Kaíque
O carteiro nunca sobe o morro. Nunca.
Mas naquele dia, Rato veio no pique, ofegante, suado e com um envelope na mão como se fosse um pacote de braba.
— Irmão… chegou isso aqui. É teu. Veio com teu nome completo e tudo. É dela… da Lorena.
O mundo parou. O morro calou.
Congelou meu sangue. Minha mão tremeu.
Peguei o envelope como se fosse dinamite. Mas o que explodiu foi meu peito.
Sentei na laje. Fuzil do lado, mato crescendo no canto, mancha de sangue seco no chão, cheiro de pólvora ainda no ar. Realidade feia, dura. Mas ali, naquele papel, tinha um pedaço do único lugar onde minha alma ainda respirava.
Rasguei a borda com cuidado.
Vi a letra dela.
Caralho. Só de ver aquele "Kaíque" escrito do jeito dela, senti meu peito doer como se tivesse tomado rajada.
> “Kaíque, tentei esquecer teu gosto com vinho, teu nome com música, teu rosto com céu…”
Li como se estivesse sendo esculachado com carinho. Cada palavra parecia uma faca afiada entrando macio, sem fazer escândalo, mas cortan