Capítulo 2 - A Casa Azul

O portão rangia como se estivesse sussurrando um segredo antigo. Lívia o empurrou devagar, observando cada centímetro da casa azul que agora chamaria de lar. O tom das paredes era desbotado, mas ainda assim havia ali uma espécie de ternura, como um vestido de algodão lavado muitas vezes, que ainda carrega o perfume de alguém querido.

Manu correu à frente, pulando sobre as pedras do caminho como se brincasse de amarelinha.

— É essa? — perguntou, os olhos brilhando como se estivessem diante de um castelo.

Lívia sorriu.

— É essa. Nossa casa nova.

Subiram os três degraus da varanda. A madeira estalava sob os pés, e Lívia imaginou o quanto de história se escondia ali. A chave entrou com certa dificuldade na fechadura. Quando a porta se abriu, o cheiro de poeira antiga misturado a mofo e saudade tomou o ar.

O silêncio dentro da casa era acolhedor. Nenhum ruído urbano, nenhum vizinho barulhento, nenhum choro de madrugada além do que viesse de dentro delas mesmas. Era como se o mundo estivesse esperando que elas preenchessem aquele espaço com novas memórias.

Os móveis eram poucos e antigos: uma mesa de madeira escura com duas cadeiras, um sofá de tecido florido já gasto pelo tempo, e um armário que parecia ter guardado muitos segredos antes delas. Lívia passou os dedos pela borda da janela e levantou a poeira como se desenhasse no ar uma linha invisível entre passado e presente.

Manu, no entanto, parecia ver beleza em tudo.

— Olha, mamãe! Tem uma janela no meu quarto que dá pro céu! Dá pra ver a lua!

— Então você vai dormir pertinho das estrelas — respondeu, com a voz baixa, quase trêmula.

Passaram a tarde limpando o que podiam. Tiraram as cortinas velhas e abriram todas as janelas. O vento entrou como uma visita querida, trazendo cheiro de mato e de café distante, talvez vindo da casa ao lado. Lívia amarrou os cabelos, prendeu as mangas da blusa e lavou o chão da cozinha com mais vontade do que imaginava ter. Era como se cada movimento retirasse não apenas a sujeira, mas também um pouco da tristeza acumulada.

Foi quando a campainha tocou pela primeira vez.

Lívia abriu a porta com um pano de prato nas mãos e um nó de expectativa na garganta.

Do outro lado, uma senhora baixa, gordinha, vestida com um avental florido e um sorriso curioso.

— Boa tarde, vizinha! Seja bem-vinda! Eu sou a Dona Estela. Moro ali, ó — apontou para a casa verde ao lado, com janelas cor-de-rosa — Se precisar de açúcar, café ou uma conversa, é só chamar. Aqui todo mundo se conhece. E se não conhece, passa a conhecer rapidinho.

Lívia riu com o jeito acolhedor da mulher.

— Obrigada, Dona Estela. Eu sou Lívia. E essa é minha filha, Manu.

— Uma bonequinha! — disse Estela, agachando-se para cumprimentar a menina, que respondeu tímida, escondendo o rosto atrás da mãe.

— Ela é mais de observar — explicou Lívia — Mas logo se solta.

— Ah, isso aqui é terra de gente boa. Vai ver só. Mas ó… só cuidado com a casa da serra — cochichou, abaixando o tom da voz como se estivesse contando um segredo proibido — O moço de lá não fala com ninguém. Vive trancado, só sai à noite ou quando chove. Um mistério só…

— Quem mora lá? — Lívia perguntou, mais por educação do que por curiosidade.

— Rafael. Rafael da fazenda do alto. Um homem bonito que nem novela. Mas fechado, viu? Dizem que tem uma história triste. Eu não sei de tudo… mas sei de mais do que deveria.

Lívia sorriu com delicadeza.

— Sempre tem um desses nas cidades pequenas, né?

— E sempre tem uma mulher nova que desperta ele sem querer — respondeu Dona Estela, dando uma piscadinha e rindo como se previsse o que viria pela frente.

Quando fechou a porta, Lívia olhou para a filha brincando com panos no chão e se sentou no sofá, puxando os joelhos para perto do corpo. Ali, naquele cantinho limpo e cheio de cheiro de casa, sentiu algo que não sentia há muito tempo.

Esperança.

E por um instante, por mais breve que fosse, desejou que Dona Estela estivesse certa.

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