Capitulo 03

A frase dele pairou no ar entre nós, mais pesada que o lustre de cristal acima de nossas cabeças.

Você não faz ideia de há quanto tempo eu estou esperando você esbarrar em mim.

O som da festa — as risadas falsas, o tilintar de talheres, a música suave — pareceu desaparecer, sugado pelo vácuo que Peter Blackwood criava ao seu redor. Eu estava sozinha com ele, no meio de quinhentas pessoas.

Minha mente, treinada para observar detalhes, focou na boca dele. Na curva cruel e perfeita dos lábios que acabaram de confessar uma obsessão.

— Esperando? — repeti, a palavra saindo como um vidro quebrado. Dei um passo para trás, mas minhas costas encontraram a coluna de mármore. Encurralada. — Isso deveria soar romântico? Porque soa como algo que eu diria para a polícia.

Peter riu. Não foi uma risada social. Foi um som baixo, gutural, que vibrou no meu peito, uma nota grave tocada em um violoncelo.

— A linha entre o romance e o crime é apenas uma questão de permissão, Alice. — Ele deu mais um passo, fechando a distância. O calor do corpo dele invadiu o meu espaço, uma onda de febre. — E eu raramente peço permissão.

— Como você sabe meu nome? — exigi, tentando transformar meu medo em raiva. A raiva era segura. A raiva eu conhecia.

— Eu sei muitas coisas. — Os olhos cinzentos dele viajaram pelo meu rosto, mapeando cada sarda, cada tensão. — Sei que você pinta com a mão esquerda, mas escreve com a direita. Sei que você passa as noites em claro ouvindo jazz barato porque o silêncio te assusta. E sei que aquela tela, 'Fúria Silenciosa', que você vendeu por uma miséria no Bixiga há seis meses... vale mais do que a galeria inteira onde ela estava exposta.

O chão sumiu sob os meus pés.

'Fúria Silenciosa'

Era a minha alma. Uma tela caótica de pretos e vermelhos que eu pintei na semana em que o diagnóstico da minha mãe saiu. Eu a vendi para pagar a conta de luz. Eu nunca disse a ninguém o que ela significava.

— Você... — Minha voz falhou. A defesa caiu. — Você comprou?

— Eu colecionei. — A correção foi suave, mas absoluta. — Ela está no meu quarto. É a primeira coisa que vejo quando acordo e a última antes de dormir.

A imagem me atingiu: esse homem, esse titã de gelo e dinheiro, acordando todos os dias olhando para a minha dor exposta na parede dele. Era uma intimidade que eu não tinha concedido. Era uma violação. E, Deus me ajude, era a coisa mais lisonjeira e aterrorizante que eu já tinha ouvido.

— Você é louco — sussurrei, a acusação sem força.

— Eu sou focado. — Ele estendeu a mão. Não para me tocar, mas indicando a varanda lateral, longe da multidão. — Aqui está muito barulhento para o tipo de conversa que precisamos ter. O ar lá fora é de graça, Alice. E eu prometo não cobrar o rim.

Era uma piada. Uma referência ao que eu tinha dito antes. Ele lembrava de cada palavra.

Eu olhei para a varanda. Escura. Vazia.

Eu deveria correr. Deveria procurar a Carol, pegar minha bolsa e sumir na noite de São Paulo.

Mas a curiosidade é uma droga. E Peter Blackwood era o traficante.

— E se eu não quiser conversar? — desafiei, erguendo o queixo.

Ele sorriu. E naquele sorriso, eu vi o perigo real. Ele sabia que eu não ia embora.

— Você quer, Alice. — Ele se inclinou, o hálito quente roçando minha bochecha, enviando arrepios por toda a minha espinha. — Porque você está cansada de gritar em telas que ninguém ouve. E eu... eu sou o único homem no mundo que aprendeu a escutar a sua cor.

A frase foi um feitiço.

Ele se virou e começou a caminhar em direção ao terraço, as mãos nos bolsos, o terno manchado de champanhe sendo usado como uma medalha de guerra.

Ele não olhou para trás. Ele sabia.

Mordi o lábio, sentindo o gosto metálico da dúvida. Respirei fundo, enchendo meus pulmões com o perfume dele que ainda pairava no ar.

E o segui para a escuridão.

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