Cinco Anos Depois
Miguel corria descalço pelo quintal de terra batida, com o joelho ralado, os pés encardidos de pó e o riso solto como quem nunca soube o que é medo. A camisa rasgada no ombro, o cabelo desgrenhado, a alma leve. Naquele riso morava tudo o que a gente sangrou pra conquistar.
A casa era pequena. Dois quartos mal rebocados, varanda de cimento rachado, uma antena torta no telhado e o cheiro eterno de café passado no coador de pano. Mas era nossa. E o mais importante: era longe do sangue.
Interiorzão do Rio. Cidade tão pequena que mal aparece no mapa, daquelas onde a polícia só passa quando tá perdida ou com vontade de comer coxinha na venda da esquina. Aqui, o silêncio não vem antes do tiro — vem depois da luta.
Kaíque vinha chegando da oficina. Uniforme suado, boné torto, mão encardida de graxa e cheiro de trabalho honesto. O peito largo já não carregava pistola, mas ferramenta. Ele tava mais velho, mais marcado, mais homem.
Mas os olhos…
Ah, os olhos dele tavam limpos.