Kaíque
Abrir aquela porta de ferro foi como assinar minha sentença. Mas dessa vez, eu não ia fugir. Não ia mais me esconder atrás de apelido, de fama, de respeito comprado na base do medo. Na favela, ou tu bota moral ou vira estatística. E eu já fui estatística demais. Agora era minha vez de reescrever essa porra toda — sem virar santo, mas também sem rastejar.
Acordei antes do sol nascer. O céu ainda era um borrão cinza, o ar carregado de silêncio pesado — o mesmo silêncio que vem depois de muito tiro. Minha mente já tava ligada no 220. A insônia fazia parte de mim. Era tipo tatuagem invisível: ninguém via, mas queimava por dentro. Igual as cicatrizes que ninguém pergunta, mas todo mundo sente.
Lorena ainda dormia, abraçada no travesseiro, cabelo bagunçado, perna por cima do lençol.
Linda.
Linda de um jeito que dava vontade de esquecer que o mundo lá fora é cruel.
Ela era o que me mantinha no prumo.
O que me puxava de volta quando eu sentia vontade de voltar pra sombra.
Botei o boné,