A porta fechou atrĂĄs de mim com um estalo seco.
Mas o silĂȘncio que veio depois foi ainda mais ensurdecedor.
Dante nĂŁo trancou.
Nem precisou.
O verdadeiro cativeiro nĂŁo tinha chave.
Era o olhar dele.
âž»
O quarto parecia um templo.
Escuro, impecĂĄvel, silencioso.
Cortinas pesadas cobriam as janelas, abafando até a cidade lå fora.
Tapete felpudo sob meus pés nus.
O cheiro era de couro caro, incenso leve⊠e perigo.
Na mesa lateral, um envelope preto repousava com o mesmo peso que um revĂłlver carregado.
Dante se virou.
Devagar.
Preciso.
Camisa preta.
Linho fino.
Dois botÔes abertos revelando a pele firme e bronzeada do peito.
RelĂłgio de couro escuro no pulso esquerdo.
Pés descalços.
O corpo inteiro em modo de guerra silenciosa.
âž»
Ele me encarou.
NĂŁo como um homem olha uma mulher.
Como um caçador avalia a presa que escolheu.
Com paciĂȘncia.
Com fome.
Com certeza.
Sem sorrir.
Sem piscar.
Eu nĂŁo me mexi.
E pela primeira vez na vidaâŠ
nĂŁo sabia se queria ser desejada.
Ou devorada.
âž»
â VocĂȘ veio. â ele disse, a voz grave com sotaque estrangeiro que quase arranhava a pele.
â VocĂȘ mandou. â rebati.
Ele caminhou até a mesa, pegou o envelope e me estendeu.
â Antes de tudo⊠o pagamento.
Peguei o envelope.
Abri.
Dinheiro em espécie.
Notas de 500 euros, dezenas delas.
Pesado.
Indecente.
Delicioso.
â VocĂȘ sempre paga antes? â perguntei, erguendo uma sobrancelha.
â NĂŁo. â ele respondeu, com os olhos fixos nos meus.
â Mas eu nunca deixo espaço pra dĂșvidas.
Se vocĂȘ ficar⊠sabe o valor.
Se sair⊠não vai poder dizer que perdeu tempo.
âž»
Fechei o envelope.
Larguei na mesa ao lado.
A provocação estava clara: eu não vim por dinheiro.
E agora, ele sabia disso.
Dante se aproximou.
Um passo.
Dois.
TrĂȘs.
Parou a menos de trinta centĂmetros de mim.
O calor do corpo dele fez meu ventre contrair.
Eu juro: ele nĂŁo me tocou.
Mas eu senti.
â
â VocĂȘ estĂĄ com medo? â ele perguntou, baixo.
â NĂŁo. â menti.
â Bom. Porque o que vai acontecer aquiâŠ
nĂŁo vai ser sobre medo.
Vai ser sobre verdade.
A mĂŁo dele se levantou.
Lenta.
Controlada.
E encostou de leve no meu queixo.
Dois dedos apenas.
Levantou meu rosto com o mesmo cuidado que se ergue um cĂĄlice de cristal.
E me olhou.
Por dentro.
âž»
â VocĂȘ Ă© linda, Valentina. â ele disse.
â Eu sei.
â Mas beleza sem verdade⊠é sĂł enfeite caro.
â
Ele soltou meu queixo.
Deu um passo pra trĂĄs.
Se sentou na poltrona.
Perna cruzada.
Postura impecĂĄvel.
E disse:
â Agora⊠ajoelhe-se.
O sangue gelou.
Depois ferveu.
â
â VocĂȘ me paga pra te obedecer? â perguntei, com sarcasmo.
â NĂŁo.
Eu pago pra vocĂȘ se lembrar de quem manda.
â
Ajoelhei.
NĂŁo por submissĂŁo.
Mas porque o poder⊠é uma moeda que se j**a em duas mãos.
Sentei sobre os calcanhares, com a cabeça erguida, sem vacilar.
A camisola de seda grudou no corpo com o calor da tensĂŁo.
A fenda lateral aberta deixava uma coxa quase inteira Ă mostra.
Ele olhou. Mas nĂŁo com tesĂŁo vulgar.
Com cĂĄlculo.
Como quem jĂĄ sabia o que cada milĂmetro de mim podia oferecer â e exigir.
â
â VocĂȘ se vende como um segredo caro. â ele disse.
â Mas por trĂĄs dessa pose⊠tem uma mulher com medo de ser tocada sem ser paga.
â E vocĂȘ acha que Ă© diferente?
â NĂŁo.
Eu sou pior.
Porque eu quero comprar a verdade.
E vou arrancĂĄ-la de vocĂȘ⊠mesmo que custe tudo.
âž»
Foi aĂ que ele estendeu a mĂŁo.
NĂŁo para tocar minha pele.
Mas pra segurar meu pulso.
Com firmeza.
Sem força.
E disse, quase num sussurro:
â O que me excita em vocĂȘâŠ
nĂŁo Ă© o corpo.
Ă o fato de vocĂȘ tentar fingir que ele ainda Ă© seu.