Capítulo 3 - O Encontro

O céu parecia hesitante naquela tarde. Nuvens densas se acumulavam em camadas como cobertores pesados, e o cheiro de chuva se espalhava pela pequena Santana do Monte como um aviso mudo.

Lívia estava na cidade há apenas quatro dias, e ainda se acostumava com o ritmo lento das horas. A manhã fora ocupada organizando os armários e limpando a varanda. No início da tarde, decidiu descer até o armazém local para comprar algumas coisas básicas: arroz, fósforos, um sabão mais cheiroso.

Colocou a capa de chuva em Manu, calçou galochas na menina, e as duas seguiram pela estrada de terra batida. O vento já soprava mais firme, espalhando folhas secas pelo caminho e levantando pequenos redemoinhos entre os arbustos. No mercado, a dona do caixa as atendeu com um sorriso simpático e contou histórias demais sobre o tempo, como todo morador antigo costuma fazer.

Foi na volta que tudo aconteceu.

A estrada de terra, molhada pela garoa que começava a cair, rapidamente virou um pequeno atoleiro. O carro velho que comprara com o dinheiro da rescisão atolou sem cerimônia, os pneus traseiros girando em falso.

Lívia tentou manter a calma, mas o volante tremia nas mãos. Manu dormia no banco de trás, cansada da andança, alheia ao pequeno caos.

Ela desceu, avaliando o barro que já cobria seus sapatos. Não tinha sinal de celular. Nenhuma casa por perto. E a chuva engrossava.

Respirou fundo. E foi quando ouviu.

Passos lentos. Um cavalo, talvez. O som abafado de cascos na terra molhada. Virou-se, apertando os olhos contra a chuva fina. E lá estava ele.

Montado num cavalo negro como noite fechada, com o chapéu escondendo parte do rosto e uma capa longa que balançava ao vento como nas histórias antigas. O homem parou a poucos metros e a observou em silêncio.

Os olhos de Lívia o encontraram primeiro. Escuros. Profundos. Um olhar que não pedia permissão, mas também não oferecia explicação.

— Seu carro está preso — disse ele, a voz firme e baixa, quase sem emoção.

Ela assentiu, sem conseguir esconder o nervosismo.

— Tentei sair… mas escorregou de vez. E… minha filha está no banco de trás. Preciso voltar pra casa.

Ele desceu do cavalo com um movimento calculado, sem pressa. O silêncio entre eles parecia aumentar a cada segundo. Sem se apresentar, ele foi até a traseira do carro, examinou os pneus, abaixou-se.

— Se tiver um pano ou corda, dá pra puxar com o cavalo.

Lívia correu até o porta-malas e pegou uma corda antiga que achou com as coisas da mudança. Ele amarrou com precisão. Os dedos firmes, os gestos automáticos, quase como um ritual. Nenhuma palavra a mais. Nem mesmo um olhar.

O cavalo puxou devagar, e o carro saiu do barro com um estalo súbito. Lívia sentiu o alívio subir pelas pernas como calor.

— Obrigada… de verdade. Eu não sabia o que faria.

Ele apenas acenou com a cabeça, já se virando para montar novamente.

— Você mora… perto daqui?

Foi a primeira pergunta dela. Ele hesitou, como se não gostasse de responder.

— Ali na serra.

E então a ficha caiu.

— Você é o Rafael? Da fazenda?

Ele parou. Olhou diretamente nos olhos dela, dessa vez com mais atenção. Um traço de dor cruzou seu rosto, rápido como relâmpago.

— Sim.

E apenas isso.

Silêncio outra vez.

Lívia sorriu, tentando quebrar o clima.

— Eu sou Lívia. Acabei de me mudar pra casa azul.

— Eu sei.

Ela arqueou as sobrancelhas, surpresa.

— Santana é pequena — disse ele, como se aquilo explicasse tudo.

Montou no cavalo e começou a se afastar. Mas antes de sumir na névoa da chuva, virou o rosto por sobre o ombro.

— Cuide bem da sua filha. A estrada muda rápido por aqui.

E então foi embora.

Lívia ficou ali, imóvel, com o coração batendo alto demais. Sentia-se como uma personagem de romance — e odiava admitir que aquilo a deixara mais viva do que qualquer coisa nos últimos anos.

Dentro do carro, Manu ainda dormia.

Mas no peito de Lívia, alguma coisa tinha acordado.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App