Max sentia o gosto metálico do sangue na boca. A dor era uma presença constante, latejante, um tambor silencioso batendo contra seu crânio. Ele estava jogado no chão frio do galpão, os pulsos presos por cordas ásperas e os músculos gritando de exaustão. Seu rosto estava inchado, um dos olhos quase se fechando completamente, e cada respiração fazia seu peito arder. Rodrigo, o homem que um dia fora apenas um rival em apostas e negócios escusos, agora o observava com um sorriso de puro desprezo. Ele ajeitou o colete caro, os dedos deslizando por cima do tecido com a calma de um homem que sabia ter vencido. — Sabe o que é engraçado, Vieira de Sá? — Rodrigo falou, abaixando-se para ficar à altura de Max. — Eu passei anos construindo meu império. Não foi fácil, não com os cães da lei farejando cada um dos meus passos. Mas eu sempre fui esperto. Sempre soube com quem negociar, quem comprar, quem ameaçar. Até que o merda de um libertino apareceu e o maldito irmão moralista decidiu que ser
Isadora chegou ao salão como uma rainha, seu vestido escuro realçando cada curva, o olhar altivo varrendo o ambiente como se já soubesse que era o centro das atenções. Vicente, entretanto, não se moveu imediatamente. Ele esperou, analisando-a como um jogador experiente que não se precipita. Álvaro percebeu. — Se eu não te conhecesse, diria que está nervoso. — O tom era zombeteiro. Vicente girou o uísque no copo antes de beber um gole, sem desviar os olhos da mulher. — Nervoso? Eu? Isso aqui não é um duelo de verdade. — Ah, meu caro. Você está prestes a enfrentar a mulher mais perigosa deste lugar. E ela sabe disso. Vicente apenas sorriu de lado, a sombra de um predador satisfeito. E Álvaro já desaparecera nas sombras, deixando o irmão com sua missão especial. Quando Isadora finalmente percebeu sua presença, ela demorou um segundo a mais do que o necessário para avaliá-lo. E Vicente notou. Ele não se levantou. Não foi até ela. Não. Ele esperou. E ela veio. — Você não é um r
A casa estava em alvoroço. Cecília andava de um lado para o outro, incapaz de controlar a inquietação. O tempo parecia se arrastar, cada minuto que passava sem notícias de Vicente e Álvaro aumentava seu desespero. Sentia-se sufocada, impotente. A ideia de Max estar desaparecido por dias já era insuportável, mas saber que seus irmãos estavam se enfiando no submundo do Rio de Janeiro em busca de respostas a deixava à beira de um colapso. Gabriel, por outro lado, mantinha a calma com irritante naturalidade. Sentado em uma das poltronas, observava as irmãs em silêncio, os dedos tamborilando no braço da cadeira. Quando Cecília passou por ele pela décima vez em menos de cinco minutos, ele suspirou pesadamente. — Se continuar assim, vai cavar um buraco no chão. — Como pode estar tão calmo? — Cecília disparou, a voz embargada. — Nossos irmãos estão enfiados sabe-se lá onde, e Max… Max pode estar morto! Gabriel inclinou a cabeça, analisando-a. — Vicente e Álvaro sabem o que estão fazendo.
Álvaro estava ocupado demais devorando a boca de uma morena para prestar atenção ao tempo. As mãos dela serpenteavam por seu peito, unhas arranhando levemente sua pele por cima da camisa aberta. O cheiro adocicado do perfume dela misturava-se ao gosto do licor em sua língua. Era uma boa distração. Um passatempo enquanto Vicente fazia sua parte. Mas então ele viu. Isadora. Descendo as escadas com passos incertos, os cabelos desgrenhados, a boca manchada de batom — e não era o dela. Álvaro ergueu uma sobrancelha, afastando-se da mulher em seu colo com um meio sorriso. — Algo errado? — ela perguntou, ronronando contra sua pele. — Só preciso resolver uma coisa, querida. — Ele deslizou os dedos pelo queixo dela e se afastou, já focado na mulher que descia os degraus. Ele precisava ver para onde aquela desgraçada ia. *** Isadora caminhava com um misto de altivez e torpor. O álcool a fazia vacilar, mas não a ponto de apagar a segurança de seus movimentos. Ela ainda sabia on
O silêncio que se seguiu foi denso, carregado de tensão e expectativa. Cecília esfregou os braços, como se tentasse afastar o frio que vinha de dentro. Max estava vivo. Essa era a única informação que importava para ela. Mas a que custo? — Você viu ele, Álvaro? — Sua voz saiu trêmula. Álvaro trocou um olhar breve com Vicente antes de se levantar e se aproximar da irmã. Seu sorriso debochado havia sumido, substituído por algo mais sério. — Vi. E não vou mentir para você, Cecília. Ele estava um trapo. Achei que tivesse morrido ali, mas o desgraçado é duro na queda. Ela respirou fundo, tentando manter o controle. — Acha que ele aguenta até amanhã? Álvaro hesitou por um momento antes de responder. — Ele vai ter que aguentar. Cecília levou uma das mãos ao rosto, sentindo o peso da angústia. Vicente, que até então analisava mentalmente os próximos passos, pigarreou e se levantou. — Vou sair agora. Preciso garantir que teremos reforços. — Essa gente não se mexe tão rápido
A dor já não era só um incômodo. Era sua existência. Max mal sentia o próprio corpo, apenas os pulsos ardendo onde as cordas mordiam sua pele e o gosto de sangue seco na boca. O olho esquerdo estava fechado por completo, inchado, latejando. Ele não sabia dizer há quanto tempo estava ali. Dias? Horas? Tudo se misturava em um borrão de escuridão e agonia. Rodolfo estava à sua frente, brincando com uma navalha. O desgraçado não tinha pressa. Gostava de saborear o sofrimento. — Você sabe qual é o seu problema, Max? — A voz dele era quase afetuosa, como se falasse com um velho amigo. — Você não sabe quando desistir. É egoísta o suficiente para não admitir que perdeu. E mesmo estando a beira da morte, ousa me desafiar! Max riu, ou pelo menos tentou. Foi mais um ruído rouco, engasgado com sangue. — E você fala demais... O golpe veio rápido, um soco direto na costela que fez tudo girar. Max gemeu, mas não cedeu. Não daria esse prazer ao filho da puta. — Ainda com essa língua afi
Cecília sentia o coração martelar no peito enquanto segurava a mão de Max. O calor fraco da pele dele a fazia se agarrar à única certeza que importava: ele estava vivo. Mas vê-lo ali, tão pálido, machucado, coberto de curativos e hematomas, era demais para ela suportar. Uma lágrima grossa caiu de seu rosto e pousou na clavícula dele. Max mexeu os dedos, um movimento fraco, quase imperceptível, mas o suficiente para fazê-la prender a respiração. — Max…? — a voz dela tremeu. Ele franziu a testa, um gemido rouco escapando de seus lábios rachados. O peito subia e descia com dificuldade, mas, pouco a pouco, os olhos dele se abriram. O olhar turvo vagou pelo ambiente antes de focar nela. Cecília sentiu um nó na garganta quando viu um brilho diferente naqueles olhos, um alívio misturado com surpresa. E então Max fez o impensável. Mesmo com o corpo claramente em agonia, sua mão se moveu, agarrou a nuca dela e a puxou para um beijo. Foi desajeitado, dolorido, a boca dele seca e o
Cecília passou os últimos dias exausta, dividindo-se entre cuidar de Max e tentar manter a própria sanidade. Seu marido finalmente estava em casa, longe dos horrores pelos quais passara, mas a recuperação dele ainda exigia atenção constante. Ela mal dormia, comia pouco e seu corpo parecia estar em guerra consigo mesmo. Naquela manhã, enquanto preparava um chá para Max, uma onda de náusea violenta subiu por sua garganta. Sem tempo para reagir, correu até o lavabo, caindo de joelhos diante da bacia e vomitando tudo o que tinha – e não tinha – no estômago. Seu corpo tremia e o suor frio descia pela nuca. Respirou fundo, tentando se acalmar. Claro, fazia sentido. O estresse, a falta de sono, a alimentação precária. Tudo aquilo cobrava um preço. Mas, ao limpar a boca e se apoiar na borda da pia para se levantar, uma inquietação começou a crescer dentro dela. Ela tentou lembrar. Quando viera sua últimas regras? O pânico apertou seu peito. Seus ciclos eram regulados como um relógio, e