A manhã de sábado em Candeias nasceu como a maioria das outras: com o cheiro de maresia, o canto distante dos galos e a promessa de um calor que logo se tornaria opressivo. Para Helena, as manhãs eram os momentos mais difíceis. Eram silenciosas, vazias, um vasto deserto de horas a ser preenchido antes que o véu da noite trouxesse os sonhos indesejados. Ela estava em sua cozinha, uma pequena extensão que construíra nos fundos da oficina, preparando um café com a precisão mecânica de quem não sente mais o gosto de nada.

Foi o silêncio que a alertou primeiro. O som habitual dos vizinhos varrendo as calçadas e das crianças brincando na rua havia cessado. Um silêncio expectante tomou conta do lugar. Curiosa, ela foi até a grande janela da frente da oficina, a mesma que agora exibia vidros limpos e uma moldura nova, cortesia do dinheiro dele.

E então ela o viu.

O carro era uma pantera negra de metal e vidro, tão fora de lugar naquela rua de paralelepípedos e casas coloridas que parecia uma