Kaíque
Desde que decidi sair do corre, parecia que tinha assinado minha sentença. Tipo quem pula de um barranco achando que vai cair em campo florido. Besteira minha.
Na real? Eu só troquei de guerra.
Porque a favela não esquece.
E o crime… o crime não perdoa traidor. Pra eles, querer viver limpo é cuspir no prato onde comeu. É virar alvo.
No começo achei que era nóia da minha cabeça. Que era só o passado me assombrando.
Mas aí veio o silêncio.
Aquele silêncio estranho da quebrada, onde o barulho ainda existe, mas tem algo no ar… pesado, denso, elétrico.
Até os pivete começaram a me olhar torto. Os que antes me pediam moeda agora atravessavam a rua pra me fitar com olhar de desdém. Tipo: “olha lá o ex-bandido querendo bancar cidadão”.
Na oficina, eu tentava me anestesiar.
Motor, freio, suspensão. Era nisso que eu focava. No barulho das ferramentas, no cheiro de óleo, na graxa me sujando os dedos.
Ali, eu ainda conseguia me sentir homem, útil, vivo.
Mas naquele dia… naquele maldito dia