Lorena
Não existe sono profundo quando o homem que tu ama tá em guerra com os próprios demônios.
E os dele… ainda respiram.
Cada noite era uma roleta russa. Um tiro que não vinha, mas que a gente sentia o tambor girando.
Desde que Kaíque decidiu voltar pra favela, eu sabia.
Sabia que era questão de tempo até os fantasmas tirarem o capuz e baterem na nossa porta.
Eu implorei pra gente continuar na vila. Tava tudo arranjado. Aluguel pago, oficina quase de pé, a vida pedindo pra começar de novo.
Mas parece que Kaíque nasceu com sede de perigo. Como se o peito dele só batesse forte quando tem o cheiro de pólvora no ar.
E eu tô exausta.
Acordei com a boca seca e o peito apertado.
Não tinha barulho. E esse era o pior dos sinais.
Levantei devagar e fui até a sala.
Ele tava lá.
Sentado no sofá. Pistola no colo. Olhar morto. Alma em outro lugar.
Parecia uma estátua esculpida pela dor. Corpo presente e espírito na trincheira.
Meu coração afundou.
— Kaíque, tu não pode viver assim...
Ele me olho