— Consegue pensar em outra alternativa? — a voz de Evan zumbiu na sua mente, como um fantasma disposto a apavorá-la.
As mãos delicadas se mantiveram contra o rosto, os cotovelos sobre sua larga mesa de vidro. As petições do faxineiro postas espalhadas à sua frente.
Lennon se viu suspirando pesadamente, voltando a analisar os papéis. O nome: Jhon Joseph, escrito ao final da folha em um garrancho horroroso.
— Se eu estivesse disposta a te dar ouvidos, então teria que lidar com o fato de nosso filho ter uma letra ridícula — comentou, erguendo os olhos claros na direção do irmão. — Essa não pode ser a única alternativa. Quer dizer, seu advogado pode conseguir reverter essa bagunça. Não pode?
— Ele é bom, mas não tem muitas cartas na manga que nos favoreçam — o homem se aproximou, sentando-se na cadeira ao outro lado da mesa. Não se preocupou com modos, ficando de forma relaxada. — Tudo isso nos pegou de surpresa. Acho que tivemos sorte. O velhote poderia ter batido as botas com aquele acidente e só saberíamos do testamento alterado depois de perder tudo.
Lennon precisou revirar os olhos.
— Está me dizendo que devo encarar tudo isso como uma dádiva ou algo assim? — a voz rancorosa.
— Pelo menos seja mais otimista. Essa sua cara feia melhoraria bem mais se conseguisse ser um pouco mais grata — e então se recostou adequadamente, colocando o tornozelo sobre um dos joelhos.
— Se eu sou feia, você também é.
— A diferença é que meu coração não é rabugento igual o seu. E isso me deixa lindo.
— Fica quieto, por favor — ela, praticamente, implorou. Seu irmão não estava ajudando. E não estava pensando em alternativas nos quais a deixasse mais confortável. — Precisamos reunir provas, é isso que precisamos fazer. Não sei... tentar falar com o papai de novo. Quem sab-
— Não está falando sério, está? — se curvou para frente. — Ele pensa que você é a nossa mãe. Não se lembra de nada, Lennon. E também, seria antiético reformular um testamento e dar para ele assinar naquelas condições.
— Mas eu não pensei nisso.
— Bom, eu sim... — e voltou se recostar.
Lennon pensou que deveria expulsar seu irmão dali por tamanha inclinação a ser um tremendo vigarista. Ele levava jeito para passar a perna nas pessoas, e prova disso era a enxurrada de mulheres que conseguia despistar por ter transado com elas e não ligar no outro dia; também era bom fugindo do marido de algumas dessas.
De qualquer forma, seria bem mais fácil se o anterior e autêntico documento do testamento fosse assinado pelo pai. Mas nem mesmo isso ela conseguiria ter certeza se daria certo — o pai, certamente, faria uma algazarra em negação caso tentassem trapacear, já que sua consciência o levava para o tempo onde estava começando o empresariado. Por outro lado, ela poderia se passar por sua mãe e persuadir o velho, quem sabe usar um dos vestidos longos há muito guardados... mas acabaria se revelando uma mal caráter como o irmão.
Ela se viu negando com a cabeça com tamanho pensamento desprezível, além da ideia horripilante de serem iguais até nisso.
— Ei? — Evan a chamou.
— O que?
— Sua secretária gostosa tá avisando que ele chegou — ele falou baixo. — Vai tentar fazer isso ou esperar as provas caírem do céu?
Lennon sabia que, infelizmente, seu pai não poderia estar vivo até lá; e eles fizeram uma promessa ao velho Kenny. Cuidariam do que ele construiu, do que ele passou a vida erguendo e deixado legalmente para eles.
A KutcherTec levava o nome dele, o nome deles!
Não seria de mais ninguém!
Depois de engolir em seco, a mulher encarou o irmão gêmeo.
— Acha que pode dar certo?
— Por que não? Ele está desesperado, com problemas de verdade. E ele só iria precisar tocar umazinha no banheiro — Evan deu de ombros, como se tivesse dito algo proveitoso. — Que cara não iria querer ganhar uma grana enquanto descabela o palhaço?
— O único palhaço aqui é você, Evan — ruborizada e enojada, Lennon se levantou, olhando para o meio corpo da secretária na porta. — Deixe-o entrar, Kate.
Dois segundos depois, uma cabeleira dourada cruzou a entrada da sala. Jhon parecia estar desconfortável, sem o boné, apertando-o com força entre as mãos fortes e trabalhadoras. Ele parou mais perto da porta do que deles.
Evan, ainda sentado, olhou-o sobre o ombro.
— Chega aqui, cara — falou ele, rindo. — A gente não morde não. A menos que você fique daquele jeito de saia — Evan apontou para a saída, se referindo à secretaria da irmã.
Envergonhado, ele assentiu.
Sob o olhar de Lennon, o loiro se aproximou cautelosamente. Ela estava levando tudo em consideração: a letra horrível; a lerdeza, aparentemente; o cabelo era bonito, ela admitia; os olhos, incrivelmente atraentes; era alto, então talvez o filho deles não sofreria com baixa estatura ou seria chamado de tampinha na escola; e também, não usava óculos...
— Pode se sentar — educada, Lennon apontou para a cadeira desocupada ao lado de Evan, se sentando também. — Me diga algo, antes de entramos no assunto: Você possui problemas de visão? Usa óculos em algum grau ou lentes de contato?
As sobrancelhas loiras se uniram.
— Não tenho nenhum problema de vista.
Jhon começou a cogitar a possibilidade dela colocá-lo em um setor privilegiado, de repente trabalhar nas mesas e nos computadores do terceiro andar que ele nunca soube o que faziam. Acabou sentindo uma doce pontada de esperança em seu coração ingênuo.
Assentindo, Lennon escreveu algo em um bloco de anotações, voltando a interrogar o faxineiro:
— É intolerante a algum alimento?
Mesmo sem entender o que aquilo influenciaria em seu trabalho nos computadores, Jhon respondeu, temeroso, não querendo perder a oportunidade de promoção:
— Lactose.
Lennon só fez resmungar algo, pensativa em sua anotação. Pelo visto, o filho deles não seria míope, mas acabaria com o banheiro depois de chupar sorvete.
— Era bom na escola? Tirava boas notas?
Então, a pontada de esperança nele começou a se esvair.
— Bem, eu dava o meu melhor — tentou fazer parecer razoável o fato de ter passado o ensino médio de raspão. A expressão da chefe indicava que não estava completamente satisfeita, o que, para ele era no mínimo angustiante. — Quero dizer, nunca reprovei de ano. Precisei fazer muitos reforços, é verdade, mas em parte foi porque trabalhava na feira pela manhã, e chegava na escola com sono. Por isso, sei que fiz o meu melhor.
A futilidade do que estava fazendo começou a incomodar Lennon, descendo a caneta e esquecendo-se do bloco de notas. Sua causa era importante também, porém não precisava resumir o acordo que pretendia propor à puro egoísmo e autossatisfação.
As mãos se cruzaram sobre a mesa. Acabara de ficar genuinamente interessada em Jhon Joseph.