Parte 44...AuroraEu me segurei no lugar. Me recuso a fugir de novo. Não aqui. Dessa vez eu vou revidar.— Ah... Mas você vai aprender a ter de novo. Não se preocupe - enrolou o cinto na mão e veio em minha direção, muito perto — Você agora vai fazer o que eu quero. Vai voltar comigo e vai se casar como foi feito o acordo. — Não vou! - estremeci.— Vai. Você vai, nem que seja morta, mas eu vou fazer você me pagar todos esses anos de raiva e frustração.— Por que simplesmente não me deixa em paz? - abri os braços — Se sempre quis que eu saísse de casa, aí está sua chance.— Agora não. Agora você vai fazer o que eu mando - avançou para mim.Eu entendi que dessa vez ele estava mais possesso do que das outras vezes e isso representava perigo pra mim.Recuei depressa, saindo de sua frente e tentei correr para trás do sofá, mas ele me puxou pelo cabelo com força e senti logo a dor do machucado anterior. Fechei os olhos e mordi o lábio para não gritar.— Eu deveria ter te matado antes, sua
Parte 45...DomenicoDeus meu! O ódio que eu senti foi forte e imediato, assim que entrei na casa e vi a pior cena que meus olhos podiam ver. Aurora no chão, machucada, sendo agredida pelo próprio pai. Aquilo me fez ferver o sangue. Não sei como não atirei logo naquele desgraçado. Meu coração batia tão forte que eu podia sentir a pulsação em minha têmpora.— Domenico... - a voz dela estava fraca e chorosa — Não faça isso, por favor!— Ele estava te machucando.— Mas não é por ele - segurou meu braço — Ele não vale que você tenha problemas.— Vá embora - eu peguei o velho e o empurrei para fora, quase fazendo com que caísse de novo — E não volte aqui, senão eu te mato!— Você é um idiota - ele limpou o sangue da boca com o braço — Vai se arrepender de defender essa aí. Vagabunda e...— Cale a porra da boca, Teodoro - dessa vez foi Arturo quem falou — Você ficou maluco? — E por que você está enrolando para levar essa suja de volta? Seu pai e eu temos o acordo de pé ainda.— Sim, eu se
Parte 46...DomenicoEla assentiu com um movimento quase imperceptível, os olhos marejados, a pele fria. Quando ergui a blusa devagar, senti o mundo desabar debaixo dos meus pés.A pele dela estava marcada com crueldade. Vergões vermelhos e roxos serpenteavam pelas costelas, pela lateral da barriga. Uma linha mais funda, aberta pela fivela, ainda sangrava devagar. Respirei fundo. Me controlei. Mas por dentro, eu já estava em chamas.— Filho da puta... - murmurei, quase num sussurro.Ela não respondeu. Apenas fechou os olhos enquanto eu a ajudava a tirar o resto da roupa com cuidado, como se cada peça fosse feita de vidro, que furava a carne dela. Quando vi o hematoma na lateral do rosto, o corte ainda fresco na testa, precisei virar o rosto por um segundo para não socar a parede. Mas ela me puxou de volta com um olhar. Um olhar que dizia "não me abandone agora."— Está tudo bem - menti, puxando o ar com força pelo nariz. — Eu estou aqui.Liguei o chuveiro. Esperei a água esquentar e
Parte 1...Aurora Deluca - Nove anos de idadeEu me assustei e abri os olhos depressa, olhando de um lado para outro na escuridão do meu quarto. Só a luz do banheiro iluminava um pouco com a porta aberta. Sentei. Ouvi um barulho e depois entendi que era um choro. Meu coração deu uma batida forte. Eu sabia de quem era o choro.Era minha mãe. De novo.E isso só significava uma coisa. Meu pai estava em casa. E aos nove anos, eu já não me sentia feliz quando ele chegava.Eu amo meu pai, mas ele não é uma pessoa fácil. Ou boa. Tenho medo dele, sempre tive. Ele não gosta de mim e eu sinto isso. Eu sei que tenho só nove anos, mas minha mãe sempre me diz que sou muito esperta e inteligente.E por isso eu sei que ele não gosta de mim. Não sei porque, não me lembro de ter feito algo errado. Sou uma menina obediente, estudo e gosto de ajudar mamãe.Me assustei de novo quando ouvi um som alto, parecendo uma queda. Pulei da cama, as mãos cruzadas em meu peito e andei devagar ate a porta do quarto
Parte 2...Aurora— Minha filha querida.Me virei e vi minha mãe, ao lado de um homem todo de branco. Acho que era um médico. Ele se aproximou de mim e pegou uma lanterninha fina, abrindo meus olhos e quase me deixando cega com aquela luz.— Como ela está, doutor? - minha mãe ficou ao meu lado.— As pupilas estão bem e os exames não mostram nada mais grave - ele suspirou parecendo aborrecido — Mas a senhora sabe que a polícia vai questionar o ocorrido. Sua filha está muito machucada.A cara que minha mãe fez foi de nervosismo. Eu a conheço. — Sim, eu sei - ela tentou dar um pequeno sorriso e olhou pra mim — É que minha Aurora é muito danada e não fica quieta - segurou meu braço — Foi mais um susto grande que ela nos deu, não foi, meu amor?Eu entendi que ela queria que eu mentisse. Apertou meu braço de leve, só com um toque. Eu concordei com a cabeça e ainda assim, o médico me olhou de um jeito desconfiado.— Nós temos alguns cães na casa - ela contou, meio sem jeito — E Aurora estav
Parte 3...Aurora— Me promete que você não vai contar o que houve pra ninguém, filha - ela me pedia com uma certa tristeza na voz — De forma alguma seu tio Pietro pode saber disso... Ele vai... Mandar seu pai embora - ela sentou na cama ao meu lado — E... Ele vai nos matar, você entende, não é querida? Seu pai vai nos matar se isso sair de casa... - ela engoliu pesado.O que eu poderia dizer? Meu coração está apertado e dói mais do que os machucados em meu corpo. Minha mãe está com medo, eu vejo e sinto isso. Eu também estou. Eu só tenho nove anos, o que posso fazer?Eu posso ser nova, mas eu sei que isso é errado e que minha mãe não deveria pedir isso pra mim. Mas ela pediu.— Está bem, mamãe... - respondi com tristeza e já chorando. A abracei — Eu não vou contar pra ninguém, eu prometo.— Nem mesmo para a Diana, me promete? Ela pode contar ao pai.Diana é a minha melhor amiga. Ela é filha mais nova de meu tio Pietro e a gente sempre se deu muito bem. Nascemos quase no mesmo dia e n
Parte 4...Aurora - hoje em diaBocejei e me espreguicei. Eu já tinha acordado há uns quinze minutos, mas a preguiça me pegou de jeito. O voo até que foi tranquilo, tirando o cara ao meu lado, que ficou puxando conversa, até que eu coloquei os fones de ouvido e ele finalmente entendeu que eu não queria conversar.Não há voos diretos e frequentes saindo da Calábria para Palermo. Tive que fazer uma conexão em Roma e isso demora mais umas três horas, então no total, fico cerca de cinco horas, pra ir e voltar. Mas vale a pena a ida.Eu poderia ter voltado de avião particular, que Carlo me ofereceu, como outras vezes, mas achei melhor não. Apesar dele ser um homem muito legal comigo e de termos uma certa amizade, sei que meu pai iria me encher a paciência se eu ficasse usando esse favor, todas as vezes em que eu fosse até Palermo para visitar Diana, que agora tem um lindo garotinho de nove meses.O pequeno é um pouco dos dois. Os olhos e o nariz são iguais aos do pai, Carlo. Já o cabelo, a
Parte 5... Aurora— Aurora, o que você tem?— Não sei, Gisele - suspirei e apoiei as mãos na bancada, olhando meu reflexo — Eu me sinto desanimada.— Mas você acabou de chegar de Palermo. A viagem não foi boa?— Foi sim, foi ótima - saí e ela veio atrás de mim — É só que... Sei lá... Eu fiquei feliz em ver a Diana com o Giancarlo e como ela está bem com o marido. Isso foi bem legal.— Então, não entendi querida.Entrei no closet para escolher uma roupa.— Ai, Gisele... Eu não sei, talvez eu esteja só exagerando ou então é cansaço mesmo.Não é bem um cansaço normal. É que já faz um tempinho que minha vida meio que deu uma estagnada em alguns pontos. E também, eu já deveria ter saído dessa casa há muito tempo, mas não o fiz para não deixar minha mãe sozinha com esse homem cruel que por um azar, é meu pai. Triste verdade.— Aconteceu alguma coisa por lá que te deixou aborrecida?Olhei para ela com um pequeno sorriso. — De certa forma... Mas é algo que eu já sabia que iria acontecer, nã