De amante a Rainha

Capítulo 2 — O Eco da Meia-Noite

Acordei antes do despertador. O corpo ainda pedia mais sono, mas a mente insistia em repetir, quadro a quadro, a cena da noite anterior. O brinde inesperado. O gesto na escada. A plaqueta quase apagada. E a mensagem no celular que eu ainda não tinha apagado.

“Viu o suficiente para não perguntar a coisa errada, Rafael?”

Releio a frase e sinto o incômodo do óbvio: ela sabe meu número, e sabe que eu li. Não respondeu a pergunta que não fiz, mas deixou claro que espera que eu siga a trilha que ela mesma abriu.

O apartamento ainda cheira a café de ontem. Jogo água no rosto e tento alinhar a gravata que dormiu no sofá. No espelho, o reflexo me devolve um olhar mais curioso do que descansado. Curiosidade é ferramenta de trabalho — e veneno também.

Abro o laptop. As fotos do baile desfilam pela tela: políticos, empresários, esposas e amantes que trocam papéis dependendo do jornal. Nenhuma foto oficial mostra Helena. Procuro nos cantos, nas sombras, reflexos em taças. Em uma imagem borrada de um garçom, há o que pode ser a silhueta dela, mas nada que a comprometa. É como se tivesse estado em todo lugar e, ao mesmo tempo, em lugar nenhum.

Ligo para um contato no arquivo histórico do Palácio das Magnólias.

— Duarte, se for pra pedir foto antiga de campanha, eu vou cobrar cerveja — resmunga Cláudio, o arquivista.

— Preciso de uma pintura — digo. — “Dama Anônima”, moldura dourada, coleção privada. Deve ter registro de doação.

— Aqui nada é rápido. Manda um e-mail.

— Não posso mandar e-mail, Cláudio. É assunto que não quero escrito.

Silêncio. Ouço o arranhar de gavetas.

— Vai me dever duas cervejas. E um charuto.

— Fecha negócio.

Ele promete ligar quando encontrar algo. Desligo e volto ao celular. Uma nova mensagem, número diferente:

“O que você procura não está no Palácio. Está no porto.”

Olho o relógio. Nove e meia. O porto não é meu território — mas é o território dos homens que brindaram à meia-noite.

Pego um táxi. O motorista fala sobre o clima, o aumento do diesel, a final do campeonato. Respondo com grunhidos e sigo olhando a paisagem mudar de fachadas de vidro para armazéns gastos pelo sal. O cheiro de ferrugem e óleo toma o ar. Trabalhadores passam carregando caixas marcadas com selos internacionais.

Não tenho plano. Tenho instinto. E o instinto me leva a um galpão com uma porta semiaberta. Lá dentro, conversas em tom baixo. Dois dos homens do brinde estão ali — o deputado e o industrial. O terceiro, o estrangeiro, não. Entre eles, sobre uma mesa, um mapa aberto. Não é de rotas de navio. É da cidade. E, circulado em vermelho, está o nome de um bairro que não costuma aparecer em negócios limpos.

Dou um passo para trás. O chão range. O deputado levanta os olhos. Por um segundo, penso que me reconheceu. Mas a expressão se desfaz e ele volta ao mapa. Sigo andando como quem errou de lugar, até virar a esquina e sentir o coração batendo nas mãos.

O telefone vibra de novo. Agora não é número oculto. É uma ligação. Atendo sem pensar.

— Você anda rápido, Rafael — diz a voz dela, calma como se estivesse comentando o clima. — Mas corre o risco de chegar antes da hora.

— Por que me mandar ao porto?

— Porque todos os caminhos passam por ele, mais cedo ou mais tarde. O porto é onde as coisas chegam… e onde desaparecem.

— E o que desaparece lá?

Um silêncio breve. Depois, o som de um fósforo acendendo.

— Pessoas. Verdades. E, se não tomar cuidado, jornalistas.

A ligação cai. Fico parado, olhando o mar cinza atrás dos guindastes. Penso no anel de rubi, no retrato e nas duas frases que ela já me deu. Uma é pista. A outra é ameaça.

No fundo, sei que não vou parar. Não é assim que funciono. E, suspeito, não é assim que ela quer que eu funcione.

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