CAPÍTULO 4

Tinha algo de poético, e ligeiramente irônico, em voltar pra casa depois de um café com um astro da televisão e ser recepcionada por um gato que mal levantava a cabeça da almofada.

— Você não vai nem fingir interesse, Bento? — larguei a bolsa no aparador e chutei os sapatos pra um canto.

Ele me olhou de rabo de olho, espreguiçou-se como quem tinha coisas mais importantes pra fazer (como dormir por mais sete horas) e soltou um miado breve. Provavelmente um “traz comida” no dialeto felino.

Fui até a cozinha e abri a geladeira. Meio limão ressecado, um pote de iogurte vencido e uma garrafa de água. Gourmet. Peguei a água, dei um gole e encostei na bancada.

Pedro Dantas.

Eu não deveria estar pensando nele. Mas ali estava, pairando como um sussurro insistente. O jeito como ele falou, como me observou, como me deixou com mais perguntas do que respostas. Era só um ator famoso, bonito, metido (claro), e, mesmo assim, havia algo de... desalinhado nele. Algo que não se encaixava direito na imagem de “Pedro Dantas, galã da TV brasileira”.

Balancei a cabeça e fui direto pro sofá, onde Bento já tinha ocupado seu posto no centro da almofada favorita.

— Ele disse que vai falar comigo de novo — murmurei, mais pra mim do que pra ele. — E eu? Eu fiquei lá, igual uma idiota, tentando entender se aquilo era uma ameaça, uma cantada, ou um preâmbulo de alguma loucura maior.

Bento lambeu a pata. Apoio moral zero.

Peguei o celular e, contra todas as minhas regras de sanidade, digitei “Pedro Dantas” no G****e. Uma infinidade de manchetes apareceu.

“Ator é flagrado saindo com modelo em restaurante de luxo.” “Pedro Dantas se envolve em nova polêmica com colega de elenco.” “Assessoria nega envolvimento do ator em escândalo com patrocinador.”

Suspirei. Ok, a imagem de mulherengo não era exagero. E, mesmo assim, ele parecia mais... calmo comigo. Não tentava se vender, não fazia charme demais, e talvez isso fosse o mais desconcertante.

A campainha tocou e quase derrubei o celular no chão.

Abri a porta e dei de cara com Clara, segurando uma caixa de pizza e uma garrafa de vinho.

— Adivinha quem comprou carboidratos em forma de queijo derretido? — ela cantou, entrando com a desenvoltura de quem tem a chave emocional do meu lar, mesmo sem ter a física.

— Espero que você também tenha trazido juízo — resmunguei, fechando a porta atrás dela.

Clara pousou tudo na mesa e me olhou com um sorrisinho.

— Você foi encontrar Pedro Dantas hoje. É claro que vim checar se sua alma sobreviveu.

— Está intacta, obrigada. Mas o cérebro tá fritando.

— Me conta. Tudo. Agora.

Abri a pizza, servi duas fatias, coloquei vinho nas taças e me joguei no sofá ao lado de Bento, que fez um muxoxo sonoro.

— Ele só queria conversar. Disse que me achou “diferente” — fiz aspas com os dedos — e que eu olho como se visse coisas que ninguém vê.

— Oi? Isso é uma cantada ou uma oferta de emprego numa seita?

— Exatamente minha dúvida. Mas espero que seja a segunda opção.

— E?

— E nada. Foi embora dizendo que vai me procurar de novo.

Clara mastigou devagar, como se estivesse analisando o conteúdo oculto das entrelinhas.

— Amiga... isso tem cheiro de enrosco emocional com assinatura em cartório.

— Eu mal conheço o cara.

— Mas vai conhecer. Ele deixou isso bem claro, não deixou?

Suspirei e me encostei no sofá. A pizza estava boa, o vinho melhor ainda, mas a sensação de que alguma coisa tinha sido colocada em movimento, e que eu não controlava começava a se instalar em mim.

— Sabe o que eu acho? — Clara disse, limpando os dedos no guardanapo. — Você é uma jornalista excelente, mas tem zero habilidade pra lidar com gente que balança sua estabilidade emocional.

— Porque nunca acontece.

— Exato. E agora que tá acontecendo... bem, talvez seja hora de descobrir se isso é só matéria ou o começo de uma história que você não vai conseguir escrever com distanciamento profissional.

Fiquei em silêncio.

Pedro Dantas.

O nome ecoava como um alerta e uma promessa. E o mais estranho era que, apesar de tudo, uma parte de mim queria, sim, ser encontrada por ele de novo.

Mesmo sabendo que tudo nele gritava: “zona de perigo”.

O despertador tocou às sete e meia da manhã e fui oficialmente lembrada de que minha vida não era um filme romântico. Era terça-feira, o céu estava nublado, minha cafeteira chiava como uma senhora ranzinza e Bento vomitou uma bolinha de pelo bem no meio do meu tapete da sala.

Vida real: 1.

Fantasia com ator global: 0.

Liguei o som baixo no celular e deixei Lauren Daigle cantando no fundo enquanto tomava banho. Era uma tentativa quase espiritual de reencontrar meu eixo, mas confesso que passei mais tempo me perguntando se Pedro Dantas já teria tomado café ou se tinha o hábito estranho de comer frutas cortadas artisticamente em pratos brancos enormes.

Sim, esse era o nível da minha curiosidade às oito da manhã.

Cheguei à redação com o cabelo ainda meio úmido e um café enorme nas mãos, pronta para mergulhar em pautas sobre economia, eleições estudantis e, com sorte, um escândalo político para desviar o foco das celebridades. Mas bastaram cinco passos no corredor para eu perceber que algo estava... diferente.

— Dona Isadora! — chamou Marcos, o estagiário, empolgado demais para um horário em que ainda estávamos nos tolerando por educação. — A chefia quer te ver. Agora.

— Isso é código pra "trouxemos pão de queijo" ou "alguém vai ser demitido"?

Ele deu de ombros e sorriu. Típico.

Entrei na sala do meu editor-chefe, Eduardo, um homem que parecia ter sido moldado com resquícios de mau humor e vírgulas mal colocadas.

— Senta aí, Isadora. — Ele indicou a cadeira com a cabeça.

Sentei, ajeitando a saia com certo receio.

— Recebemos um pedido estranho essa manhã — ele começou, entrelaçando os dedos sobre a mesa. — Da assessoria do Pedro Dantas.

Engoli seco. Não porque eu estivesse com medo, mas porque meu corpo resolveu me trair com nervosismo.

— Ele solicitou uma entrevista exclusiva. Contigo.

— Comigo? — repeti, como se não tivesse entendido o idioma.

— Sim. Insistiu que fosse você. E pediu que fosse em um local fora da redação. Particular, foi a palavra usada.

Ah, ótimo. Agora, além de misterioso, ele era seletivo e enigmático.

— Ele disse o motivo? — perguntei, tentando parecer profissional, embora minha voz estivesse levemente mais aguda.

— Disse apenas que é "pessoal". — Eduardo me encarou por alguns segundos. — Mas olha, Isadora, você é boa no que faz. E se esse cara quer falar com você, aproveita. Consegue cavar algo grande daí. Só... toma cuidado. Celebridades adoram bancar os intensos e depois sumirem quando você precisa de respostas.

Assenti, tentando processar tudo. Pessoal. Entrevista. Pedro Dantas.

Saí da sala tentando parecer calma, mas meus pensamentos estavam pulando como pipoca em micro-ondas. Quando cheguei à minha mesa, sentei, abri o notebook... e fiquei ali olhando pra tela em branco.

Pedro Dantas queria me ver de novo.

E eu ainda não sabia se isso era um começo ou um problema.

Suspirei, peguei meu celular e olhei para a última mensagem da assessora dele, repassada pela equipe do jornal:

“Pedro estará disponível amanhã, às 10h, no Café Aurora. Ele pediu discrição. Confirmar presença, por favor.”

Bento, se você pudesse falar, eu te perguntaria: “aceitamos ou corremos?”

Mas como gatos não respondem, e como minha curiosidade é muito mais forte que meu juízo, digitei as palavras com a pontualidade de alguém que sabe que está indo, com gosto, para a boca do lobo:

“Estarei lá.”

Acordei às sete e meia com Bento deitado sobre o meu peito, me encarando como se soubesse de tudo. De tudo mesmo: que eu estava prestes a encontrar Pedro Dantas novamente, que era uma reunião estranha, que eu passei as últimas dez horas tentando descobrir o que vestir sem parecer que estava tentando demais. E que sonhei com ele. Duas vezes.

Sim, isso é preocupante. Não pelos sonhos. Mas porque em ambos ele ria das minhas piadas — o que definitivamente é fantasia.

— Você acha que eu pareço casual com esse vestido? — perguntei em voz alta, me olhando no espelho enquanto girava de leve.

Bento bocejou e pulou da cama.

— Ok, então talvez o vestido floral esteja mesmo tentando passar a mensagem errada. Romântica, sonhadora… carente. — Murmurei, trocando pela milésima vez.

Acabei optando por uma blusa branca, calça jeans de lavagem escura e um blazer leve cinza-claro. Suficientemente profissional, levemente simpática. Cabelos presos em um coque frouxo, e maquiagem com cara de “acordei assim, mas sem olheiras”.

Antes de sair, olhei mais uma vez para Bento.

— Me deseje sorte. Ou maturidade, tanto faz.

Ele me ignorou completamente e foi até a vasilha de ração. Gato realista.

O Café Aurora ficava em uma esquina charmosa do centro, com mesinhas de madeira, plantas penduradas no teto e uma música ambiente que parecia ter sido escolhida a dedo por alguém que se importava com poesia.

Pedro já estava lá. Sentado em uma mesa no fundo, de boné e óculos escuros, como se aquilo fosse um disfarce infalível. Spoiler: não era. Ele chamava atenção mesmo sem tentar. Talvez por aquele ar de “me escondo do mundo, mas estou acostumado a ser visto”.

Ele levantou assim que me viu, tirando os óculos.

— Isadora. — Sorriu, e eu tentei fingir que aquilo não mexeu comigo. Mais um pouco e minhas pernas teriam amolecido completamente.

— Pedro. — Sorri de volta.— Você sabia que esse seu “disfarce” atrai mais olhares do que se você estivesse só de boné?

— Sabia. — Ele riu, e aquele som me atravessou como uma daquelas trilhas sonoras de final de temporada. — Mas é quase um ritual. O boné e os óculos me ajudam a lembrar que, fora daqui, existe barulho demais.

Me sentei à sua frente, tentando entender se ele estava sendo filosófico ou só poético por acaso.

— Obrigado por vir — ele disse, enquanto chamava o garçom com um aceno discreto. — Sei que foi inesperado.

— Eu diria que foi intrigante. E um pouco confuso. Ainda não entendi por que você me chamou… Mas estou aqui. Curiosa.

Pedro assentiu e pediu um cappuccino. Eu pedi o mesmo, em parte porque gosto, em parte porque precisava ocupar as mãos com alguma coisa que não fosse enroscar meus próprios dedos de nervoso.

— Precisei de um tempo pra pensar depois daquele evento — ele começou, com a voz mais baixa. — E percebi que... talvez você seja diferente do que estou acostumado.

— Espero que isso seja um elogio — falei, arqueando uma sobrancelha.

— É — ele garantiu, encarando minha xícara ainda vazia. — Você não parece impressionada com nada. Nem comigo. É raro.

Poderia ter dito que sim, que estava levemente impressionada com os olhos dele ou com o modo como ele parecia enxergar mais do que mostrava. Mas preferi responder como a Isadora racional e cínica que o jornal me ensinou a ser.

— Sou jornalista. Fui treinada pra questionar o que parece muito bom. Principalmente quando vem acompanhado de fama e carisma.

Pedro deu um sorriso curto, quase contido. Mas havia algo diferente nele. Um cansaço, talvez. Ou uma tristeza que ele tentava manter em silêncio.

— Às vezes isso tudo cansa — ele confessou. — A imagem. As aparências. Os rótulos. Ser "o Pedro Dantas" o tempo todo... é exaustivo.

Quase respondi com empatia, mas me contive. Porque, mesmo que ele estivesse sendo sincero, ainda era um homem famoso que marcava reuniões em cafés fofos e não explicava direito o motivo.

— Eu entendo o cansaço — falei, por fim. — Mas ainda não entendo o motivo do convite. Por que me chamar aqui?

Ele me olhou por alguns segundos. Longos, intensos. Como se pesasse cada palavra que estava prestes a dizer.

— Porque preciso de alguém que diga a verdade. E acho que você é essa pessoa.

Silêncio. O garçom chegou com nossos cappuccinos, quebrando a tensão com um “com açúcar ou adoçante, senhorita?”.

Enquanto misturava o café, me perguntei o que ele estava querendo dizer. Se isso era um preâmbulo pra uma entrevista... ou pra algo maior.

Não era ainda o pedido. Mas o terreno já estava sendo preparado.

E eu? Eu continuava ali, tentando manter a pose, mesmo com o coração pulando feito louco.

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