Lorena
Tem dia que a gente acorda com a alma leve, mesmo com o mundo desabando lá fora. Hoje não foi um desses dias. Acordei com um peso no peito, daqueles que já vem com gosto de tragédia anunciada. Não era cansaço. Não era TPM. Era alerta. Pressentimento de mulher — e mulher de favela sabe — não falha.
Kaíque tava ali, do meu lado, roncando leve, peito subindo e descendo como se nada tivesse acontecendo. Mas eu sabia.
Até o sono dele era armado. Dormia com o punho travado, igual quem espera o pior até no sonho.
Desde o dia que quebraram o vidro do carro dele no ferro-velho, eu não tenho mais paz. Ficou tudo com cheiro de guerra. A rua. O vento. O futuro.
Ele finge que tá firme. Que segura o mundo no braço. Mas eu vi. Eu vi o medo dentro dos olhos dele. E quando um homem como o Kaíque tem medo… é porque o bagulho tá realmente do avesso.
Kaíque foi criado na bala, no berro e no barraco. Filho da violência. Neto do abandono. Afilhado da dor. Mas agora… agora ele queria ser paz.
E eu…
E