Capitulo 02

Ele não era o tipo de homem que faz o mundo parar. Ele era o tipo de homem que é o mundo parando.

Eu esperei o grito. Esperei a indignação de um homem rico que teve sua casca de proteção arruinada por uma ninguém. Mas o grito não veio.

O homem nem sequer piscou.

Ele olhou para a mancha escura de champanhe que se espalhava pelo tecido do seu peito, absorvendo a umidade com uma calma que era, francamente, aterrorizante. Sua própria taça, segura em uma mão grande e elegante, não tinha derramado uma única gota.

Então, ele levantou os olhos.

E o ar fugiu dos meus pulmões.

Os olhos dele não eram apenas cinzas. Eram da cor de um céu antes de uma tempestade elétrica, carregados de uma energia estática que fez os pelos da minha nuca se arrepiarem. Eram olhos de gelo, mas queimavam.

Ele não me olhou como o Bastos me olhou. Ele não me despiu com luxúria barata. Ele me escaneou. Foi uma varredura lenta, clínica e predatória, como um colecionador avaliando uma peça rara que acabou de cair no seu colo.

— Correndo de alguém, senhorita?

A voz dele era grave. Não era um som; era uma vibração física que ressoou nos meus ossos. Um veludo escuro e perigoso.

Recuperei o fôlego, puxando minha armadura de sarcasmo.

— Não — respondi, a voz saindo mais rouca do que eu pretendia. — Só procurando um lugar onde o oxigênio não custe o meu rim esquerdo.

Um canto da boca dele se curvou. Um sorriso que não era um sorriso, mas uma promessa de problema.

— O ar aqui é caro — ele concordou, os olhos fixos nos meus, ignorando completamente o fato de que eu o tinha encharcado. — Mas ele tende a ficar rarefeito quando se corre tão rápido... especialmente fugindo de negociações ruins.

Eu congelei.

— Como é?

Ele deu um passo à frente. O cheiro dele me atingiu — não colônia enjoativa, mas algo limpo, caro e masculino. Sândalo, chuva fria e notas de dinheiro antigo. Inebriante.

— O idiota de gravata borboleta — ele disse, a voz baixando para um sussurro confidencial. — Antônio Bastos.

Meu coração falhou uma batida.

— Você... você viu?

— Eu observei. — A correção foi cirúrgica. — Eu vi você se aproximar com a esperança de uma artista e sair com a fúria de uma rainha. Vi o tapa na mão dele.

O sangue drenou do meu rosto. Eu tinha acabado de agredir um dos curadores mais influentes do país, e esse estranho tinha assistido de camarote.

— Ele mereceu — sibilei, defensiva, erguendo o queixo.

— Sem dúvida. — A calma dele era enervante. Ele não estava chocado. Ele parecia... entretido. — Ele tentou comprar o corpo e ignorou a alma. Um erro de amador.

O tempo parou.

Aquela frase. Um erro de amador.

Ele não estava defendendo o Bastos. Ele estava insultando a competência dele.

O estranho se aproximou ainda mais, invadindo meu espaço pessoal com uma autoridade que me fez querer recuar e, ao mesmo tempo, ficar exatamente onde estava para ver o que aconteceria. A energia dele era magnética, uma força gravitacional escura.

— Uma pena — ele murmurou, os olhos cinzentos descendo para a minha boca e depois voltando para os meus olhos, prendendo-me ali. — Desperdiçar uma obra-prima com alguém que não sabe avaliar o preço.

— Eu não estava à venda — retruquei, mas a minha voz tremeu. Pela primeira vez na noite, eu não me senti como uma fraude. Eu me senti exposta.

— Tudo está à venda, senhorita. — O sorriso dele se aprofundou, revelando dentes brancos e afiados. — É apenas uma questão de moeda.

Ele inclinou a cabeça, analisando-me.

— Porque eu... — ele disse, e a voz dele caiu uma oitava, vibrando direto no meu centro — ...sou o único homem nesta sala que teria interesse em comprar os dois.

A insinuação pairou entre nós, pesada, elétrica e inegável. A arte e o corpo. A alma e a carne.

Minha boca secou. Eu deveria correr. Meu instinto de sobrevivência, afiado nas ruas de São Paulo, estava gritando que aquele homem era um perigo de nível catastrófico. Ele não era um sapo como o Bastos. Ele era o leão que comia o sapo.

— Quem... — engoli em seco, tentando recuperar minha voz. — Quem é você?

Ele não respondeu imediatamente. Ele deixou a pergunta assentar, saboreando o meu desconforto. Ele tirou um lenço de seda do bolso — um quadrado de tecido imaculado — e limpou uma gota de champanhe da lapela, sem nunca quebrar o contato visual.

— Eu sou Peter Blackwood.

Ele disse o nome não como uma apresentação, mas como um fato imutável da natureza. Como dizer "Eu sou a Gravidade".

Eu conhecia aquele nome. Todo mundo conhecia. Bancos. Prédios. O dono de metade da cidade. O homem que vivia nas sombras e movia o mundo com a ponta dos dedos.

O choque me paralisou.

Ele guardou o lenço. E então, ele se inclinou, invadindo minha zona de segurança, a boca roçando a concha da minha orelha.

— E você... — ele sussurrou, e o som do meu nome na boca dele foi como uma carícia proibida. — ...é Alice Vitali.

Eu me afastei bruscamente, batendo as costas em uma coluna de mármore.

— Como você sabe meu nome? — A pergunta saiu estrangulada.

Peter Blackwood sorriu. E pela primeira vez, eu vi a escuridão real naqueles olhos de tempestade.

— Alice... — ele disse, suave e letal. — Você não faz ideia de há quanto tempo eu estou esperando você esbarrar em mim.

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