Inicio / Lobisomem / LOBOS E CANÇÕES / Capítulo 1 – Entre Dois Mundos
LOBOS E CANÇÕES
LOBOS E CANÇÕES
Por: Carlos Lafaete
Capítulo 1 – Entre Dois Mundos

A cidade parecia tranquila demais para alguém como Lia Ashford.

Caminhando pelas calçadas de paralelepípedos, com uma xícara de café nas mãos e os fones nos ouvidos fingindo tocar alguma música qualquer, ela tentava se encaixar. Era o que fazia todos os dias: acordava cedo, tomava banho como qualquer jovem de vinte anos, vestia jeans e camiseta, amarrava os cabelos dourados num coque alto, e saía para fingir que pertencia àquele lugar.

Mas Lia não pertencia.

Ela sentia isso na pele — literalmente. Como se cada célula do seu corpo vibrasse sob a superfície humana, à espera da próxima lua cheia. À espera da próxima transformação. Do chamado da floresta.

O barulho dos carros, o som dos sinos de bicicleta, o riso das pessoas nos cafés... Tudo isso era ruído. Uma distração. Um disfarce. Ela podia fingir muito bem. Tinha prática nisso. Mas bastava um cheiro, um uivo distante ou uma lembrança amarga para que sua verdadeira natureza ameaçasse emergir.

Ali, Lia era apenas uma garota de olhos estranhos — um azul, um verde — que trabalhava em meio período numa floricultura e estudava arte numa universidade que mal frequentava. Ninguém ali sabia que, a cada lua cheia, ela deixava o apartamento às escondidas, corria quilômetros pela mata, e se unia à alcateia para saciar instintos que odiava admitir.

Ela odiava as caçadas.

Não só por serem bárbaras — mas por serem injustas. Eles sequestravam pessoas da cidade. "Desaparecidos que ninguém sentiria falta", diziam os anciãos. Era uma tradição antiga, uma oferenda à "força ancestral", uma forma de manter o domínio dos lycans sobre aquele território.

E Lia — apesar do sangue puro que corria em suas veias — sempre achou aquilo monstruoso.

Foi num desses dias comuns, fingidos e urbanos, que tudo começou a mudar.

Ela atravessava a praça central, entre folhas secas e o calor morno da tarde, quando ouviu.

A voz.

Um som doce, profundo, quase melancólico. Como se a dor fosse transformada em melodia. Como se alguém tivesse arrancado o próprio coração e o colocado em forma de canção.

Ela parou.

No centro da praça, um jovem cantava com os olhos fechados. Moreno, alto, cabelos lisos caindo sobre o rosto. Um violão gasto nos braços e um boné no chão com algumas moedas dentro. Algumas crianças observavam sentadas na grama, encantadas. Um casal de idosos sorria discretamente em um banco.

Ele cantava como se nada mais existisse. Como se a dor fosse poesia. Como se a esperança ainda valesse a pena.

Lia não percebeu que estava sorrindo.

Nem percebeu que ele a viu.

Etan Kingsley abriu os olhos ao final da música, e foi como se o mundo parasse por um segundo. Ele congelou, encarando-a como se tivesse visto uma miragem. Como se não pudesse acreditar que ela era real.

— Você tem olhos... diferentes — disse ele, ainda com a voz embargada pela melodia.

— Você tem uma voz... perigosa — respondeu ela, sem pensar.

Ele riu, e Lia sentiu o mundo inclinar. Foi uma risada leve, sem pretensão. Como se ele fosse feito de luz e som.

Era só uma tarde. Só uma música. Só um desconhecido.

Mas foi ali, naquela praça qualquer, que a história começou.

E foi ali que Lia começou a se perguntar se era possível, afinal, ter os dois mundos.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
capítulo anteriorcapítulo siguiente
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP