Trouxe uma roupa. Use. Aqui não tem máquina para lavar seu vestido.
— Obriga... — O agradecimento vira um grito quando ele abre a porta do box de uma vez. Fico parada e queimando de vergonha enquanto seu olhar passeia por cada parte do meu corpo nu.
— Belo corpo.
E sem dizer mais nada ou fazer algo, o homem sai do banheiro.
Viu? É isso que está me confundindo. Isso está me enlouquecendo. Como um homem vê uma mulher nua que acha bonita e não faz nada? Ainda mais uma que está disponível. Não estou acostumada com esse tipo de homem, apenas com monstros.
Queria minha mãe comigo agora. Ela me diria a coisa certa a se fazer, explicaria sobre as coisas estranhas que estou sentindo. Sempre conversávamos sobre as fases na vida da mulher. Ela me preparou para meus desejos de adolescente, minha primeira vez, proteção... Me preparou para uma fase que se perdeu naqueles malditos três anos.
Quando percebo meus olhos arderem pelas lágrimas, jogo as lembranças em um canto e termino o banho.
A roupa que ele deixou é uma camisa branca masculina de botões. Depois de secar o cabelo com uma toalha, o prendi em um coque e vesti a camisa cheirosa, que b**e abaixo dos meus joelhos. É tanta covardia ser tão pequena sendo que meu gêmeo é gigante. Certeza que ele roubou minha altura no útero.
Procuro o vestido e solto uma risada nervosa ao encontrar na lixeira, em trapos. Como se ele quisesse ter certeza que eu não seria doida de pegar do lixo. Candy vai me matar.
Suspiro e deixo ali. De alguma forma pagarei o vestido dela.
Quando chego na sala, ele está de moletom e camisa confortável, segurando uma manete na frente da TV conectada em um videogame.
— Vamos jogar? — questiono desacreditada.
Sua resposta é aquele sorriso que desestabiliza e o estender da manete em minha direção.
*
A manete cai desajeitadamente no sofá, enquanto solto uma respiração pesada.
— Isso é muito chato — resmungo, esfregando meus dedos doloridos pelo tempo jogando.
— Acha isso porque está perdendo.
Olho para ele, que está rindo. Ele parece gostar de sorrir e rir.
— Exibido! Não sei como pode ser tão poderoso se parece que passa a vida jogando isso — reclamo.
— Faz meses que não pego em uma manete.
— Mentiroso. Eu sei jogar, sempre conseguia ganhar algumas vezes do meu irmão.
— Lamento dizer que você é péssima. Seu irmão é pior ou te deixava ganhar.
— Jogo estupido — murmuro.
— Não é culpa do jogo que você ache que precisa agredir os botões. Garanto que se apertar de leve vai ter o mesmo efeito e ainda doerá menos.
Mostro a língua. Ele gargalha. Esse homem é lindo sério, mas rindo ele chega a ser irreal de perfeito.
Bufo.
E como se eu não fosse a garota de programa que ele trouxe para sua casa, passamos até cinco horas da manhã jogando, discutindo bobagens e conversando sobre coisas triviais que não dão pistas de nossas verdadeiras vidas, como amigos... mas amigos com segredos. Por algumas horas, esqueci quem éramos, meus planos e meu passado.